Mário Vargas Llosa ganhou o Nobel de Literatura em 2010. Não desperdiçou a oportunidade para empenhar seu crescente prestígio literário em defesa do liberalismo. As revistas, jornais e televisões no mundo logo repercutiram com força suas declarações sobre a literatura latino-americana e especialmente suas críticas à política na América Latina. É preciso recordar que nem sempre foi assim; o festejado Vargas Llosa também amargou dias de marginalidade literária e política.
A propósito da repercussão do prêmio no Brasil, encontrei comentário tão antigo quanto atinado de Darcy Ribeiro sobre o agora laureado: "Mario Vargas Llosa nunca teve muito espaço na imprensa no Brasil quando falava com sua própria voz. Hoje, como porta-voz da direita, quando vai lá é um herói, com páginas inteiras nos grandes jornais e todo o Sistema Globo de Televisão a serviço de sua glória". (1)
De minha parte, li no ano passado "Sables y Utopias. Visiones de América Latina", uma coletânea de ensaios agora também publicado no Brasil em que podemos observar os escritos de Vargas Llosa durante os últimos 40 anos sobre temas, problemas e personagens de nosso continente. No livro se vê claramente a evolução do escritor progressista dos anos 60 ao homem de direita da atualidade. Em uma larga entrevista no semanário de maior circulação no Brasil, ele investiu novamente contra os governos populares da região, afirmando que "o nacionalismo fez muito mal à América Latina. O nacionalismo é a cultura dos incultos". (2)
Na verdade, as declarações recentes repetem o que escreveu em 2006 – ensaio também incluído no livro – em seus ataques ao presidente Evo Morales quando o presidente boliviano realizou uma exitosa visita à Europa revelando as razões históricas, o ímpeto e os sentidos das mudanças revolucionárias em curso no país andino. Mario Vargas Llosa condena todo nacionalismo; ele sequer suspeita, como George Orwell advertiu há mais de 70 anos, que "o nacionalismo é um tema enorme", razão pela qual sua eloqüente sentença só não é superficial porque, muito possivelmente, é apenas um brado para ocultar algo que julgo essencial: o nacionalismo dos países centrais. Ao contrário do que acontece na maioria dos outros países latino-americanos, o discurso do escritor peruano – naturalizado espanhol – funciona no Brasil como peça adicional na campanha antinacionalista permanente da imprensa brasileira. "O nacionalismo é a cultura dos incultos"! Sem dúvida, é o bordão preferido da "elite pensante" nacional. Não deixa de ser curiosa a situação. Nosso mundo é feito de nações e estamos assistindo em 2011 ao nascimento do Sudão do Sul na África e a possibilidade de divisão da "civilizada" Bélgica em dois novos países não se pode descartar.
Há exemplos mais importantes, obviamente. Aqui no Brasil ninguém percebe que o discurso de posse de Barack Obama foi uma peça nacionalista sem antecedentes nos Estados Unidos. Não somente uma declaração de fé no seu povo, mas a afirmação de que os Estados Unidos são capazes de sair da crise inaugurada de maneira visível em setembro de 2008 como serão especialmente escolhidos pelos deuses para ordenar o mundo em torno da "democracia e dos mercados livres".
A julgar pela imprensa brasileira, tampouco é possível observar que Nicolas Sarkozy é outro nacionalista obstinado em recuperar o poderio francês numa Europa que gira cada dia mais em torno da Alemanha. No entanto, observado desde o trópico brasileiro, parece que Sarkozy é apenas um conservador, jamais um ultranacionalista conservador na mesma medida em que Obama é um democrata nacionalista e somente secundariamente um afro-descendente na presidência da potência mundial cambaleante. Poderia ser diferente? Alguém poderia imaginar nos EUA um presidente que não fosse nacionalista? E na França, um primeiro-ministro não nacionalista?
