11 de jul. de 2011

Miriam Belchior:"Nossa corrida não é de 100 metros"

Do Valor via Nassif
Raymundo Costa, João Villaverde e Rosângela Bittar | De Brasília
11/07/2011  
Ruy Baron/Valor 
A demissão de dois ministros, em menos de 30 dias, disseminou a impressão de crise e paralisia de um governo cuja presidente, Dilma Rousseff, mal completou seis meses de mandato. Nada mais falso, segundo a ministra do Planejamento, Miriam Belchior. "Algumas coisas estão sendo tocadas, e bem, e outras estão sendo montadas".
Para Miriam Belchior, o desenvolvimento da gestão de governo é o esperado: "O primeiro ano é o de o governo armar o bloco", diz a ministra. "Nossa corrida não é de 100 metros, mas de quatro anos. É em quatro anos que a presidenta pode ser cobrada de seus compromissos", afirma.
Falsa também, na ótica da ministra do Planejamento, é a afirmação de que a execução do Orçamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) este ano, só aumentou por causa do custeio. Miriam questiona a nomenclatura. "As pessoas entendem custeio como manutenção da máquina administrativa", diz. "O custeio a que nos referimos no PAC não é isso, mas boa parte pode e deve ser entendida como investimento."
Este seria o caso do programa Minha Casa, Minha Vida, no qual a transferência de recursos públicos é feita diretamente para empresas privadas que asseguram o investimento. Na lógica normal da burocracia trata-se de custeio; para a ministra, investimento.
Sem entrar no mérito das demissões dos ex-ministros da Casa Civil e dos Transportes, a ministra afirma que a transparência da gestão pública é melhor hoje. "Décadas atrás ninguém sabia que tinha problema de corrupção. Será que não tinha?"

Miriam defende o projeto de mudança da Lei 8.666 (licitações), em tramitação no Congresso, para absorver, em caráter definitivo, dispositivos do Regime Diferenciado de Contratações (RDC) a ser adotado para as obras da Copa do Mundo e Jogos Olímpicos. 
Segundo Miriam Belchior, a presidente Dilma já começou a cumprir o que prometeu, seja no caso da erradicação da miséria, cujo programa foi lançado em meio à crise da demissão do ex-ministro Antônio Palocci, ou no caso da qualificação profissional, cujos últimos laços estão sendo dados pelos ministros da Educação e do Trabalho. E logo deve sair o Programa de Desenvolvimento da Competitividade (PDC). "Estamos botando o bloco na rua", diz.
A seguir, os principais trechos da entrevista que a ministra concedeu ao Valor na manhã da última sexta-feira:
Valor: Há uma sensação de certo imobilismo, talvez provocado pelas crises políticas recentes. O governo está parado?
Miriam Belchior: De jeito nenhum, o governo não está parado. A gente trabalha muito, chegamos muito cedo e saímos muito tarde. Os primeiros meses do ano foram para construir uma proposta capaz de atacar esse problema da extrema pobreza, conforme definição da presidenta Dilma. Estamos começando a desenvolver isso. A presidenta vai ao Nordeste nesta semana para um compromisso relacionado a este programa. Temos quatro anos de governo, não é uma corrida de 100 metros.
Valor: O lançamento do Brasil Sem Miséria coincidiu com momentos dramáticos que culminaram na queda de Antônio Palocci, e foi por ela sombreado, parece que o governo só trata de crise....
Miriam: Não vejo isso, de o governo estar travado. O primeiro ano é de o governo armar o bloco. Algumas coisas estão sendo tocadas, e bem, e outras estão sendo montadas, como o Brasil Sem Miséria. Já lançamos o Pronatec e os ministros [Fernando] Haddad e [Carlos] Lupi estão preparando o bloco para o momento em que o Congresso aprovar o programa. Os frutos de tudo isso virão em 2014, fim dos quatro anos do mandato. Bom lembrar que o Bolsa Família foi lançado em outubro de 2003, no décimo mês do governo Lula. Mal temos seis meses de governo Dilma.
