11 de abr. de 2011

Cidadãos de segunda

por Volnei Carlin * no Diário Catarinense

Entre as principais aspirações do Estado Democrático acha-se a redução das diferenças jurídicas entre indivíduos, inadmitida a absoluta igualdade de possibilidades desmentida pelos fatos. E a certeza nessa convicção fica mais preocupante, chegando ao sentimento de crescente frustração, quando a prestação do serviço público da Justiça provoca situações inseguras e desequilibradas ao rechaçar participações e influências populares. Quando isso ocorre, a ordem legal entra em crise, o conceito de Justiça é posto em dúvida e a cidadania é renegada na construção de uma sociedade de paz. Desse modo, a tempestade de críticas que sucedeu a recente decisão do Supremo Tribunal Federal envolvendo os fichas sujas _ símbolo maior da impunidade _ evidencia, no mínimo, o fato de que ela, alvo de intenso debate de origem popular, foi elaborada em círculo restrito e distante, relegado o princípio de que a lei retrata uma época específica da vida nacional, com desprezo do equilíbrio social, despertando uma reação popular de rejeição à concepção da boa justiça, como uma névoa maléfica que paira sobre os eleitores, considerados cidadãos de segunda classe.

Neste quadro de angústias e perplexidades, à luz de um texto constitucional desarmônico, o Judiciário penalizou o Legislativo e o organismo social que esperavam, aflitivamente, uma solução positiva, embora pertença a ele, com a sua tarefa judiciária, a missão de modificar a realidade social e política sem violentá-la ao sugerir decisões apenas periféricas. A Lei em questão corre o risco de ter menosprezado peculiaridades da realidade brasileira, com o estancamento da evolução jurídica nacional.

Não é raro que, em tais circunstâncias, desmoralize-se o Direito, apontado como força retrógrada, que embaraça o progresso e ofusca a ética, perdendo-se em formalidades inúteis e conteúdo dissociado de nosso tempo, incapaz de reprimir reações em vias de explodir.
* DESEMBARGADOR APOSENTADO, ADVOGADO

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