8 de jul. de 2011

O aborto, o bem e o mal


Léo Rosa
Léo Rosa
Sugestão da Dr. Alice Bianchini
por LÉO ROSA DE ANDRADE** no blog do Instituto de pesquisa e cultura Luiz Flávio Gomes
“Aqui estão também meus sentimentos e minhas opiniões; apresento-os como algo em que acredito e não como algo em que se deva acreditar.” Michel de Montaigne disse isso. Modestamente, concordo com a afirmação. Montaigne nasceu pouco depois do descobrimento do Brasil. É desses escritores que serão lidos por toda a eternidade. Foi um pensador que superou o obscurantismo do pensamento medieval, época dominada pela Igreja Católica, ajudando a inaugurar o que se chamou de modernidade.
Com a superação do absoluto religioso, que determinava o certo e o errado, relativizou-se a compreensão do mundo. A modernidade prestigiava as idéias em detrimento das orações, permitindo mais abertura ao comportamento pessoal e mais discussão na vida pública. Ainda assim, no tempo de Montaigne, pensar era muito perigoso, falar o que se pensava era quase um suicídio. Não obstante, Montaigne pensava, falava e escrevia que “é loucura condicionar ao nosso discernimento o verdadeiro e o falso”.
Cá entre nós, em 22 de dezembro de 2009, houve a publicação de um Decreto, assinado pelo Presidente da República, no qual consta “a aprovação do projeto de lei que descriminaliza o aborto, considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos.” Bem, por pressão católica, o governo recuou, e o decreto será republicado com supressão da parte que fala da autonomia, o que caracterizaria, segundo os católicos, apoio à decisão íntima de interromper a gestação.

No Brasil, aborto é crime. Nosso País já assinou mais de um compromisso internacional, comprometendo-se a descriminalizá-lo, mas o assunto nunca prosperou, por simples pressão conservadora. Antes de mais nada, uma explicação: descriminalizar o aborto não é defender o aborto. É, apenas, não considerá-lo crime. Este artigo, aliás, não pretende recomendá-lo ou atacá-lo. A realidade, todavia, é que o aborto vem sendo praticado largamente, com inúmeros casos de morte, principalmente de mulheres pobres, exatamente porque o assunto é remetido à clandestinidade. Em país civilizado, o aborto é questão de saúde pública. Entre nós, lamentavelmente, ainda é caso de polícia.
Que diria Montaigne? Presumivelmente, que aborto não é brincadeira, não é um contraceptivo de uso recorrente, não é assunto que uma mulher decida sem dores morais. Mas seguramente diria que uma mulher tem o direito de resolver sua vida, julgar sobre a oportunidade de pôr uma criança no mundo, ou não. Talvez Montaigne escrevesse contra o aborto, mas defenderia, antes, o direito de qualquer pessoa fazer coisa diferente daquela que ele faria.
Há várias formas de atraso. Nós somos atrasados de várias formas. Ainda aceitamos a tutoria moral de instituições religiosas. Defendo que cada qual professe a crença que queira, ou nenhuma. É-me, contudo, inaceitável ter como minha a consciência alheia. Só os fanáticos sabem, exatamente, o que é o bem e o que é o mal. Os contrários à descriminalização do aborto são os mesmos que se opuseram aos anticoncepcionais, ao divórcio, a um segundo casamento. Não é bom que o Brasil se curve a idéias que só perduram na periferia miserável e ignorante do mundo. Montaigne diria que não caminhamos de passo, nem com o tempo, nem com a razão.
**Léo Rosa – Doutor em Direito pela UFSC. Psicólogo e Jornalista. Professor da Unisul.

Nenhum comentário:

Postar um comentário