18 de jul. de 2011

As circunstâncias legais e a aplicação centrífuga da pena


Originalmente publicado na revista dos tribunais, Vol.908. Republicado no Blog do autor: Rosivaldo toscano Jr.

(SANTOS JÚNIOR, Rosivaldo Toscano dos. As circunstâncias legais e a aplicação centrífuga da pena. Revista dos Tribunais. vol. 908. p. 233-262. São Paulo: Revista dos Tribunais, jun. 2011)

Sumário: 1. Introdução – 2. A interpretação do direito: o senso comum dos juristas – Sobre falácias – 4. Do sistema bifásico para o trifásico – 5. Nelson Hungria e a falácia do sistema trifásico – 6. Art. 59 do CP – 7. Arts. 61, 62 e 65 do CP – 8. Art. 67 do CP – 9. O art. 68 do CP – 10. Analogia in mallan partem – 11. Os precedentes da Súmula 231 do STJ – 12. A repercussão geral no STF – 13. Princípios constitucionais em jogo – 14. Aplicação centrífuga da pena – 15. Pena zero, reserva do impossível e razoabilidade – 16. Conclusão – 17. Bibliografia.

A razão de termos escrito esse texto se deve a um dilema pelo qual passamos no início da carreira na magistratura: numa pequena cidade do sertão do Rio Grande do Norte, dois jovens cometeram um latrocínio. Antônio (nome fictício) tinha todas as circunstâncias judiciais favoráveis e Manuel (nome fictício) não. Ainda por cima, Antônio era menor (19 anos), confessou a prática do ato na delegacia e delatou o então desconhecido coautor Manuel. Ao sentenciarmos o caso, na fase da aplicação das circunstâncias legais, deparamo-nos com a Súmula 231 do STJ.[1]
Ainda estávamos apegados ao verdadeiro amestramento ideológico dos concursos, que impõem fiel obediência à lei estrita e aos precedentes jurisprudenciais dos tribunais superiores – em detrimento de posicionamentos críticos e embasados constitucionalmente – entramos em contato com alguns colegas. Um deles nos sugeriu uma inusitada solução (para não ferir a súmula, embora entendêssemos que era injusta): que procurássemos encontrar alguma circunstância judicial desfavorável ao acusado, para então aumentarmos a pena-base e, só assim, possibilitarmos a aplicação das atenuantes. Infelizmente, em razão do aprisionamento epistemológico que afeta a práxis jurídica e que explicaremos mais a frente, essa postura termina sendo mais comum do que usualmente se imagina.
Esse aprisionamento epistemológico à referida súmula se acentuou com a decisão do STF em repercussão geral, considerando que as atenuantes não podem ir aquém do mínimo legal.[2] Por isso ganham ainda mais importância as reflexões que serão aqui expostas.
O senso comum da prática jurídica está cada dia mais dependente dos precedentes judiciais. Inexoravelmente, ao se deparar com um caso difícil como o narrado acima, a decisão tende a ser de acordo com (e fazendo remissão a) a Súmula 231 do STJ, pretensamente ainda mais cogente em razão da ratificação desse entendimento pelo STF. Então, concluímos ser uma questão essencial analisar a jurisprudência dos referidos tribunais sobre o assunto, para perquirir sobre a robustez de seus argumentos.
Com a assimilação do conceito de senso comum teórico dos juristas, teremos, então, maior abertura epistemológica e crítica, permitindo-nos fazer uma análise sobre a coerência e validade dos argumentos que amparam a Súmula 231 do STJ e a repercussão geral do STF.
Feito isso, discutiremos se é constitucionalmente adequado o entendimento que veda às circunstâncias atenuantes e agravantes ficarem aquém do mínimo previsto abstratamente no tipo penal.

Como bem alertou Rosmar Rodrigues Alencar,[3] a aplicação do direito no Brasil “evoluiu” assim:
1.º) aplicação pura da lei;
2.º) descobriu-se a Constituição como fundamento de validade da lei;
3.º) aplicação hierarquizada de precedentes de tribunais superiores, com prestígio do efeito vinculante, ainda que não o tenham.
As súmulas (vinculantes ou não), as repercussões gerais e os precedentes judiciais se tornaram verdadeiros fetiches na práxis judiciária, sem os quais o senso comum teórico não consegue obter uma resposta para as questões que surgem, em razão da abordagem dogmática, repetitiva, maquinal e acrítica. E o mais grave de tudo: quem conhece um pouco a realidade dos tribunais superiores sabe bem que lá se julga por remissão. A demanda é tão alta que não há tempo para se dedicar aos casos com a atenção que eles merecem. Termina havendo o que chamamos de “efeito fórmula pronta”: busca-se apressadamente uns precedentes e, pronto, caso resolvido. Resolvido? Queremos mostrar que há outro caminho.
E esse caminho passa pela abordagem do chamado “senso comum teórico”, que é o discurso que domina o imaginário dos juristas, de cunho acrítico e sem conteúdo investigativo. É esclarecedor o apontamento feito por Artur Stamford quando diz que:
“O exercício da atividade profissional produz conhecimentos tão ideológicos quanto os do senso comum leigo, pois a prática forense produz uma terminologia e uma forma de atuar própria do cotidiano profissional. Esse conhecimento não é um saber científico, principalmente por se preocupar em justificar e não em explicar a realidade de sua atividade profissional (Souto, 1987: 42). A este senso comum, Warat chama ‘senso comum teórico dos juristas’, distinguindo-o do saber científico, é que ‘o saber jurídico que emana da necessidade de justificar a ordem jurídica, e não de explicá-la’.”[4]
Essa postura enxerga os tribunais superiores como um oráculo que terá já respondido, em algum momento (isto é, sem consciência histórica),[5] à indagação interpretativa contida em um caso concreto, sem se importar se os precedentes são impertinentes e/ou anteriores às normas objeto de análise nos julgados. Gadamer teceu severas críticas a esse modus operandi quando discorreu sobre a importância da consciência histórica nas ciências humanas.[6]
É preciso compreender, portanto, que os precedentes judiciais são elaborados em um determinado momento histórico e sob a tutela de uma determinada ordem constitucional. Durante o processo de concretização do direito, deve o destinatário da norma por excelência – que é o julgador –, entender essa inevitável relação.
Falta, ainda, a efetiva compreensão do direito como um sistema de regras e princípios que possui a Constituição como topos normativo-argumentativo. Essa ignorância faz com que usualmente o ator jurídico pense estar desincumbido de interpretar os fatos sob a ótica da Constituição somente porque algum tribunal emitiu alguma súmula ou precedente! Pra que pensar? O oráculo já emitiu a palavra autorizada, já disse a verdade. Mesmo entendendo que o precedente encontrado, sumulado ou não, é constitucionalmente inadequado, “quedar-se”[7]diante do entendimento dos tribunais superiores é a dose de anestesia ideológica àqueles que imaginam que como isso estão cumprindo o dever constitucional de fundamentar seu convencimento.
Assim, as súmulas e os precedentes formam a pia moral na qual o ator jurídico, envolto no senso comum da práxis jurídica, “lava as mãos”, amparando-se na jurisprudência de tribunais superiores, transferindo suas responsabilidades funcionais. Depois, vai dormir o sono dos inocentes, pois o “Supremo” ou o “Superior” (com a devida conotação hierarquizada), já pensaram por ele. Se erraram, errou junto com os bons. Infelizmente, essa postura é mais comum do que se possa imaginar à primeira vista.
Alia-se a isso a crescente contaminação do Judiciário pelo discurso econômico neoliberal, incompatível com a realidade social de um país como o Brasil, que sequer cumpriu o Estado Social. Não para menos, a palavra “eficiência” se tornou a pedra de torque do discurso da cúpula do Judiciário. Loas aos “eficientes”, mas não se, para isso, tiverem que despir a toga para se tornarem, finalmente, “administradores”, gerentes de um entreposto judiciário. Esses “operários do direito”, no seu sentido maquinal e autômato, agem a serviço da matriz, que lhes manda, por meio de enunciados, as diretrizes e os limites epistemológicos. Adequação da decisão à Constituição? Isso não lhes pertence mais!
Bem lembrado o alerta feito por Alexandre Morais da Rosa, ao metaforizar o Poder Judiciário como uma grande orquestra, comandada:
“Por um maestro (STF), com músicos espalhados nos diversos ‘instrumentos’. Estes músicos, ainda que arregimentados, eventualmente, por sua capacidade técnica e de reflexão, ficam obrigados a tocar conforme indicado pelo maestro, sob pena de exclusão da ‘Orquestra Única’. Não há outra para concorrer; ela é a portadora da palavra. Diz a Verdade. Ainda que alguns dos músicos pretendam uma nota acima ou abaixo da imposta, não lhe dão ouvidos, porque o diálogo é prejudicado. O slogan é: ‘toque como queremos ou se retire’.”[8]
Sintoma disso foi a publicação de uma resolução do CNJ estabelecendo como critério para promoção, “o respeito às súmulas do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores”.[9] Não fosse isso, vez ou outra surgem críticas ao “independentismo” da magistratura de primeiro grau, como se ter uma postura independente e crítica fosse algo reprovável.[10] Mas o juiz não é independente, é verdade. Ele tem um senhor: a Constituição.
Fechando esse parêntesis, Luis Alberto Warat denuncia o senso comum teórico como sendo:
“Um imaginário de referência a partir do qual se estabelecem as inibições, os silêncios e as censuras de todos os discursos das chamadas ciências sociais (...) em nome de uma razão madura (me refiro à razão científica) se consegue a infantilização dos atores sociais. Eles não conseguem mais pensar por si, pensam a partir da mediação que o Estado exerce sobre a produção, circulação e recepção de todos os discursos de verdade.”[11]
A força de um argumento deixa de estar no encadeamento lógico capaz de convencer e passa a se colocar na origem de quem o propala, capaz de vencer. Alarmante quando constatamos, numa leitura dos votos que embasaram a Súmula 231 do SJT e o RE 597.270/RS, do STF, utilizadas como razão de decidir de uma grande parcela da magistratura nacional, a existência de tantas falácias, como será visto mais a frente.
Por conseguinte, não devemos nos deixar iludir com os discursos assépticos, que apregoam a verdade do argumento da autoridade, no caso dos tribunais superiores, que fazem crer, nas entrelinhas, que existe uma hierarquia não só processual, mas material também. Direito não é religião. Não existem dogmas e nem portadores da verdade. O ator jurídico deve ser cético, não se contentar com a simples transcrição de uma ementa de acórdão ou de súmula. Um julgado não se conhece pela ementa, assim como não se lê um livro pela orelha.