Apesar das abundantes evidências, os líderes das nações imperialistas aparecem na imprensa brasileira como homens genuinamente preocupados com o futuro da humanidade e nunca interessados exclusivamente em manter ou conquistar mais poder para suas próprias nações. Mas se é impossível ler num jornal brasileiro o adjetivo nacionalista para o primeiro-‘ministro francês ou para o presidente dos EUA, é fácil encontrá-lo quando se trata de Evo Morales ou Rafael Correa e – sem dúvida, o preferido entre todos – Hugo Chávez. Neste caso, o leitor poderá conferir como a ordem unida se faz com perfeição no exercício da liberdade de imprensa: o "presidente nacionalista" Evo Morales disse.... o "presidente nacionalista" Rafael Correa determinou... e, principalmente, o "ultra-nacionalista" Hugo Chávez ordenou... Enfim, o tratamento jornalístico dá a impressão que o nacionalismo é uma doença tropical, impossível de encontrar-se nos Estados Unidos, na Inglaterra ou na França.
Li com sumo interesse o último livro de Vargas Llosa e não é difícil perceber que sua conversão para as teses liberais que aprofundaram a desigualdade na América Latina é sabotada – esta é a palavra – pelo conceito de subdesenvolvimento que ainda permanece em seus textos, inclusive os recentes. É como se a conversão de Vargas Llosa ao liberalismo não fosse suficientemente profunda para erradicar um conceito que, em oposição aos liberais autênticos, se opõe à ideologia da modernização, responsável pela aceitação popular de expressões ideológicas como "vias de desenvolvimento", "países emergentes" etc. Ao contrário destas expressões, o conceito de subdesenvolvimento mantém certa tradição crítica, difícil de extirpar; e eu diria – provavelmente para espanto de Vargas Llosa – que é a chave para elucidar a questão nacional nas sociedades dependentes.
A sociologia uspiana e em conseqüência o mundo "culto" brasileiro tentou por todos os meios evitar o incômodo conceito (subdesenvolvimento) desde sempre. O resultado prático desta opção é que, entre nós, tanto a formação do jornalista quanto a do sociólogo curva-se mais ao espírito de Poliana do que às exigências epistemológicas ou teóricas que deveriam acompanhar a profissão. Por isso, até mesmo um aprendiz de sociólogo sabe que deve buscar o lado moderno em tudo, inclusive na indústria de suco de laranja, por exemplo.
O jornalista, o escritor ou o sociólogo busca com obstinação uma molécula de modernidade capitalista em todas as relações sociais. Enfim, treinados para ver o lado moderno em tudo, os "homens de cultura" no Brasil não percebem que a simbiose entre o moderno e o atrasado caminha bastante bem para manter o país nas malhas do subdesenvolvimento. Vargas Llosa, neste aspecto, é menos apologético que seus colegas de rota no Brasil. Mas ambos estão de acordo em condenar qualquer comportamento ou política nacionalista na periferia capitalista subdesenvolvida. E estão, obviamente, menos inclinados a aceitar que desenvolvimento e subdesenvolvimento são duas caras da totalidade capitalista.
Na atualidade, ao contrário da época em que pensavam os caminhos de superação do subdesenvolvimento, o escritor latino-americano julga estar imune à indústria cultural, cujo motor se encontra nos países metropolitanos. Em função desta regressão intelectual, ele esquece que a falta de leitores para seus livros, as edições inapelavelmente limitadas em função da concentração da renda que caracteriza a economia, a política cultural do Estado marcada pelo colonialismo são resultados necessário do subdesenvolvimento.
Em conseqüência, ao evitar o tema do subdesenvolvimento, o escritor latino-americano não percebe que a falta de espaço no jornalismo para sua produção artística ou cultural está intimamente articulada com a opção pelo Tio Patinhas, os milhões de livros de Harry Porter, a promoção cinematográfica hollywoodiana, o modismo literário ou artístico criado pela televisão e as páginas dos cadernos culturais dos jornais paulistas...
Ingenuamente, parte considerável dos escritores latino-americanos, atemorizada pela sensação de ficar fora da moda, não vacila em afirmar seu anti-nacionalismo e, em conseqüência, professa espécie de liberalismo ingênuo, que supõe a existência de "espaço para todos", como se fosse possível ao escritor desconhecido apenas os méritos de sua obra para alcançar o grande público.
Ele não entende que a competição com o produto cultural promovido em escala industrial pelos países centrais não se realiza em igualdade de condições. Em poucas palavras, ele evita o tema do subdesenvolvimento e ignora o fato de que o colonialismo organizou a vida social na periferia latino-americana por três séculos (até 1825) e, quando desapareceu, entramos no período histórico do subdesenvolvimento.
