14 de jul. de 2011

Poucos e muitos

Do blog do Alon
Na política vale muito a percepção. E a percepção é sermos governados, nos diversos níveis, por gente disposta a gastar com facilidade no que faz a alegria de poucos, mas com dificuldade no que faz a alegria de muitos

Quem acompanha o noticiário sobre as ações de governo nos diversos níveis tem a impressão de que no Brasil o dinheiro anda sobrando. E a Copa do Mundo é só a ponta do iceberg.

Mas que ponta! Como diria o dono do Parque dos Dinossauros, a ordem aqui é não economizar. Só nos estádios serão bilhões e mais bilhões, uma incubadeira de elefantes brancos espalhados pelo território nacional.

São Paulo, por exemplo, já tem um estádio grande, o Morumbi, e um médio, o Pacaembu. E vivem às moscas.

Mas as autoridades locais, que choramingam pela renegociação de dívidas e juram não ter recursos para, por exemplo, pagar um salário decente aos policiais militares e bombeiros, acabam de realizar o sacrifício patriótico de viabilizar com dinheiro público mais uma arena.

É o nome bonito que agora dão ao estádio para, quem sabe?, gastar mais nele.

Mas, como disse, é só a ponta do iceberg. O talvez futuro ex-controlador da rede de supermercados arrependeu-se por ter combinado entregar o controle ao sócio estrangeiro e foi bater às portas da fonte de sempre de dinheiro fácil para alguns, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

A conta era na teoria boa para todos os acionistas, às custas naturalmente do assalariado, do contribuinte e do consumidor brasileiros. Mas parece ter dado chabu, pois pelo menos por enquanto o sócio francês tem outros planos.

Parece que prefere abrir mão de ganhos táticos em troca de dominar posições estratégicas.

A França não é o Brasil. Pelo menos na cultura empresarial.

Parece também que os aprendizes de feiticeiro esqueceram de combinar com alguém antes de botar o bloco na rua, dadas algumas reações palacianas.
E por aí vai. Sem falar no trem-bala, motivo da coluna de ontem.

Entrementes, o governo alerta para a imprudência de votar na Câmara dos Deputados a regulamentação da emenda constitucional 29, que prevê uma proporção fixa do PIB em recursos para o sistema de saúde.

O Palácio do Planalto teme que na volta ao Senado suas excelências finalizem o processo restabelecendo uma proposta do então senador e hoje governador Tião Viana (PT-AC), mais generosa com a saúde do que o governo acha razoável.

Outra emenda constitucional que deixa o governo de cabelo em pé é a número 300, cujo objetivo é garantir aos policiais militares e bombeiros de todo o país vencimentos no belo patamar dos colegas do Distrito Federal.

É justo mas é bizarro. Policiais têm que ganhar bem, mas a Constituição não deveria ser transformada numa árvore de Natal ainda mais enfeitada do que já é. A Carta Magna não deveria servir de abrigo para todo tipo de corporativismo.

Em tese. Pois também é razoável que o PM e o bombeiro parem, pensem e concluam que se refugiar na Constituição é a única proteção contra governantes tão perdulários quanto cínicos na hora de alegar que os recursos não existem.

Tipo assim o governador do Rio de Janeiro, que merece toda a solidariedade no plano pessoal diante da tragédia, mas que politicamente anda com a asa na tipoia desde que o acontecido fez emergir o perfil das relações público-privadas do governo de sua excelência.

Com o devido tempero das dispensas de licitação.

Na planilha ou -como se dizia antes da ubiquidade informática- na ponta do lápis talvez sejam investimentos e gastos de valores bastante diferentes, de distintas ordens de grandeza.

“Não dá para comparar”, dirão.

Mas na política valem muito as percepções. E a percepção corrente é sermos governados, nos diversos níveis, por gente disposta a gastar com facilidade no que faz a alegria de poucos, mas com dificuldade no que faz a alegria de muitos.

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