A filosofia e a lógica aristotélica estão mais próximas do jurista do que ele costuma pensar, pois em muitas situações os argumentos judiciais seguem um silogismo.[12] É bem verdade que a lógica se coaduna com o raciocínio dedutivo e que nem sempre o jurista atua sob essa baliza, mas é importante para qualquer ator jurídico (juiz, acusador ou defensor) saber o que é um raciocínio lógico válido e, principalmente, identificar falácias que comprometam a validade dos argumentos expressos em uma tese jurídica.
Em poucas palavras, podemos dizer que o silogismo é composto de duas premissas e uma conclusão. A primeira premissa é geral. A segunda premissa refere-se à primeira, mas em relação a uma situação particular. A conclusão se extrai dessa relação entre as premissas. Todo argumento correto precisa se basear no respeito à ordem das premissas (do geral para o particular, por isso o silogismo é dedutivo). Exemplo de um silogismo: (1) Todo homem é mamífero (primeira premissa – geral). Félix é homem (segunda premissa – particular). Logo, Félix é mamífero (conclusão).
Porém, é possível que as proposições sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Basta a segunda premissa não se referir ao sujeito da primeira (o homem). Com isso a conclusão se torna inválida, como no exemplo abaixo, em que não se pode inferir ser Félix um homem: (2) Todo homem é mamífero (primeira premissa). Félix é mamífero (poderia ser um gato, que também é mamífero – segunda premissa). Logo, Félix é homem (conclusão).
A essas deficiências ou erros, a lógica deu o nome de falácias ou sofismas, como alguns chamam.[13] Podemos dizer, em poucas palavras, que falácia é um raciocínio ou afirmação falsa ou errônea aparentemente verdadeira.[14] É psicologicamente persuasiva, parece correta, pois não raras vezes é retoricamente impactante. Por isso, numa área como o direito, em que a linguagem é o instrumento de trabalho (ou arma...) visando (con)vencer mediante o embate de argumentos, é tão importante o seu estudo.
Em relação à sua forma de expressão, as falácias são divididas em: (a) formais e (b) informais. As falácias formais têm sua falha na própria construção do raciocínio, como no exemplo 2.
Falamos das falácias formais. Porém, o que mais exige atenção dos atores jurídicos é a falácia informal. Nela a falha está na falsidade/impropriedade de suas premissas, e não no encadeamento delas, seja através do uso de termos vagos (falácias de ambiguidade) ou da não relevância para justificar a conclusão (falácias de relevância).[15] Exemplificando (grotescamente): (3) Todos os homens são iguais perante a lei. Maria não é homem, é mulher. Logo, Maria não deve ser tratada igualmente.
Nesse caso se vê claramente que o termo homem foi utilizado de maneira ambígua, ora para representar o gênero humano, ora o gênero masculino. Outro exemplo (já mais elaborado): (4) Penas maiores visam combater a criminalidade. A criminalidade está alta. Logo, devemos aumentar as penas.
Aqui não há relevância porque não se comprova que a majoração das penas obtém o resultado pretensamente almejado de combater a criminalidade. Portanto, necessário se faz observar se as acepções estão sendo usadas sob o mesmo contexto e se há pertinência a gerarem a conclusão proposta.
Apesar do pouco espaço, mas sendo o tema relevante, durante nosso estudo detectaremos os argumentos falaciosos nas passagens de alguns precedentes judiciais. Aproveitamos para exemplificar alguns:
Petição de princípio: a conclusão já está escondida nas premissas: “o acusado deve ser condenado porque é mal. E todo mal causado deve ser punido. Assim, o acusado deve ser punido.” Será punido por ser mal ou porque agiu mal?
Pergunta complexa: “você deixou de furtar?” Nesse caso, em qualquer das respostas o interlocutor estará confessando a prática de furtos.
Apelo à compaixão: “ele deve ser absolvido ou Vossa Excelência não é misericordioso?”
Apelo circunstancial: “você vai condená-lo ou vai querer que seus filhos se deparem com mais um assaltante na rua?”
Apelo ao popular: “você precisa aplicar penas mais leves, ser mais progressista”.
Apelo à autoridade: “é ilegal a atenuação aquém do mínimo porque o STJ e o STF já disseram isso”.
Apelo à tradição: “em 1958 Nelson Hungria já dizia isso!”
Argumento ad hominem: “ele não merece crédito, pois é um marxista da época de Stalin!” Será que pelo fato de alguém ter uma determinada posição ideológica, seus argumentos nunca serão válidos?
Falsa causa: “o réu é reincidente? E ainda quer negar a autoria?”, como se o fato de ser reincidente já implicasse em sua culpa.
Apelo à ignorância: “nunca vi um traficante se regenerar. Portanto, ele deve ser culpado”, como se a falta de conhecimento de um dado fosse o mesmo que sua não existência.
Negação do antecedente: quem atira (antecedente), fere. Não atirou. Logo, não feriu. O fato de negar o antecedente (atirar), não implica em não ferir, pois não se fere somente com tiros.
Afirmação do consequente: quem atira, fere. Feriu (consequente). Logo, atirou. Da mesma forma, afirmar o consequente (ferir), não implica no antecedente (atirar), já que não se fere somente com tiros.
Falácia naturalista: associar juízos de valor a juízos fáticos. Exemplo: Toda reincidência (juízo fático) revela distorção de caráter (juízo de valor). João é reincidente. Logo, tem caráter distorcido.
A reincidência pode até ser consequência de um caráter distorcido. Mas ninguém pode desconhecer as dificuldades de reinserção social dos condenados.
Agora, faremos uma contextualização do problema e depois verificaremos a existência ou não de falácias nos precedentes que fundamentaram a Súmula 231 do STJ e o RE 597.270/RS, do STF, que teve efeito de repercussão geral.