Por isso, foi uma delícia ler os textos de Vargas Llosa: a tradição crítica que ele pretende evitar no pensamento latino-americano e que com tanto empenho execra na política é a razão da vitalidade de sua literatura. Por outro lado, os textos revelam imensas contradições que, esclareço logo, fizeram minha felicidade. Vargas Llosa desbanca, por exemplo, o empresariado peruano, considerado "sem imaginação e sem espírito, a quem aterra a idéia da concorrência e cujos esforços, em vez de produzir, se orientam somente a conseguir privilégios, prebendas, monopólios". Enfim, com semelhante burguesia, onde estão as forças para modernizar o Peru? Ademais, o DNA da burguesia peruana não é muito semelhante ao encontrado nas burguesias de outros países latino-americanos?
Há também sentenças que na boca de um esquerdista seriam condenadas peremptoriamente e consideradas um mecanicismo inaceitável, mas serão serenamente aceitas como verdade quando ditas pelo Nobel: "o problema é que a democracia política sem desenvolvimento econômico dura pouco"! De certa forma, esta afirmação é melhor do que a de Francisco Weffort, nosso ex-ministro de Cultura, quem afirmou certa vez que o desafio brasileiro era a consolidação da democracia em meio à imensa pobreza. Enfim, mesmo com mais da metade da população com os pés na lama a democracia poderia funcionar bastante bem...
Em um texto de 1985, quando já era um desinibido conservador, Vargas Llosa indica que os problemas enfrentados pela Revolução Sandinista são, essencialmente, derivados dos "condicionamentos brutais do subdesenvolvimento" e não, suponho, exclusivamente pela cabeça desmiolada dos revolucionários que lideraram a Revolução em 1979. Muitos anos depois, já convertido completamente ao credo liberal e engrossando o coro contra Daniel Ortega – que exercia novo mandato presidencial na Nicarágua –, o escritor manifestava que para o país centro-americano ainda faltava muito para superar "este poço de horror e vergonha que chamamos subdesenvolvimento", afirmação que situa os descaminhos do sandinismo em um marco mais realista.
Outra pérola é seu discurso em Davos, em 2001, quando ele já era um profeta da globalização e dos supostos benefícios que esta traria para os países dependentes: "... apesar de haver deixado atrás o subdesenvolvimento há tempo em matéria de criatividade artística – nesse campo, somos, ao contrário, imperialistas –, América Latina é, depois da África, a região do mundo onde há mais fome, atraso, desemprego, dependência, desigualdades econômicas e violência".
Poderia haver confissão de maior impotência, após anos de aplicação do receituário liberal na maioria dos países latino-americanos? Li preciosidades sobre o sistema político da região, repletas de ironia contra a tradição de esquerda, supostamente avessa ao compromisso político: "Porém a democracia tem grandes dificuldades para aclimatar-se em países refratários, por tradição e por cultura, a aceitar a pobre realidade, o medíocre caminho do gradualismo, do possível, da transação e do compromisso, da coexistência da diversidade...". Como se as classes dominantes fossem afeitas a acordos com as classes populares em nosso continente...
Há também cumplicidades com os donos do poder que não se pode admitir num crítico mordaz de quase tudo e todos. Em 1981, escrevendo desde Lima, Vargas Llosa ataca o nacionalismo cultural e elogia os modernos meios de comunicação como instrumento de democratização da cultura, consideração que não poderia ser tomada senão como ingenuidade, no melhor dos casos. "Os meios de comunicação massivos não são culpados pelo uso medíocre ou equivocado que se faça deles. Nossa obrigação é conquistá-los para a verdadeira cultura, elevando mediante a educação e a informação o nível do público, transformando-o em cada vez mais rigoroso, mais inquieto e mais crítico, e exigindo sem tréguas aos controladores destes meios – o Estado ou as empresas particulares – uma maior responsabilidade e um critério mais ético no emprego que dão".
Leitor de Machado de Assis, a quem nunca poupou elogios, Vargas Llosa parece desconhecer as Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1908) de Lima Barreto, autor do melhor diagnóstico sobre a imprensa e os modernos meios de comunicação. Como é possível alegar sobre o "uso equivocado" ou "medíocre" dos meios de comunicação como se os mesmos não fossem expressão de monopólios que se dedicam, com mais eficácia que a escola e as igrejas, à produção de ideologia destinada a perpetuar – na acertada sentença de Ludovico Silva – "a dependência nas cabeças mesmas dos neocolonizados"? Como e onde exigir "sem tréguas" aos proprietários das TVs, rádios e jornais compromisso ético ou qualidade na programação?