Valor: Por que alguns projetos de interesse do governo, como a reforma da Previdência e a mudança na lei de licitações se arrastam no Congresso e outros, como o Regime Diferenciado de Contratações (RDC), em que o governo se empenha mais, tramitam com velocidade?
Miriam: Alguns temas são mais difíceis de ser encaminhados. Nós estamos trabalhando com o Congresso, que tem respondido bastante bem às questões que o governo tem colocado. Às vezes [aprovam] não como o governo propôs, mas estamos em uma estrutura democrática e é assim que funciona. Acredito que eventos como a Copa do Mundo trazem oportunidades como essas, e o caso do RDC é um exemplo. Fizemos essa discussão com a preocupação de que precisamos entregar os eventos. Começamos a construir no país algumas visões comuns a respeito de alguns temas.
Valor: A mudança na lei de licitações seria uma delas?
Miriam: Com certeza. A lei tem questões importantes, ao garantir lisura nos processos, mas tem questões que podem ser modificadas. A lei 8.666 [de licitações, aprovada em junho de 1993] reflete determinado momento. E há um consenso no país no sentido de ajustar a 8.666, algo que faz parte de nosso aperfeiçoamento institucional.
Valor: O RDC poderia ser, então, estendido, como um passo para atualização, modernização das licitações? 
Miriam: Esta é uma discussão que precisa ser feita. A inversão entre as etapas de habilitação e a apresentação comercial, inserida no RDC, vai reduzir muito a judicialização das licitações. Às vezes uma licitação demora oito meses, por causa de recurso administrativo, depois recurso judicial na fase de habilitação. Muitas vezes quem está litigando nem tem uma proposta tão boa. Então, se fizermos o contrário, como permite o RDC, conseguiremos reduzir muito esse tempo, sem afetar a lisura, a transparência, a igualdade de condições para os participantes.
Valor: O governo está tomando iniciativas para propor mudança?
Miriam: A reforma que passou na Câmara e que está no Senado já propunha isso. Precisamos amadurecer essa discussão para implementar. Vamos aplicar agora nesse conjunto de obras para a Copa, por meio do RDC, e depois vamos ver se vale a pena estender para o resto de obras no país.
Valor: Existe alguma ideia em discussão no governo para promover mudanças na gestão, de forma a reduzir desperdícios e desvios, como os do Ministério dos Transportes?
Miriam: É importante ver as árvores, claro, mas é muito importante ver a floresta. Temos mudanças significativas através do tempo na melhoria e transparência da gestão pública e da eficiência dos mecanismos de controle. Isso é que é importante. Décadas atrás ninguém sabia que tinha problema de corrupção. Será que não tinha? Agora temos mecanismos para descobrir a corrupção. Isso é que é o importante a ser reconhecido, que os controles estão melhorando.
Valor: O governo não renovará o projeto de gestão diante dos fatos?
Miriam: A definição da nossa presidenta é trabalhar aqui no Planejamento, e no governo como um todo, a questão da gestão, não só a questão de desvios, mas de tornar a gestão mais eficiente. Tivemos ações simbólicas, como a da Previdência, feita há oito anos, que fez acabar as filas [do INSS]. A ideia é ampliar bastante isso. Aqui no Planejamento essa é uma área à qual daremos grande prioridade de trabalho.
Valor: Esse projeto é o que fará a Câmara de Gestão criada na Presidência?
Miriam: Já fizemos, na Câmara, uma primeira etapa de trabalho. Estão lá quatro ministros e quatro representantes do setor empresarial. Delineamos uma estratégia de trabalho, em que nós fizemos uma pré-seleção de áreas, pelo peso de cada uma, o volume de verbas.
Valor: Para definir as áreas prioritárias a merecerem atenção da Câmara o critério foi esse? O volume de verbas?