Quando entrou em vigor o Código Penal de 1940, houve uma grande discussão cujo cerne era saber a quantidade de etapas que deveriam ser cumpridas para a aplicação da pena. Uma corrente defendeu a tese de que seriam duas fases, sendo a pena-base e as circunstâncias atenuantes e agravantes aplicadas no mesmo instante, posição essa defendida com maior ênfase por Roberto Lyra. De outro lado havia quem defendesse três fases, sendo a primeira a pena-base, a segunda as circunstâncias atenuantes e agravantes, e a terceira as causas de aumento e de diminuição. Seu maior expoente era Nelson Hungria. Como asseverava Aníbal Bruno, a tese vencedora foi a que adotou o sistema bifásico:
“Se existem circunstâncias agravantes e atenuantes, a pena-base será fixada pela consideração conjunta dessas circunstâncias, e dos elementos indicados no art. 42 da antiga redação da Parte Geral do Código Penal. Ocorrendo condições particulares de aumento ou de diminuição, essas viriam a alterar a pena-base fixada no cálculo.”[16]
Vencedora a tese bifásica, que operava a consideração das circunstâncias judiciais e legais num mesmo momento, isto é, na fixação da pena-base, a solução da questão dos limites das circunstâncias judiciais ficou clara, uma vez que a redação do art. 42 do CP (redação originária), que tratava da fixação da pena-base, obrigava que se limitasse ao abstratamente estabelecido no tipo penal.[17]

O argumento doutrinário mais comum, quando não o único, nos julgados que limitam as circunstâncias atenuantes e agravantes ao quantum mínimo e máximo da pena cominada, é um dogma: “a pena atenuada não pode ultrapassar o mínimo legal”. Isso não é fundamentação. É a falácia de petição de princípio, em que as conclusões já estão nas premissas. E assim se está ferindo a exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais, esculpido no art. 93, IX, da CF/1988.
Ocorre comumente, também, a utilização inapropriada de argumentos de autoridade,[18] como são os casos de citação/alusão a Nelson Hungria, falecido 25 anos antes da reforma de 1984. Além disso, constitui uma falácia de ambivalência, pois Nelson Hungria se referia ao assunto tendo em vista o Código Penal de usa época, com sua redação originária, bifásica, e do trifásico anteprojeto do que viria a ser o Código Penal de 1969, de sua autoria, outorgado pelos ditadores de plantão da época,[19] e que previa, expressamente, uma regra não existente na atual redação da Parte Geral do nosso Código Penal. Vejamos:
Quantum da agravação ou atenuação
Art. 59. Quando a lei determina a agravação ou atenuação da pena sem mencionar o quantum, deve o juiz fixá-lo entre um quinto e um terço, guardados os limites da pena cominada ao crime.”
Mesmo assim, o senso comum teórico passou a se ancorar no pensamento de um autor que não foi contemporâneo da Lei 7.210/1984. Faltou, assim, historicidade na interpretação que culminou na Súmula 231 do STJ e na repercussão geral do STF.

É de fácil constatação que o art. 59 do CP, que fixa a pena-base (circunstâncias judiciais), em seu inc. II, determina que a pena deve se limitar ao previsto no tipo penal. Por exemplo: um crime contra a ordem tributária (art. 1.º da Lei 8.137/1990), possui pena cominada de reclusão, de 2 a 5 anos, e multa. Independentemente da valoração das circunstâncias do art. 59, a pena-base não poderá ser inferior a 2 anos e nem superior 5 anos. Com isso há de concordar o leitor. Agir contrariamente seria ferir os princípios constitucionais da legalidade e da individualização da pena (art. 5.º, II e XLVI, da CF/1988), que dão suporte ao inc. II do art. 59 do CP e servem de baliza ao magistrado na individualização da pena. Mas continuemos.

Por outro lado, a redação dos arts. 61 e 65 do CP é clara quando diz que as atenuantes e agravantes sempre agravam ou atenuam a pena. Não é lógico entender que sempre significa às vezes, o que poderia levar a um paradoxo ao se possibilitar que a expressão às vezes também possa ser tomada comosempre. Preferimos entender o básico. Sempre é sempre, salvo se existente alguma norma, seja regra ou princípio jurídico que crie uma hipótese de exceção, o que não ocorre no caso. O pior é que o senso comum teórico dos juristas faz uso de analogia in mallan partem, como será visto mais a frente.

Como será visto depois, um dos precedentes da Súmula 231 do STF, o REsp 146.056/RS, arguiu que a palavra limite, contida no art. 67 do CP, é prova de que não cabe às atenuantes e agravantes ultrapassarem as balizas da pena inabstrato.
O art. 67 do CP trata do “concurso de circunstâncias agravantes e atenuantes”, diz que a pena deve aproximar-se “do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes” e enumera quais são as circunstâncias preponderantes. A palavra “limite”, nesse contexto, não tem pertinência nenhuma com a pena-base, primeira fase da aplicação da pena, e que está no art. 59 do CP. O dispositivo versa sobre a situação em que há agravantes e atenuantes a serem sopesadas. A pena deve se aproximar do “limite” da circunstância preponderante, que é oquantum que se atenuaria a pena se não houve uma circunstância antagônica que amenizasse seus efeitos. O precedente acima citado tentou vincular essa palavra ao art. 59 do CP. Trata-se de uma falácia da falsa causa, pois não há pertinência nenhuma entre essa palavra e a conclusão de que não cabe aplicação das circunstâncias legais além dos limites em abstrato previstos no tipo penal.

