O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou recentemente um relatório informando o nome dos 100 maiores litigantes no judiciário brasileiro. Já imaginávamos quem seriam eles, mas faltava a informação oficial. Este relatório está disponível para download no próprio site do CNJ.
Para início de conversa, vamos observar apenas os 20 primeiros nomes divididos em públicos e privados:
PÚBLICOS (colocação) | PRIVADOS (colocação)* |
INSS – 1º | Banco do Brasil – 5º |
CEF – 2º | Banco Bradesco – 7º |
Fazenda Nacional – 3º | Banco Itaú – 8º |
União – 4º | Brasil Telecon Celular – 9º |
Estado do Rio Grande do Sul – 6º | Banco Finasa – 10º |
Município de Manaus – 11º | Banco Santander – 13º |
Município de Goiânia – 12º | Banco ABN Amro Real – 14º |
Instituto de Previdência do RS – 20º | BV Financeira – 15 |
Banco HSBC – 16 | |
Telemar – 17º | |
Banco Nossa Caixa – 18º | |
Unibanco – 19º |
* incluindo as sociedades de economia mista.
Nossa previsão estava correta: dos 20 maiores litigantes deste país, mais da metade é composta por grandes bancos, que lucram bilhões a cada balanço. A outra parte, menos da metade, também como imaginávamos, é composta por entidades do Estado, ou seja, quem mais litiga no Judiciário brasileiro são “caloteiros” ou “gananciosos” que assim agem por convicção de violar a lei em seu próprio benefício, e não por desconhecê-la.
Sabemos todos que estamos neste meio que o Estado e Bancos quase sempre são demandados por não cumprirem seus compromissos e obrigações (Estado) ou por violação ao direito do consumidor (Bancos). Fora disso, o Estado demanda quando executa contribuintes e os bancos quando cobram de consumidores em mora.
Com relação aos bancos, em qualquer hipótese, seja demandante ou demandado, são situações causadas por eles mesmos, ou seja, violam o direito do consumidor ou estipulam juros e taxas exorbitantes que seus clientes não podem pagar, resultando sempre em uma ação judicial, seja como demandado para reparar danos ou revisar cláusulas contratuais, seja como demandante para cobrar de clientes em mora.
Em favor dos bancos, o STJ já decidiu:
Súmula 380 - “A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor.”
Súmula 381 - “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.”
Súmula 382 - “A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.”
Súmula 385 - “Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento.”
Além disso, entendeu o STJ, (Resp 1083291) que a postagem de correspondência ao consumidor para prévia notificação de inscrição em cadastro de proteção ao crédito não precisa ser feita com aviso de recebimento (AR). Sendo assim, é desnecessária a comprovação da ciência do destinatário mediante apresentação de aviso de recebimento (AR).
De forma sofisticada, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos define esta situação como sendo uma espécie de “privilégio do poder” dispensado pelo Poder Judiciário a determinadas categorias, ou seja, “o privilégio do poder junto à justiça, traduzido no medo de julgar os poderosos, de investigar e tratar os poderosos como cidadãos comuns”. (Santos, Boaventura Sousa. Para uma Revolução Democrática da Justiça. São Paulo: Cortez, 2007).
Ora, sendo ou não o caso de privilégio dos bancos e do Estado, a sensação que se tem, depois da divulgação do relatório do CNJ, é que o Poder Judiciário brasileiro vive a ilusão de distribuir a Justiça, mas não passa de cúmplice de um Estado “caloteiro” e de um sistema bancário“ganancioso” que viola o direito do consumidor, gerando lucros bilionários a cada balanço, apostando na nossa falta de estrutura e deficiência de pessoal.
E vamos todos nós vivendo esta ilusão: o Estado e os Bancos violam deliberadamente a lei em seu proveito próprio; aumenta a cada dia o número de ações ajuizadas neste país; as condenações são irrisórias para o consumidor e insignificantes para os bancos; o CNJ exigindo que os Juízes, com as mesmas deficiências de sempre, cumpram metas para responder a esta falsa demanda e, como não está sendo possível, nós juízes levamos a culpa e somos chamados de preguiçosos e descompromissados com a Justiça.
E assim, enquanto vivemos esta ilusão de que estamos distribuindo a Justiça, o Brasil já conta mais de meio milhão de pessoas presas, sendo que, segundo dados do Ministério da Justiça, 74,88% dos presos cursaram até o ensino fundamental; 71,39% dos presos tem de 18 a 35 anos; 75,02 % dos presos cometeram crimes contra o patrimônio ou tráfico e apenas 19,36% dos presos estão em atividades de laborterapia.
Certo, portanto, depois da publicação deste relatório, que se o Estado Brasileiro cumprisse com suas obrigações em relação aos cidadãos e se os bancos fossem obrigados a resolver, em sua própria estrutura, grande parte dos problemas que causam (por exemplo, 90% das reclamações dos correntistas), o Judiciário Brasileiro teria condições de olhar para quem mais necessita de Justiça neste país: os pobres e excluídos.
Por fim, há momentos em que sinto uma terrível dificuldade em defender esta tal de “segurança jurídica”, o famoso “Estado Democrático de Direito” e a legitimidade do Poder Judiciário para distribuir a Justiça e manter a paz social neste país. Parece, como diz Caetano Veloso, que “alguma coisa está fora da ordem...”
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