25 de abr. de 2011

A nova política monetária

Demian Fiocca via Nassif
25/04/2011
Neste início de 2011, o Banco Central (BC) deparou-se com um desafio complexo e sofisticou a política monetária. Além de operar a taxa de juros, incluiu controles quantitativos, que influenciam mais diretamente a expansão do crédito: os instrumentos "macroprudenciais".
Foi uma decisão correta, alinhada ao estado da arte internacional. Deve contribuir para melhorar o conjunto de resultados da economia.
A forte alta nos preços internacionais de matérias-primas, alimentos e energia deslocou a inflação brasileira em 2,5% nos últimos meses, afastando-a do centro da meta. Além disso, a desejável redução do desemprego e a elevação do nível de renda colocou pressão sobre o custo dos serviços.
Coloca-se então o desafio de reduzir a inflação, o que recomenda a elevação dos juros.
Mas os juros altos contribuem para a valorização excessiva do real. E isso ameaça produzir o enfraquecimento do tecido industrial brasileiro, o que não é desejável.
Para manter juros altos, mas moderar a valorização da taxa de câmbio, o BC compra dólares. Nos últimos anos, o acúmulo de reservas foi um dos grandes acertos da política econômica e esteve na base da excepcional resistência do Brasil à crise. Só que, quanto mais altos os juros, mais custam as reservas.

Além disso, por diversas razões, mesmo taxas de juros muito altas mostraram ter, no Brasil, uma menor eficácia na moderação do crédito do que na maioria dos países. 
A solução para esse contexto complexo foi combinar a elevação de juros com medidas que atuem mais diretamente sobre o crédito. Estas contribuem para a segurança do sistema financeiro, a moderação da atividade econômica e a queda da inflação. E têm a vantagem de que não reforçam os efeitos indesejáveis dos juros altos sobre a taxa de câmbio e as contas públicas.
Entre os principais bancos centrais e lideranças econômicas no mundo, a crise de 2008/2009 mostrou os riscos de focar a política monetária apenas na gestão dos juros. Ganhou importância a busca de regulação que influencie mais diretamente a segurança das instituições financeiras e a expansão do crédito.
É um debate que renasce. No imediato pós-guerra, sob influência dos valores sociais-democratas e do prestígio do keynesianismo, havia forte consenso no Banco da Inglaterra (e na maior parte do mundo) em favor de taxas de juros baixas.
Mas, em 1951, com a vitória dos Conservadores sobre os Trabalhistas, altera-se o mix de política econômica: os "Tories" queriam gastar mais e compensar a expansão fiscal pagando juros mais altos.
Em 1955, porém, a inflação começa a subir e os juros mais altos não conseguem conter a expansão do crédito e a alta de preços.
Cria-se então uma comissão parlamentar, liderada por Sir Radcliffe*, para averiguar, junto aos maiores economistas ingleses e aos tomadores de decisão no setor financeiro, como, afinal, as taxas de juros operavam sobre a economia e se sua eficácia era ou não satisfatória.
Após um ano e meio de averiguações e mais de 100 autoridades, executivos e economistas ouvidos, o relatório final atesta que "não teve grande sucesso" em encontrar "evidências convincentes" do "efeito de incentivo-juros" sobre as decisões de gasto privado. Ou seja: reconheceu-se que a eficácia das taxas de juros é limitada.
Nos EUA, em 1996, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Alan Greenspan, fez seu famoso alerta contra a "exuberância irracional" dos mercados. Chamava a atenção para os preços inflados das ações, especialmente de internet, anos antes do estouro da bolha, em 2000-2001.
Greenspan inovou ao manter juros moderados, mesmo com a queda do desemprego a níveis antes considerados inflacionários, pois percebeu que a produtividade estava crescendo rapidamente. Seu diagnóstico estava certo e a inflação não subiu. Contribuiu assim para um dos períodos mais prósperos da economia americana das últimas décadas.
Mas as crises de 2000-2001 e de 2008-2009 mostraram que a expansão excessiva do crédito deu suporte à euforia e às bolhas. As crises que as sucederam fragilizaram o sistema financeiro e atingiram a economia real.
Daí surge o debate: uns criticam os juros moderados do Fed, pois fertilizariam a criação de bolhas e crises. Outros criticam a ideia de subir juros para conter a especulação, pois sacrificaria a economia desnecessariamente.
As discussões internacionais sobre novas exigências de capital e o fortalecimento da regulação estão no contexto de reação à crise. Mas as medidas "macroprudenciais" que daí emergem tratam também essa tensão entre objetivos da política monetária. Um BC pode, sim, manter juros moderados, visando a sustentar o crescimento com inflação controlada. Mas deve, simultaneamente, conter os excessos de risco e de crédito usando novos instrumentos.
O prêmio Nobel Michael Spence e Olivier Blanchard, economista-chefe do FMI e uma das principais referências do pensamento macroeconômico contemporâneo, apontaram recentemente que as políticas monetárias tenderão a incluir vários instrumentos como juros, regulação prudencial e intervenções no câmbio. Foi em um seminário do FMI, agora em março último.
No Brasil de 2011, não se trata de conter uma expansão de crédito especulativa. O desafio é mais "macro" do que "prudencial": moderar o crescimento para reduzir a inflação.
Mas a inteligência de introduzir novos instrumentos à política monetária, quando o uso exclusivo de juros mostra-se insatisfatório ou excessivamente custoso, está alinhada aos desafios discutidos entre os melhores e mais maduros bancos centrais do mundo. Encontra respaldo, não só na boa técnica e no espírito público, como em algumas das mentes mais brilhantes da macroeconomia internacional.
* The Radcliffe Report, de Nicholas Kaldor.
Demian Fiocca é economista e autor de A Oferta de Moeda na Macroeconomia Keynesiana (Ed. Paz e Terra, 2000). Foi presidente do BNDES e da Nossa Caixa. É sócio-diretor da Mare Investimentos. 

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