O art. 68 é claro ao determinar que na aplicação da pena o juiz fixa a pena-base de acordo com o critério do art. 59 do CP que, em seu inc. II, impõe que não se ultrapasse o mínimo e o máximo previstos em abstrato no tipo. “Em seguida”, isto é, não mais se atendendo ao critério do art. 59, serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes, por último, as causas de diminuição e de aumento. Ora, se o argumento foi de que essa limitação deve se impor às circunstâncias legais, mesmo raciocínio deve ser feito no tocante às majorantes e minorantes. Por qual razão não? Por que estas atuam na cominação e aquelas na individualização? Isso não justifica diferenciação. Trata-se de umafalácia informal de falsa causa. O raciocínio é o seguinte: se as majorantes podem ultrapassar os limites mínimo e máximo, então elas atuam na cominação da pena (em abstrato); as atenuantes atuam na aplicação (em concreto). Portanto, a atenuante não pode ultrapassar o máximo legal. Veja-se que se parte de uma premissa que não é causa da outra. Portanto, a conclusão não é válida.
Também não é logicamente válido o argumento de que as atenuantes não podem ultrapassar os limites da pena-base porque não possuem um quantumdefinido, podendo ocorrer pena zero, porque se omite a aplicabilidade dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, como será visto mais a frente. No momento, vale aferir a existência de um fenômeno vedado em qualquer Estado Democrático de Direito: a analogia in mallan partem.

Adotando-se a tese de limitação das circunstâncias legais ao quantum máximo e mínimo abstratamente previsto, estar-se-ia, primeiramente, ferindo o princípio constitucional da legalidade, pois se ignoraria uma regra expressa determinando que as atenuantes e agravantes sempre incidem, sem que houvesse uma regra de exceção. E mais um gravame aos direitos fundamentais se estaria fazendo.
Com efeito, adotar-se-ia, face à inexistência de uma regra expressa vedando a aplicação além do mínimo e do máximo previsto no tipo, uma postura criacionista e de voluntariosa analogia in mallan partem. Arvorar-se-ia isoladamente das palavras “atenuantes” (no plural, pois a regra tem a ver com o concurso de circunstâncias antagônicas – atenuantes e agravantes) e “limites”, do art. 67 do CP, para prejudicar o réu no momento da aplicação. Interessante o alerta de Zaffaroni:
“Se por analogia, em direito penal, entende-se completar o texto legal de maneira a estendê-lo para proibir o que a lei não proíbe, considerando antijurídico o que a lei justifica, ou reprovável o que ela não reprova ou, em geral, punível o que não é por ela penalizado, baseando a conclusão em que proíbe, não justifica ou reprova condutas similares, este procedimento de interpretação é absolutamente vedado no campo da elaboração científico-jurídica no campo do direito penal.”[20]

Os precedentes que originaram a súmula foram os seguintes: REsp 146.056/RS (1997), REsp 49.500/SP (1994), REsp 46.182/DF (1994), REsp 32.344/PR (1993), REsp 15.691/PR (1992) e REsp 7.287/PR (1991). Vejamos cada um deles.
O REsp 146.056/RS: esse julgado, datado de 1997, diz em sua ementa que “as atenuantes (...), nunca podem levar a pena privativa de liberdade para nível aquém do mínimo legal que é, até aí, a reprovação mínima estabelecida no tipo legal”.
No seu voto, o relatou apresentou, em suma, os seguintes fundamentos:
(a) desde a elaboração do Código Penal de 1940 até os dias atuais nunca predominou o entendimento de que as atenuantes pudessem levar a pena privativa de liberdade para fora dos limites previstos em lei (um argumento não se valida pelo tempo. Um erro, sim, pode perdurar. Trata-se, portanto, de falácia da tradição);
(b) citou Nelson Hungria e Aníbal Bruno como exemplos na doutrina sobre o assunto (Hungria faleceu em 1969 e Bruno em 1977. Sequer conheceram a redação da Parte Geral do Código Penal, reformada em 1984, e por isso não são pertinentes para o deslinde da questão. Apelo à autoridade). Disse que o limite das atenuantes decorre da lógica, senão existiria um sistema de ampla indeterminação, podendo gerar a pena zero (a não ser que se entenda lógica como analogia in mallam partem. E mostraremos uma solução em que não há o risco da pena zero).
Destacou o seguinte trecho do voto:
“Na hipótese de um concurso de agentes em que dois réus, com circunstâncias judiciais favoráveis, são condenados à mesma pena, apesar de um deles ainda ter, a seu favor, mais de uma atenuante, também, data venia, não é argumento decisivo. A aplicação da pena não pode ser produto de ‘competição’ entre réus ou delinquentes.”
Diante de uma clara violação ao princípio da igualdade, pois havia dois réus em situações diferentes, mas sendo tratados igualmente, a saída foi por via doapelo à moral.
REsp 49.500/SP. A fundamentação foi uma remissão ao REsp 15.695/PR. E esse julgado cingiu-se a novamente remeter a outro precedente, no caso, do STF, o HC 63.707/SP, cuja redação disse o seguinte: “Pena. Fixação. Menoridade. Circunstância atenuante, que, todavia, não pode implicar redução da pena fixada no mínimo legal”. E afirmou que era da jurisprudência do tribunal o entendimento de que as atenuantes, embora de aplicação obrigatória, não poderiam, ao contrário das causas de diminuição, implicar redução abaixo do mínimo legal. E remeteu ao HC 61.467/SP, datado de 27.04.1984, portanto, antes do advento da Lei 7.209/1984, que implantou o sistema trifásico. Nota-se que esse precedente é falho e débil. Foram inúmeras remissões, todas elas formando uma cadeia de decisões fundadas em precedentes que culminaram em um precedente que não era contemporâneo à Lei 7.209/1984, que criou o sistema trifásico. Ocorreram duas falácias: a falácia do apelo à autoridade e falácia da tradição, uma vez que as fundamentações se limitavam a remeter a julgados do próprio tribunal, em uma cadeia de remissões vazias de fundamentação, culminando em um julgado absolutamente impertinente para o deslinde da questão em razão de versar sobre um sistema de penas já inteiramente abolido.
O REsp 46.182/DF. Em outro precedente falacioso, pois nas premissas se fundamentou a própria conclusão – a chamada falácia da petição de princípio–, disse o STJ o seguinte: o juiz fixa a pena-base apreciando as circunstâncias judiciais (premissa). Depois aplica as circunstâncias legais sem extrapolar os limites legais (premissa – aqui reside a falácia). Havendo qualificadora (sic), aumenta a pena na quantidade prevista e apenas nessa última fase pode ir além ou aquém dos limites abstratamente cominados (conclusão). Cria-se um dogma. E dogma não é científico. Pertence à crença e não à ciência.
O REsp 32.344/PR. Mais um caso de falácia: a causa de diminuição não se confunde com a atenuante (premissa), pois aquela afeta a cominação (pena em abstrato), enquanto esta a aplicação (pena em concreto) (premissa). E conclui que por isso a atenuante não pode ultrapassar os limites cominados. Essa confusão com cominação/aplicação nada tem a ver com o assunto. Isso não é relevante para a conclusão extraída. Na verdade, as causas de aumento e de diminuição da pena possuem limites expressos e as agravantes/atenuantes não. Mas isso não implica concluir em alguma vedação, notadamente quando a lei diz que são de aplicação obrigatória. Nova falácia de falsa causa.
O REsp 15.691/PR. Outro raciocínio falacioso usado nos precedentes: a individualização da pena é feita em três fases, sendo a primeira cominação dada pelo legislador, a segunda a aplicação feita pelo juiz e a terceira a execução regulada pela Lei 7.210/1984 (premissa). O princípio da individualização é garantia para o réu e limite do poder de punir (premissa). Assim, não é possível a atenuante ultrapassar, para menos, os limites da cominação, sob pena de transformá-la em causa de diminuição de pena (premissa). Novamente são postas para o leitor duas premissas verdadeiras, mas que não implicam em nada na conclusão. Por não guardarem coerência entre as premissas e a conclusão, trata-se de uma falácia da falsa causa.
O REsp 7.287/PR: seus fundamentos, um dos precedentes da Súmula 231 do STJ, são igualmente falaciosos. O raciocínio é o seguinte: as causas de aumento e de diminuição de pena permitem resultados abaixo ou acima dos limites estabelecidos na lei (premissa). As causas de aumento devem ser consideradas após a aplicação das agravantes ou atenuantes (premissa). Assim, as atenuantes não têm o efeito de diminuir a pena aquém do mínimo legal (conclusão). Verifica-se que as premissas não guardam nenhuma coerência com a conclusão, pois não explica por qual razão o fato das causas de aumento/diminuição de pena serem consideradas depois das agravantes/atenuantes implicaria em vedação destas ultrapassarem o quantumfixado no tipo penal. Existe uma relação de impertinência entre os dois enunciados e a conclusão. As premissas são verdadeiras, mas não a conclusão. Ocorreu aí a chamada falácia falsa causa.[21]
Vivemos uma época de objetificação do sujeito e da pasteurização das ideias. O senso comum dos juristas termina por reproduzir uma imposição que se dá através da vinculação a súmulas e precedentes que nem sempre guardam a devida adequação constitucional. Permitir ao magistrado raciocinar é perigoso. Um dos caminhos é assoberbá-lo de tarefas[22] e de metas a cumprir, colocando-o na defensiva, a ponto de quebrar seu limiar de resistência à hierarquização.