Não sei se a crise iniciada em setembro de 2008 abalou a fé de Vargas Llosa na política liberal que pregou sem rodeios até bem pouco tempo. É provável que não. De qualquer modo, ele tem evitado tratar temas da política e da economia em seus artigos na imprensa após o início da grande crise capitalista, refugiando-se novamente na literatura.
Nada de novo nesta posição de avestruz. Recordo a respeito que Octavio Paz, após defender enfaticamente as reformas neoliberais no México por Salinas de Gortari – presidente que se beneficiou de uma fraude eleitoral para chegar à presidência e enriqueceu como poucos no exercício do cargo –, também se dedicou exclusivamente às letras no preciso momento em que os mexicanos conheciam o resultado do programa aplicado: colapso econômico, convulsão política e decadência moral sem precedentes.
Nenhuma autocrítica apareceu nas páginas da Revista Vuelta, dirigida por Paz (e Enrique Krause) que, apoiado pelo monopólio Televisa, defendeu durante anos, com unhas e dentes, o programa liberal. Enfim, quando não era mais possível esconder os assassinatos, a corrupção generalizada e a pobreza em massa criada pelas reformas liberais em seu país, Octavio Paz se refugiou na literatura e esqueceu definitivamente a política.
Os liberais possuem razões de sobra para pregar que a solução para o subdesenvolvimento e a pobreza que caracterizam nossa formação social somente pode ser enfrentada com sucessivas ondas modernizantes, ou seja, a aplicação das políticas recomendadas pelos países centrais por meio de organismos considerados "internacionais" (FMI, Banco Mundial, FAO etc.).
A razão é simples: trata-se da ideologia que lhes permite acumular poder e riqueza à custa da maioria da população, cujo destino tem sido a miséria, a imigração ou simplesmente o conformismo de viver em países que "não deram certo". É neste contexto que podemos entender a adesão sem reparos da classe dominante em nosso continente ao conto da "globalização".
Da mesma forma, o ressurgimento do "pensamento crítico latino-americano" por parte de amplos setores sociais empobrecidos deve ser considerado uma resposta intelectual das maiorias àquela espoliação que foi apresentada como uma oportunidade indiscutível para nossos países. A incapacidade da "globalização" em atender às necessidades básicas da maioria da população criou as bases para a renovada relevância do nacionalismo.
Mas qual nacionalismo? O nacionalismo revolucionário, ou seja, aquele que enfrenta os dilemas históricos do capitalismo dependente, incapaz de dar vida digna a milhões de pessoas, de superar a dependência tecnológica, a miséria e a marginalidade política e social, a alienação cultural.
O nacionalismo – que seguirá sendo objeto de intensa controvérsia – pode, na verdade, ser tão nocivo quanto emancipatório, razão pela qual representa grave erro simplesmente condená-lo. Gilberto Freire, este ícone das letras paulistas, alertou em 1946 que "a história de nações como as latino-americanas está assim caracterizada tanto por um nacionalismo de proteção como por um nacionalismo de agressão".
O argumento tem algo de verdadeiro, embora não há notícias de uma invasão ou agressão militar de um país latino-americano a qualquer potência imperialista. O contrário é verdadeiro. É claro que existiram e ainda permanecem tensões regionais que implicaram em conflitos bélicos entre os países latino-americanos, mas quem se atreveria a comparar os termos da questão?
É expressivo de seu caráter polêmico o fato de que tanto um historiador marxista como Eric J. Hobsbawm quanto o literato liberal considerem o nacionalismo perigoso anacronismo. Ambos não conseguem estabelecer relação entre a terrível realidade do subdesenvolvimento e a erupção do nacionalismo revolucionário, principal fenômeno político da América Latina contemporânea. A origem da inesperada coincidência é que Hobsbawm e Vargas Llosa – figuras opostas no espectro político – expressam considerável dose de eurocentrismo, razão pela qual julgam que todas as nações estão prontas, historicamente concluídas. Desde Madri e Londres, onde estão confortavelmente instalados, o mundo tem obviamente outra feição...
