por Rosivaldo Toscano Jr. em seu Blog
Partindo do pressuposto de que em um Estado Democrático de Direito não se admite um processo inquisitivo e que é clara a inclinação em favor do sistema acusatório pela Constituição da República do Brasil, pergunto: quais as principais características do sistema acusatório? A face mais marcante é a distinção clara das funções de acusar e julgar, que termina repercutindo nas demais assim: a) como há essa distinção, a iniciativa probatória deve se dar pelas partes e não pelo juiz; b) o juiz deve se portar como um terceiro imparcial e alheio à investigação e passivo em relação à coleta da prova; c) essa postura de isenção permite a paridade de armas entre as partes; d) essa postura de isenção também repercute na publicidade do processo para as partes e a sociedade; g) como há paridade de armas, deve ocorrer também o contraditório; h) essa postura impõe o livre convencimento motivado nas decisões judiciais, e não mais a íntima convicção ou o sistema de provas tarifadas; j) duplo grau de jurisdição. E o leitor pergunta: o que isso tem a ver com a busca da verdade real?
Entendo que o juiz, no sistema acusatório, precisa se comportar como terceiro alheio aos interesses das partes.
Notadamente na gestão da prova, necessita haver paridade de armas entra as partes. O juiz não pode ser Órgão auxiliar da investigação, nem mesmo sob o argumento de busca da verdade real. O juiz investigador aproxima-se do inquisidor. Essa postura inquisitiva e de “busca da verdade real” se adequava ao momento da outorgação do CPP (1941).
À época, vivia o Brasil a ditadura Vargas. Nosso "Código de Processo Penal", na verdade, é um Decreto-Lei. Não poderia, assim, refletir senão o autoritarismo que o gerou. Mas hoje uma boa parte do CPP não mais se coaduna com a ordem constitucional vigente. Uma leitura constitucional do art. 156 do CPP o desmascararia como inconstitucional. Diz ele (destaquei algumas palavras):
“Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz DE OFÍCIO:
I - ORDENAR, MESMO ANTES DE INICIADA A AÇÃO PENAL, A PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS CONSIDERADAS URGENTES E RELEVANTES, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
II - DETERMINAR, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS PARA DIRIMIR DÚVIDA SOBRE PONTO RELEVANTE.”
O cuidado que se deve ter no pós CR-88, portanto, é não ferir, nessa busca, direitos fundamentais, entre eles o de ser julgado por um órgão imparcial e desinteressado. O juiz que conduz a produção da prova, por mais bem intencionado que seja, termina se contaminando pelo objeto da busca. Vincula-se psicologicamente ao que procura. E se procura, sai do seu lugar de isenção. E como diz o adágio, "quem procura, acha". E por que procura? As partes existem exatamente para isso. E havendo dúvida, relevante ou não, absolve-se.
Respeitando opiniões em contrário, acho que, sem perceber, o juiz investigador da "verdade real" se despe da toga e passa a vestir a beca da acusação. E por que a da acusação? Porque o ônus de provar o alegado é do acusador. Ora, se a função do acusador é comprovar a materialidade a e autoria dos fatos, o magistrado que também investiga termina por auxiliar o Ministério Público nesse ônus. O papel do juiz tem que ser maior do que esse. E não venham falar que a busca da verdade real beneficia a defesa, pois, na dúvida, o dever é de absolver. Deixemos as partes se atuarem e cumprirem seus papéis. Cabe a elas a iniciativa da prova e sua produção. Ao juiz, garantir a paridade de armas, o respeito aos direitos constitucionais do acusador e do defensor, a valoração das provas e o julgamento com base num juízo motivado.
Assim, não cabe ao juiz ajudar nenhuma das partes, ser tutor da “verdade real”, até porque a tal verdade real, no meu entender, nunca será alcançada. O trabalho do juiz é o de resgatar a historicidade dos fatos. E as partes lhe darão o material de estudo, cada uma contando sua história.
Certa vez, dialogando com um colega promotor de justiça, ele defendeu a busca da verdade real, pois o juiz criminal, segundo ele, tinha um dever perante a sociedade de ser mais um "combatente da criminalidade". Respondi-lhe que ele não bem compreendera o lugar do juiz na CR de 1988. A função do magistrado criminal é aplicar o direito penal mediante o necessário processo penal, respeitando os direitos fundamentais.
Em vez do magistrado na busca da verdade real, proponho a real verdade da busca no juiz. Ela deve ser, sempre e inexoravelmente, a isenção.
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