O STF julgou o RE 597.270/RS, admitindo a repercussão geral. O relator, Min. Cezar Peluso, argumentou, em suma, que desde a década de 70 as “atenuantes genéricas” não têm força para conduzir a pena abaixo do “mínimo legal”. Contudo, tal argumento constitui a chamada falácia da tradição, que tenta levar a crer que um argumento se sustenta pelo simples fato de se pensar de um mesmo jeito por um longo período de tempo. Ao revés, demonstra a falta de historicidade, que seria essencial em uma situação como essa. Essa alienação temporal abre alas para interpretações que não guardam reciprocidade nem com os textos legais atuais, nem com o contexto em que vivemos.
Interessante analisar outros pontos do voto do relator. Argumentou, ainda, exemplificando o caso da confissão (uma atenuante), que esta poderia nem ser sincera ou verdadeira, criando uma exigência não estabelecida em lei. Ocorrem aqui duas falácias. A primeira pelo fato de que é irrelevante, para definir a questão, perquirir, em uma exemplificação, sobre a sinceridade ou veracidade de uma confissão. Trata-se de falácia de falsa causa, além de constituir apelo à emoção, sem sustentação argumentativa.
Por fim, alegou que “se a Corte se propuser a modificar essa jurisprudência, ela teria que tomar certas cautelas pelo risco que introduziria de deixar a cada juiz a definição da pena para cada crime”. Não vislumbramos isso como uma argumentação válida. Trata-se de apelo circunstancial, que associa uma conclusão aos interesses ou receios do público-alvo, no caso os demais Ministros do STF.
Ademais, perguntamo-nos: definir o juiz a pena de cada crime não é exatamente o da previsão constitucional de individualização da pena no momento da sentença condenatória? Esta precisa ser estabelecida através da consideração das circunstâncias que tenham o condão de alterar o quantum da reprimenda. Todas, sem exceção.
Esse receio não tem fundamento real devido à inafastabilidade dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que balizarão a adequação entre o fato ilícito penal e sua consequência jurídica, no momento da individualização da pena. Trataremos desse tema mais abaixo. Por ora, como não há como bem interpretar um texto sem conhecer seu contexto, façamos uma historicidade da questão, o que foi, até hoje, deixado à margem do debate dos limites das atenuantes legais.

Questão essencial diz respeito à adequação dessas posições que vedam a aplicação das circunstâncias legais aquém do abstratamente previsto no tipo na Constituição Federal, notadamente aos direitos fundamentais.
Uma ideia inafastável e, talvez, o mais importante princípio constitucional é o princípio da isonomia, pois do seu cerne se extraem muitos outros mandamentos individuais e sociais. E isonomia não quer dizer mera igualdade, mas igualdade substancial. E dentro desse conceito se encontra o de tratar desigualmente os desiguais. Como no caso real que citamos no início desse texto, apenar igualmente ambos os acusados seria ferir a isonomia. Mas não é só isso.
Estar-se-ia ferindo o princípio constitucional da individualização da pena, uma vez que a reprimenda precisa ser proporcional aos diversos elementos descritos na lei para quantificação dela e de acordo com a censurabilidade da conduta e do grau de culpa do acusado.
Talvez a mola propulsora para a vedação à atenuação abaixo do previsto na primeira fase da aplicação da pena seja política e não jurídica. Imaginamos ser o temor de que, fixada a premissa, as circunstâncias legais podem ultrapassar os limites máximo e mínimo em abstrato, assim correríamos o risco da pena zero.
Antes de definirmos isso, devemos buscar os princípios constitucionais que regem a questão: o direito de punir do Estado, de um lado, e a individualização da pena, do outro. Precisa haver a compatibilização de ambos. Um impõe. O outro dispõe. Um determina, o outro condiciona. Um é abstrato. O outro é concreto.
Mas falar de legitimação do direito penal é, antes de tudo, falar da adequação material da lei incriminadora à Constituição, uma vez que esta, ao passo que prevê a atuação do direito penal, faz sua delimitação. A Constituição é, ao mesmo tempo, o fundamento normativo do direito de punir e seu limitador. Conforme Luciano Feldens:
“Em um modelo de Estado Constitucional de Direito a exemplo do nosso (...) a dogmática jurídica e a política criminal não podem se estruturar de forma divorciada da Constituição, a qual predispõe-se a definir os marcos no interior dos quais haverão de desenvolver-se tais atividades político-intelectivas.”[23]
Há, ainda, um conteúdo ideológico subjacente a toda essa discussão. Não nos enganemos, pois por trás deste manto de defesa da proibição da atenuante abaixo do mínimo legal existe, sim, uma política criminal alheia aos direitos fundamentais que, em última análise, vencidas todas as falácias que a sustentam, descerrada a sua máscara, torna-se confessadamente partidária do movimento da lei e da ordem.[24]
Justiça que age assim não é justiça constitucional, pois toda decisão judicial tem que ter sua âncora na normatividade, com a Constituição Federal no vértice superior da pirâmide. Pode até ser aplicadora de política criminal, mas não do direito. E justiça que não aplica o direito o que é, realmente?