Vargas Llosa prefere pensar que o nacionalismo é, juntamente com o "populismo", o "indigenismo" e a "corrupção", um obstáculo ao desenvolvimento. No fundo, alimenta-se da ilusão do desenvolvimentismo, típico subproduto da sociologia da ordem de inspiração rostowiana segundo a qual, com um pouco de esforço e seguindo as pegadas dos países centrais, chegaremos lá. Viver na periferia capitalista não é, efetivamente, desfrutar de uma vida agradável, tantos são os problemas reais ou imaginários.
Portanto, é compreensível que dirija suas baterias contra qualquer manifestação de nacionalismo, especialmente quando a bandeira é empunhada pelas classes subalternas. Para ele, a "visão patrioteira e provinciana da cultura e da política" funciona como espécie de "contracapa do nacionalismo" e é a melhor receita para jamais sair do subdesenvolvimento, como escreveu em 2005. Eis o segredo do postulado de Vargas Llosa – como também de todos os liberais latino-americanos –, pois supõem que mesmo uma dose cavalar de liberalismo nunca será suficiente para modernizar nossos países.
É como afirmou um "profeta" liberal brasileiro já merecidamente esquecido: "o neoliberalismo seria bom, mas lamentavelmente nunca contraímos a enfermidade". Em resumo: por mais intensa que sejam as medidas liberais aplicadas – privatização, abertura da economia, flexibilização dos salários, entre outras conhecidas medidas antipopulares –, o fato é que a realidade não se transforma jamais na direção pretendida pelos liberais. Ao contrário, confirma o acertado prognóstico de Gunder Frank, pois a "onda modernizadora" aprofunda o desenvolvimento do subdesenvolvimento.
O fato é que o liberalismo se renova sem jamais cumprir sua promessa de redimir da pobreza milhões de pessoas e de garantir às nações latino-americanas um lugar que não seja a subalternidade no cenário internacional. Eis a razão pela qual o nacionalismo se mantém como força política imprescindível na América Latina como de resto em toda periferia capitalista, pois sem ele a debilidade da nação e as desigualdades sociais que a acompanham seriam ainda mais gritantes.
Um mundo sem nacionalismos somente seria possível com o ocaso das nações. É desejável? Certamente, mas é preciso levar em conta que o grande capital não pode prescindir do Estado-Nação a seu exclusivo serviço. Portanto, seguirá exorcizando qualquer manifestação de nacionalismo na periferia que requisite o mínimo de controle popular sobre recursos estratégicos da nação, ou seja, minerais, mão-de-obra, alimentos e especialmente, fluxos financeiros.
É claro que a análise deste fenômeno não deveria ocultar outro dado elementar do mundo moderno: o nacionalismo praticado historicamente pelos países centrais não somente segue intacto como ganhou força nas décadas em que o chamado neoliberalismo foi aplicado sem restrições. Em conseqüência, tanto na cultura como na economia, o nacionalismo realmente destrutivo segue sendo aquele praticado pelos países centrais contra os países periféricos.
Um mundo sem nacionalismos? Os povos dos países latino-americanos certamente seriam os primeiros interessados em eliminar da face da terra o nacionalismo em qualquer de suas manifestações. É simples perceber que numa verdadeira comunidade mundial, sem o domínio dos nacionalismos dos países centrais (imperialismo), a opressão nacional sobre os países periféricos cessaria. Neste cenário utópico – o fim do nacionalismo em escala planetária –, poderíamos, quiçá, ter melhor sorte do que aquela reservada às maiorias nas nações sob controle das classes dominantes locais em íntima relação com as elites dos países metropolitanos.
Estou convencido que precisamente as classes populares da periferia capitalista seriam as primeiras a lutar pelo fim das fronteiras nacionais e o fim de todo e qualquer nacionalismo. Estaríamos vivendo o fim do capitalismo, certamente. Mas esta generosa possibilidade, como se pode ler no livro de Vargas Llosa, não existe para o escritor.
Notas:
1) Ribeiro, Darcy. Testemunho, p. 155, Apicuri/Editora UnB, 2009, Brasília.
2) Revista Veja, 20 de outubro de 2010.
Nildo Ouriques é professor do departamento de Economia da UFSC e membro do Instituto de Estudos Latino-Americanos, da mesma universidade. |
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