Miriam: Sim, porque a possibilidade de reduzir gastos é maior. Definimos áreas pelo critério de maior prestação de serviços ao cidadão, com maior volume de verbas, além da criticidade do setor. Escolhemos Saúde, Justiça, Previdência, Infraero, Correios, Copa do Mundo e o tema da competitividade, que é aprofundar o PAC, melhorando o ambiente de negócio. A ideia é definir com cada ministério qual será a abordagem para cada tema. Vamos também fazer um trabalho transversal, que passa pela escolha de itens em cada área, junto dos ministérios, para que cada um tenha iniciativas de melhorar a gestão interna, com foco no melhor atendimento aos cidadãos. Já tive essa experiência em Santo André (SP), quando ganhei prêmio da ONU em gestão administrativa.
Valor: A ideia, então, é usar o modelo de Santo André?
Miriam: Isso, vamos chamar os ministérios e fazer uma capacitação com os responsáveis de cada Pasta. Eles nos dirão quais são os fatores críticos para eles e nós daremos suporte, teremos uma equipe no Planejamento para dar suporte a essas ações. Vamos pegar grandes processos, como o que foi feito na Previdência nos últimos anos, e também escolher temas transversais.
Valor: O que seria um tema transversal?
Miriam: Por exemplo, fizemos recentemente uma contratação compartilhada [para compra] de telefones fixos, juntando uma série de ministérios para fazer a compra conjunta. Então os preços caíram muito, por ganho de escala. A ideia é fazer mais operações desse tipo.
Valor: As medidas dependem de um bom diálogo entre os ministérios. Nos últimos 30 dias, o governo trocou ministros da Casa Civil, Relações Institucionais, Pesca e Transportes. Isso dificulta os trabalhos?
Miriam: Acredito que o importante é ter sistemática de alinhamento estratégico do governo. Acho que especialmente a Casa Civil, mas também Planejamento e Fazenda têm um papel de condução, a partir das diretrizes da presidenta. A partir desses instrumentos de alinhamento do governo é possível obter os resultados que se quer de cada uma das áreas, independentemente das pessoas que estão ocupando essas áreas.
Valor: A avaliação que se tem feito é que o PAC também anda devagar. Os levantamentos do governo mostram que o programa executou este ano 36% mais que em igual período de 2010. Mas esse desempenho não foi sustentado por gastos de custeio e não de investimento?
Miriam: Isso é uma falsa questão, porque classificação do orçamento é uma coisa, e lógica de investimento é outra. As pessoas entendem custeio como manutenção da máquina administrativa. O custeio a que nos referimos no PAC não é isso. A maneira como executamos o Minha Casa, Minha Vida está sendo implementada em vários países. Fazemos uma parceria público-privada. No começo, vários Estados e municípios reagiram, perguntando por que não passávamos recursos a eles. Depois perceberam que estamos fazendo com muito mais eficiência, e eles estão garantindo a política pública de redução do déficit [habitacional], indicando as famílias que estão em áreas de risco ou favelas para ocupar as habitações que estão sendo construídas.
Valor: Então aquilo que é discriminado como custeio, o governo entende como investimento?
Miriam: Claro. Ao invés de o dinheiro ser repassado às prefeituras, que por meio de licitações próprias aplicariam os recursos, o que significaria investimento público, nós preferimos investir no FAR [Fundo de Arrendamento Residencial], e esse fundo executa as unidades habitacionais. Isso é investimento. Estamos fazendo um enorme esforço no país para que crescimento seja equilibrado e sustentado pelo consumo interno, que é o que dá o bom crescimento. O que estamos fazendo com o Minha Casa, Minha Vida é dar sustentação ao investimento. Não é porque a norma orçamentária chama isso de custeio que isso deixa de ser investimento. A gente não pode se prender de maneira limitada a isso.
Valor: Então os investimentos não foram menores que no ano passado?
Miriam: Não, mesmo que se pegue a rubrica investimento. O investimento pelo PAC no primeiro semestre de 2010 foi de R$ 8,7 bilhões, e neste ano foi de R$ 8,6 bilhões. Rigorosamente o mesmo. Na verdade, a execução aumentou devido ao custeio, relativo ao Minha Casa, Minha Vida, mas mesmo o investimento puro foi no mesmo patamar. Então é uma falsa questão de análise. Não estamos reduzindo os investimentos.