Mas admitida a constitucionalidade das circunstâncias legais aquém e além dos limites descritos no art. 59, II, do CP, até onde se pode ir? Há o risco de pena zero? Pode uma atenuante ter uma graduação maior que uma circunstância majorante ou minorante? Como resolver isso se o direito positivo não traz uma solução? Eis aí onde reside uma grande dificuldade dos atores jurídicos: decidir em situações em que não há uma expressa regulamentação legal. Mas a solução se encontra no próprio sistema jurídico. No caso, os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade.
Com efeito, explica Humberto Ávila,[25] regras e princípios são normas de primeiro grau, que visam promover um estado de coisas. Mas há entes que não se situam em qualquer das duas categorias, pois não visam conferir direitos ou impor obrigações. Funcionam como uma ferramenta para aplicação das regras e dos princípios. E esses entes jurídicos, a quem Ávila chama de metanormas e outros de postulados,[26] não descrevem direta ou indiretamente comportamentos, “mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos. Rigorosamente, não se podem confundir princípios com postulados”.[27] Seriam os postulados normas de segundo grau.
Vozes recentes no STF entendem da mesma forma. Paradigmático foi o voto do Min. Eros Grau na ADIn em que se declarou a constitucionalidade da aplicação do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras. E disse o Ministro:
“(...) razoabilidade e proporcionalidade são postulados normativos da interpretação/aplicação do direito – um novo nome dado aos velhos cânones da interpretação, que a nova hermenêutica despreza – e não princípios.”[28]
Os postulados diferem dos princípios, pois não são realizados em vários graus, mas em um só (a medida é ou não é proporcional ou razoável, por exemplo). Não são regras porque não possuem uma hipótese e uma consequência, e nem podem ser declaradas inválidas em caso de colisão. Assim, não se ponderam e nem se declaram válidos ou não, pois são eles ferramentas para se ponderar princípios e se aquilatar a invalidade de uma regra. Aliás, não são princípios. São meios. Meios de se aplicar o direito.
Aliás, não se podem aplicar as metanormas – v.g. a proporcionalidade ou a razoabilidade – como princípios, já que assim se estaria transformando o juiz em legislador, competindo a ele criar uma norma que, ao alvedrio de qualquer princípio ou regra que a fundamentasse, fosse a mais “proporcional” ou “razoável” para aquele caso. Voltaríamos à visão positivista de discricionariedade judicial. Como bem adverte Ávila:
“Só elipticamente é que se pode afirmar que são violados os postulados da razoabilidade, da proporcionalidade ou da eficiência, por exemplo. A rigor, violadas são as normas – princípios e regras – que deixaram de ser devidamente aplicadas.”[29]
Em nosso direito constitucional contemporâneo o postulado da proporcionalidade, que deve ser obedecido tanto por quem exerce quanto por quem se submete ao poder, tem por pressuposto:
(a) a existência de um ato normativo que afete um direito constitucional fundamental;
(b) uma relação entre os fins perseguidos e os meios utilizados nesse desiderato;
(c) uma situação de fato, conforme preleciona Paulo Bonavides.[30]
Não obstante a ideia de proporcionalidade já remontasse a Aristóteles –, foi a jurisprudência alemã que a sistematizou em três máximas parciais, a saber:[31]
(a) adequação (Geeignetheit);
(b) necessidade (Enforderlichkeit)
(c) proporcionalidade em sentido estrito (Verhältnismässigkeit).
Adequação significa o meio apto a atingir o fim fomentado pela norma. Não se exige que este fim seja atingido, mas sim, perseguido. Essa é a posição de Humberto Ávila, que critica a formulação feita por Gilmar Mendes, atribuindo a ele um erro de tradução do significado da expressão, uma vez que o atual Ministro do STF fala em adequação como atingimento do fim.[32]
Necessidade quer dizer o meio menos oneroso aos bens ou valores constitucionalmente protegidos, dentre todos os meios possíveis. Verifica-se aqui um conteúdo comparativo entre as possibilidades de decisão.
Por fim, proporcionalidade em sentido estrito diz respeito a sacrificar o mínimo visando preservar o máximo de direitos, uma vez que nenhum direito constitucional pode, sob nenhuma circunstância, suprimir outro por inteiro. Assim, o grau de restrição de um direito fundamental deve ser justificável em razão do fim perseguido.[33]
Começamos o fechamento do nosso raciocínio com uma afirmação : é essencial haver a determinabilidade da pena. Pena zero não é pena, realmente. Pensamos sobre o assunto. Chegamos a um raciocínio que consegue ponderar os princípios da necessidade da pena, por um lado, e da individualização da pena, por outro. Demos o nome de aplicação trifásico-centrífuga da pena.
Entendemos que há uma graduação crescente na amplitude das fases que compõem a aplicação da pena. Das três fases previstas no art. 67 do CP, duas são delimitadas expressamente. A primeira, a da pena-base, é a mais restrita, pois há vedação expressa à ultrapassagem dos limites mínimo e máximo abstratamente previstos no tipo. A última, das causas de aumento e de diminuição de pena, permite que se vá aquém de 1/6 a 2/3, no caso das minorantes, e até três vezes além, no caso da majorante do crime continuado, sobre o resultado da etapa anterior do cálculo da pena.
A segunda fase não haveria de ser a mais ampla de todas, sob pena de ferir o princípio da necessidade da pena, uma vez que não há determinação doquantum de atenuação ou agravamento.
Criamos então o chamado método centrífugo de aplicação da pena, no qual a primeira fase estaria no centro – a das circunstâncias judiciais – formando a pena-base. E na borda a terceira fase – das majorantes e minorantes. Alcançar o fim fomentado pelo princípio da individualização da pena (adequação) é entender que as circunstâncias legais – segunda fase da aplicação da pena – estão parametrizadas entre os limites da primeira fase – pena-base – e o aumento ou diminuição mínima. Isto quer dizer que seu quantum pode ir até 1/6.
Visando demonstrar sua conformação com o postulado da proporcionalidade, a aplicação centrífuga da pena é o meio menos oneroso aos bens ou valores constitucionalmente protegidos, dentre todos os meios possíveis, pois ao mesmo tempo que franqueia maior liberdade na individualização da pena, um direito do réu, impede a impunidade, um direito da sociedade (necessidade). Por fim, há um sacrifício mínimo do princípio da necessidade da pena, na medida em que garante a individualização desta (proporcionalidade em sentido estrito).
Sob a ótica da proporcionalidade, as atenuantes não devem ser fixadas em um sexto arbitrariamente, mas em até um sexto. O quantum será dado pelo caso concreto. Exemplificando, se uma confissão completa faz jus à atenuação em 1/6, uma confissão qualificada pode ser atenuada em fração menor, 1/9, por exemplo.
Por fim, cabe uma advertência, como bem destacou Euler Jansen:
“A defesa dessa tese libertária das atenuantes não tem qualquer propósito de política criminal ou comiseração com o apenado sendo, na verdade, uma mera questão de lógica. Na prática, as situações em que a pena mínima poderia e deveria ser ultrapassada decorrem da tese abraçada pelo mesmo raciocínio: a possibilidade da extrapolação do limite máximo in abstracto na segunda fase, por conta das agravantes genéricas insculpidas nos arts. 61 e 62 do CP. Não entender assim seria tratar os iguais de forma diferente e os desiguais igualmente. Seria injustiça no puro conceito aristotélico.”[34]

Um dos principais argumentos falaciosos contra a aplicação das circunstâncias legais reside no propalado risco de pena zero. Dizem os críticos que em razão da quantidade de atenuantes previstas no art. 65 do CP (sete ao todo), e das ilimitadas possibilidades de aplicação de atenuantes genéricas (art. 66 do CP), caso houvesse pelo menos seis atenuantes aplicadas ao máximo, poderia ocorrer a pena zero, uma vez que se tirando 1/6 seis vezes, restaria nada (x anos - 1/6 - 1/6 - 1/6 - 1/6 - 1/6 - 1/6 = - 6/6 = pena zero).
Esquecem-se os militantes desse raciocínio que o magistrado não é um autômato e que o direito – uma ciência social – não é matemática. Direito é razão. E dele deriva a razoabilidade como postulado imanente ao seu próprio funcionamento, tanto em sua teoria quanto na práxis.
Mais uma vez, nos socorremos de Humberto Ávila quando, ao descrever a hipótese de aplicação da razoabilidade, diz o seguinte:
“Há casos em que é analisada a constitucionalidade da aplicação de uma medida não com base em uma relação meio-fim, mas com fundamento na situação pessoal do sujeito envolvido. A pergunta a ser feita é: a concretização da medida abstratamente prevista implica a não realização substancial do bem jurídico correlato para determinado sujeito? Trata-se de um exame concreto individual dos bens jurídicos envolvidos, não em função da medida em relação a um fim, mas em razão da particularidade ou excepcionalidade do caso individual.
(...)
A razoabilidade determina que as condições pessoais e individuais dos sujeitos envolvidos sejam consideradas na decisão.”[35]
É importante salientar dois pontos na razoabilidade: (a) deve-se verificar como paradigma o que ocorre no dia a dia, e não o extraordinário; (b) deve-se considerar, além disso, as peculiaridades da situação frente à abstração e generalidade da norma. Verifica-se que os dois elementos acima culminam no entendimento de razoabilidade como antagônica à arbitrariedade e respeitando a justiça do caso concreto, isto é, a equidade. Assume-se, assim, um dever de consistência e coerência lógica.
Desta forma, cada atenuação será aplicada sobre a pena resultante da atenuação anterior (da mesma forma em que é feito no cálculo das majorantes e minorantes), não se atingindo a pena zero.
Consideremos que hipoteticamente um condenado por homicídio simples, com pena-base mínima, tenha a seu favor sete atenuantes aplicadas no seu máximo grau, isto é, 1/6 (onde A = anos; M = meses; D = dias): Pena-base: 6 anos de reclusão; 1.ª atenuante: -1/6 = 5A; 2.ª atenuante: -1/6 = 4A2M; 3.ª atenuante: -1/6 = 3A5M20D; 4.ª atenuante: -1/6 = 2A10M21D; 5.ª atenuante: -1/6 = 2A4M27D; 6.ª atenuante: -1/6 = 2A2D; 7.ª atenuante: -1/6 = 1A8M1D.
Somente como curiosidade, para que o hipotético sentenciado por homicídio simples tivesse uma pena zero (pois o CP determina que se ignore fração de dia), teriam que ser reconhecidas em benefícios dele nada menos que 36 atenuantes.

16. Conclusão
Alertamos para o fato de que esse apego do senso comum teórico acabou assumindo proporções dogmáticas formando, para si próprio, barreiras epistemológicas imaginárias, inexistentes, invisíveis e – o mais grave – vistas como intransponíveis. Mas um exame um pouco mais detalhado dos enunciados da Súmula 231 do STF e do RE 597.270/RS do STF, bem como dos precedentes judiciais que os balizaram, demonstrou que essas muralhas têm alicerces de barro.
Portanto, alertamos para o risco de se decidir acriticamente, com base em precedentes judiciais que, não raras vezes, são falaciosos, impertinentes ou ilegítimos para servir de fundamento a uma decisão judicial que aplique o direito penal, observando-se as garantias constitucionais.
Sob pena de cometer injustiças, o ator jurídico necessita, ao usar como fundamento um precedente ou uma súmula, pelo menos estudar os votos e as razões deles, pois a abstratividade do acórdão não alcança a singularidade das pessoas e as peculiaridades de cada caso. Isso é agir com responsabilidade crítica.
E repito: um julgado não se conhece pela ementa, assim como não se lê um livro pela orelha. Cada situação submetida a julgamento guarda sua distinção. O discurso da “verdade” só desce por gravidade para aqueles que se colocam abaixo. Não se pode respeitar os precedentes e as súmulas sem questionar seus (des)acertos. Senão, a injustiça campeia.
Portanto, sempre é bom se questionar. Questionar as “verdades” promanadas dos discursos jurídicos. A decisão acertada de um caso concreto quase sempre vai além de qualquer fórmula pronta, de qualquer homogeneidade.
Como demonstramos ao analisar a origem da jurisprudência que culminou na Súmula 231 do SJT e na repercussão geral no STF, a dificuldade (e os consequentes erros na aplicação do direito) para o ator jurídico advém, em boa parte, de sua falta de senso histórico.
Como diz Gadamer:
“Ter senso histórico é superar de modo consequente a ingenuidade natural que nos leva a julgar o passado pelas medidas supostamente evidentes de nossa vida atual, adotando a perspectiva de nossas instituições, de nossos valores e verdades adquiridos. Ter senso histórico significa pensar expressamente o horizonte histórico extensivo à vida que vivemos e seguimos vivendo.”[36]
No direito penal cada caso é ímpar, por mais parecidas que sejam as circunstâncias reveladas pela historicidade dos fatos. E únicas suas implicações, igualmente. Por isso não existem fórmulas prontas. O direito penal não deve ser realizado em linha de montagem, como se o texto e o contexto, nesse inseridas as pessoas e os fatos, fossem a matéria-prima e a liberdade ou a prisão meros produtos.
Nesse diapasão, destaco a advertência feita por Rosmar Rodrigues Alencar, no tocante às súmulas vinculantes, mas que perfeitamente se aplica às repercussões gerais e às súmulas que não tenham, formalmente, esse efeito, mas, na prática, terminam sendo usadas como dogma jurídico:
“O risco é a exacerbação de um nível de abstração que chegue a ferir o núcleo concernente à singularidade humana (...) o formalismo judicial perpassou dos textos legais às súmulas, com um magistrado similar a um juiz-funcionário.”[37]
Streck é claro quando diz que aclimatamos aqui o sistema americano do stare decisis de maneira deturpada, pois os denominados “precedentes sumulares” e os “verbetes jurisprudenciais” que constam aos bordões em inúmeros manuais são utilizados (e citados) de forma descontextualizada. Já no direito norte-americano isso não ocorre, mormente pelo fato de que lá, o juiz necessita fundamentar e justificar detalhadamente sua decisão. Como contraponto, no direito brasileiro, de origem continental, suficiente que a decisão esteja de acordo com a lei (ou com uma Súmula ou com uma “jurisprudência dominante” ementada).[38]
Não estamos a fazer uma ode contra as súmulas, pois elas cumprem importante papel de revelar o posicionamento, naquele momento histórico, de um tribunal. Mas são os magistrados, notadamente os juízes de primeira instância, que conhecem os fatos e produziram as provas, estão próximos dos fatos concretos. E é dever do magistrado entender essa realidade inefável e cumprir o papel que lhe é delegado: aplicar o direito penal, respeitando os direitos fundamentais.
Eis aí onde reside a lógica do direito: ajustar-se, ponderando os princípios em jogo e as regras sobre as quais eles incidem, e encontrar a decisão constitucionalmente mais adequada. Juízes que agem assim são entes pensantes, não meros autômatos, cumpridores de fórmulas e rituais, que necessitam de um oráculo supremo que lhe diga todas as verdades.