Valor: O ritmo, no entanto, não poderia estar mais acelerado?
Miriam: Estamos ainda armando o governo. Nossa corrida não é de 100 metros, mas de quatro anos. É em quatro anos que a presidenta pode ser cobrada de seus compromissos. Ela prometeu o ensino técnico, e já lançou o Pronatec. Ela prometeu a erradicação da pobreza extrema, e já lançou o Brasil Sem Miséria. Isso vai começar agora, e o período que vivemos é justamente dessa armação inicial. No caso do PAC, uma obra para virar obra precisa ser projeto, depois receber o licenciamento [ambiental], ser licitada e só então vira uma obra de fato. Temos ainda obras remanescentes do PAC 1 e algumas do PAC 2 que já estão começando neste ano, então os desembolsos serão ainda maiores no ano que vem. É um governo de continuidade, mas é um novo governo.
Valor: Quais são as bases desse projeto desenvolvimentista do governo Dilma?
Miriam: Estamos aprofundando a estratégia iniciada no governo Lula, a partir da base dada pela estabilidade econômica. A proposta é aprofundar a questão do mercado interno e da nossa competitividade.
Valor: O governo está preparando um conjunto de medidas da área de competitividade?
Miriam: Estamos na fase final desse projeto para melhorar a competitividade do país, projeto esse que o Ministério da Fazenda está conduzindo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. A presidenta também tem aposta importante na questão da educação, da ciência e tecnologia, da inovação. Estamos indo para a reta final do programa. Isso tudo é fruto da organização que a presidenta fez em fóruns. Este especificamente veio do fórum de desenvolvimento e competitividade, presidido pelo ministro Guido [Mantega, da Fazenda]. Nós não somos o determinante, mas ajudamos a construir essa pactuação do que é cada programa. É importante perceber que o governo não é uma federação, onde cada parte age conforme seus interesses. Lidamos como um Estado unitário, e além de fazer essa articulação horizontal, fazemos a vertical, unindo Estados e municípios.
Valor: Nesse modelo de desenvolvimento não lhe parece haver um Estado ainda muito grande no Brasil?
Miriam: Não gosto dessa discussão de Estado mínimo e Estado máximo. Temos demonstrado que tentamos trabalhar com equilíbrio. Não abrimos mão do Estado como indutor do crescimento. Temos tido sucesso nisso. Veja o exemplo do Minha Casa, Minha Vida. Tradicionalmente, isso seria feito pelo público, pegaríamos essa dinheirama do Orçamento e iríamos dar para Estados e municípios implementarem. O que fizemos? Inovamos. Fazemos junto do setor privado. Na Caixa, quando falamos em 200 mil moradias, eles tremiam. Quando o presidente Lula colocou a meta de 1 milhão de unidades, parecia impossível. Mas antes de lançar o programa nós chamamos todas as unidades da Caixa para rever os processos, para simplificar procedimentos. Isso tudo é uma enorme mudança, um movimento gigantesco. Agora lançamos o Minha Casa, Minha Vida 2 com muito mais tranquilidade, porque nós já sabemos fazer. Nós, como Estado brasileiro, e nós, empresariado brasileiro da construção civil, provamos que conseguimos fazer e fizemos juntos. Essa lógica do Minha Casa, Minha Vida demonstra o que pensamos do papel do Estado, qual é o limite do Estado e qual é o papel da iniciativa privada. É possível fazer junto e fazer bem. Há também o setor elétrico, desenhado pela Dilma quando ministra de Minas e Energia, que é outro exemplo de sucesso.
Valor: A sra. disse que no primeiro ano se prepara, no segundo se executa, mas no terceiro já é preciso se preparar para a campanha da reeleição...
Miriam: Faz parte das regras do país. O direito à reeleição do presidente em exercício, não é? 

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