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[1] “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir a redução da pena abaixo do mínimo legal.”
[2] “Ação penal. Sentença. Condenação. Pena privativa de liberdade. Fixação abaixo do mínimo legal. Inadmissibilidade.
Existência apenas de atenuante ou atenuantes genéricas, não de causa especial de redução. Aplicação da pena mínima. Jurisprudência reafirmada, repercussão geral reconhecida e recurso extraordinário improvido. Aplicação do art. 543-B, § 3.º, do CPC. Circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal” (Repercussão geral por QO no RE 597270/RS, j. 26.03.2009, rel. Min. Cezar Peluso. DJe-104 05.06.2009, Ementvol-02363-11 p. 2257).
[3] Alencar, Rosmar Antonni Rodrigues Cavalcanti de. Efeito vinculante e concretização do direito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Ed., 2009. p. 52.
[4] Stamford, Artur. E por falar em teoria jurídica, onde anda a cientificidade dodireitoRevista da Faculdade de Direito de Caruaru, vol. 33, n. 24, p. 68.
[5] Idem, p. 66.
[6] “A consciência moderna assume – precisamente como ‘consciência histórica’ – uma posição reflexiva com relação a tudo que lhe é transmitido pela tradição. A consciência histórica já não escuta beatificamente a voz que lhe chega do passado, mas, ao refletir sobre a mesma, recoloca-a no contexto em que ela se originou, a fim de ver o significado e o valor relativo que lhe são próprios. Esse comportamento reflexivo diante da tradição chama-se interpretação.
(...) devemos questionar o sentido de se buscar, por analogia o método das ciências matemáticas da natureza, um método autônomo próprio às ciências humanas que permaneça o mesmo em todos os domínios de sua aplicação” (Gadamer, Hans-Georg. O problema da consciência histórica. Org. Pierre Fruchon. Trad. Paulo Cesar Duque Estrada. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 18).
[7] É eufemismo. Ajoelhar-se seria a que melhor retrataria, figurativamente.
[8] Rosa, Alexandre Morais da. O Judiciário e a lâmpada mágica: o gênio coloca limite, e o juiz? Revista Direito e Psicánalise, vol. 1, n. 1, p. 14.
[9] Recebemos com surpresa e preocupação a Res. CNJ 106, que trata do estabelecimento de critérios para a promoção, remoção e acesso de magistrados por merecimento, uma vez que assim prescreveu:
“Art. 5.º Na avaliação da qualidade das decisões proferidas serão levados em consideração:
(...)
e) o respeito às súmulas do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores”. Santos Júnior, Rosivaldo Toscano dos. Independência ou morte. Disponível em: [http://rosivaldotoscano.blogspot.com/2010/04/independencia-ou-morte.html]. Acesso em: 21.02.2011.
[10] Folha de São PauloMendes critica partidarização do servidor público. Disponível em: [www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u473694.shtml]. Acesso em: 20.02.2011.
[11] Warat, Luis Alberto. Introdução geral ao direito II: a epistemologia jurídica da modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2002. p. 69-70.
[12] Segundo Godoffredo Telles Júnior, é “argumentação na qual um antecedente, formado de duas proposições, que unem dois termos a um terceiro, infere um consequente, que une esses dois termos a um ao outro” (Telles Júnior, Godoffredo da Silva. Tratado da consequência. Curso de lógica formal. 6. ed. rev. São Paulo: Juarez de Oliveira Ed., 2003. p. 207).
[13] AristótelesOrganon. Trad. Edson Bini. Bauru: Edipro, 2005. p. 546-547.
[14] Copi, Irving M. Introdução à lógica. 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978. p. 73.
[15] Carahher, David W. Senso crítico: do dia-a-dia às ciências humanas. São Paulo: Cengage Learning, 2008. p. 27.
[16] Bruno, Aníbal. Comentários ao Código Penal. Arts. 28 a 74. Rio de Janeiro: Forense, 1969. vol. II.
[17] Redação originária do Código Penal:
“Art. 42. Compete ao juiz, atendendo aos antecedentes e à personalidade do agente, à intensidade do dolo ou gráu da culpa, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime:
I – determinar a pena aplicavel, dentre as cominadas alternativamente;
II – fixar, dentro dos limites legais, a quantidade da pena aplicavel.”
[18] Os compêndios de lógica falam em argumentum ad verecudiam (apelo à autoridade), que é o recurso ao sentimento de respeito que se tem a determinadas pessoas que, pela sua notoriedade, possuem uma opinião de maior peso, mas que podem, pelas circunstâncias, não estar devidamente credenciadas para se apresentarem como tal. No caso em apreço essa falácia se apresenta, pois utilizou-se o nome do famoso jurista, mas num contexto que ele não vivenciou, por ser posterior à sua morte, para poder emitir um juízo de valor (Copi, Irving M. Op. cit., p. 81-82).
[19] Diziam as primeiras palavras daquele Código que jamais chegou a entrar em vigor, após sucessivas vacatio legis:
“Decreto-Lei n. 1.004, de 21.10.1969 – DOU 21.10.1969 – Código Penal.
Os Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, usando das atribuições que lhes confere o art. 3.º do Ato Institucional n. 16, de 14 de outubro de 1969, combinado com o § 1.º do art. 2.º do Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968, decretam: (...).
[20] Zaffaroni, Eugenio Raúl; Pierangeli, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2007. p. 153.
[21] Copi, Irving M. Op. cit., p. 83-84.
[22] Um colega magistrado no interior do Nordeste me contou que mensalmente tem que preencher nada menos que 14 relatórios, dentre os exigidos pelo tribunal a que é vinculado e exigidos pelo CNJ.
[23] Feldens, Luciano. A Constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no controle das normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 43.
[24] Sobre o movimento da lei e da ordem, vide: Santos Júnior, Rosivaldo Toscano. As duas faces da política criminal contemporânea. RT 750/461-471.
[25] Ávila, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 122.
[26] “Em geral uma proposição que se admite, ou se pede seja admitida, com o escopo de tornar possível uma demonstração ou um procedimento qualquer” (Abbagnano, Nicola. Dicionário de filosofia. 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1982. p. 751).
[27] Ávila, Humberto. Op. cit., p. 123.
[28] STF, ADIn 2.591/DF, j. 07.06.2006, rel. Min. Carlos Velloso, rel. p/ acórdão Min. Eros Grau, DJ 29.09.2006, p. 31.
[29] Idem, p. 122.
[30] BonavidesPaulo. Curso de direito constitucional. 14ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 393.
[31] PereiraRejane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: Renovar, 2006, p. 320-321 e 324 e ss.
[32] Mendes, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos Ed., 1998. p.43.
[33] Bilhalva, Jacqueline Michels. A aplicabilidade e a concretização das normas constitucionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 134-135.
[34] Jansen, Euler. Manual de sentença criminal. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 110-111.
[35] Ávila, Humberto. Op. cit., p. 142-143.
[36] Gadamer, Hans-Georg. Op. cit., p. 18.
[37] Alencar, Rosmar Antonni Rodrigues Cavalcanti de. Op. cit., p. 22-23.
[38] Streck, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 508.


*Rosivaldo Toscano Jr. é juiz de direito e membro da Associação Juízes para a Democracia - AJD

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