Acabo de participar do Roda Viva com Luis Carlos Mendonça de Barros, economista que foi uma das estrelas do Plano Cruzado de José Sarney e também do Plano Real de Fernando Henrique Cardoso.
Com um certo humor, deve-se dizer que estamos assistindo a uma inflação de Mendonção e, para seguir na rima, podemos acrescentar que essa situação não chega a ser uma solução. O ex-ministro, economista e empresário é um grande polemista mas em minha opinião sua intervenção coloca mais dúvidas do que certezas.
Gosto da franqueza acima da média de Mendonção. Sempre preferi sua visão desenvolvimentista num PSDB que andou de forma cada vez mais inclinada para o monetarismo, escola que deixou a legenda com uma face econômica incompatível com as carencias de um país com 190 milhões de habitantes.
Gostei do programa, que retrata o debate econômico do Brasil de hoje, quando os economistas querem fazer um tipo de mudança que a maioria da população não admite. E este é o impasse real.
Mendonção tornou-se o mais visivel porta-voz de forças que pressionam o governo Dilma para dar uma paulada nos juros com o argumento de que sem um sacrifício de bom tamanho não será possível derrubar a inflação, assunto que é uma dor de cabeça de grandes empresas e do próprio governo.
Numa entrevista à Jose Fucs, da Epoca, ele disse que não se derruba a inflação com chá de camomila.
Os dados mais recentes informam que ela chegou a 6,51% ao ano. Considerando que o teto da meta definida pelo governo é de 6,50% estamos falando de um décimo de um centésimo! Como já recordou José Paulo Kupfer em sua coluna do Estadão, apenas no governo FHC o teto da inflação estourou duas vezes. E não foi nenhum deus nos acuda.
Vinte e cinco anos atrás, no governo Sarney, um dos integrantes da equipe econômica da época chegou a publicar um artigo na revista VEJA para dizer que é amadorismo falar que a economia fica fora de controle quando há uma diferença de 1% ou 2% entre a meta definida e o objetivo alcançado. Estamos num desvio de 0,1%. Se você for controlar seu peso num consultório médico e se queixar de que engordou 0,1% o doutor vai receitar um antipsicótico…
O efeito da medida proposta por Mendonção, se aplicada, seria diminuir o crédito e, por esse caminho, diminuir o crescimento da economia. O efeito seguinte seria sangrar o mercado de trabalho, invertendo a curva que há oito anos diminui o desemprego para jogar alguns milhões de brasileiros no olho da rua. Com isso, alega, os salários deixariam de pressionar os preços.
Ao defender em voz alta aquilo que a maioria de seus aliados não se dispõe a defender sequer em voz baixa, preferindo movimentos de mímica, Mendonção argumenta que, mais tarde, seria possivel retomar o crescimento e trazer os empregos de volta. Ele concorda com a visão de que em dez anos o Brasil poderá ter uma renda per capta em torno de U$ 22 000, equivalente ao dobro da atual e deixou claro que tem uma perspectiva geral positiva sobre o futuro.
Mas ele não respondeu algumas dúvidas básicas, naquele país que há anos disputa o troféu de possui uma das mais altas taxas de juros do mundo. Para começar, pergunta-se: até onde os juros precisam subir? Quantos milhões de desempregos seriam necessarios para equilibrar a inflação? Ninguém sabe. Nem ele.
Sem exagerar no espírito critico, digamos assim, é como um médico dizer a um paciente que a doença é grave e ele precisa ir para a mesa de cirurgia — mas explica que pode ser para fazer um transplante de coração, amputar uma perna ou quem sabe apenas para tirar a vesícula.
O célebre “pontapé nos juros” não vem a ser uma idéia nova. Não é nem pretende ser uma
idéia popular, obviamente. E é uma solução que já deu errado infinitas vezes. Com frequencia, os empregos perdidos não são recuperados, o crescimento torna-se frágil e mais difícil, porque os empresários ficam ressabiados diante da política econômica. Traumatizados, deixam de investir na produção para ganhar dinheiro num investimento infalível, a ciranda financeira. Exportam capitais, mudam de ramo e até de país.
idéia popular, obviamente. E é uma solução que já deu errado infinitas vezes. Com frequencia, os empregos perdidos não são recuperados, o crescimento torna-se frágil e mais difícil, porque os empresários ficam ressabiados diante da política econômica. Traumatizados, deixam de investir na produção para ganhar dinheiro num investimento infalível, a ciranda financeira. Exportam capitais, mudam de ramo e até de país.
Já vimos muitas reprises deste filme, não é mesmo? Com várias adaptações locais, no momento ele está sendo exibido na Grécia, na Irlanda, na Inglaterra, começou a passar em Portugal…Primeiro na fila dos sacrificados, os gregos já voltaram a pedir socorro, agora às portas do FMI. Já as empresas portuguesas estão de mudança e procuram novos mercados, inclusive em Angola.
Este é o problema. Se resolvesse aplicar uma proposta dessa natureza, Dilma entraria em choque com os milhões de brasileiros que lhe deram seu voto há apenas seis meses, confiantes de que ela daria continuidade a prosperidade que marcou o governo Lula.
Uma virada desse tipo jogaria sua popularidade no chão e deixaria seu governo num caminho incerto, com um agravante. Dilma não possui a popularidade original de seu antecessor, capaz de garantir-lhe a sobrevivência mesmo à beira do abismo. Nem construiu as conexões políticas com o poder economico para ser socorrida em horas de tempestade e pelo menos salvar a própria pele, como ocorreu com o antecessor de seu antecessor.
Há um fator político em torno do debate econômico e isso vale para os dois lados. Tanto para quem deseja dar um choque no crescimento como para quem faz o possível para mantê-lo. A inflação preocupa sim mas é preciso saber do que estamos falando.
Durante o programa, Augusto Nunes perguntou se o debate seria outro caso José Serra tivesse sido vitorioso na eleição presidencial. Mendonção respondeu que talvez fosse pior. Lembrou a formação desenvolvimentista de Serra, com traços daquilo que o próprio candidato de 2010 chama de ativismo estatal, para sustentar que seu eventual governo talvez fosse mais inimigo ainda do mercado do que a própria Dilma. Não sei o significado dessa crítica de tucano para tucano. Pode ser pura sinceridade. Ou pode ser mais um lance de uma briga no meio do incendio do partido.
Durante o programa, Augusto Nunes perguntou se o debate seria outro caso José Serra tivesse sido vitorioso na eleição presidencial. Mendonção respondeu que talvez fosse pior. Lembrou a formação desenvolvimentista de Serra, com traços daquilo que o próprio candidato de 2010 chama de ativismo estatal, para sustentar que seu eventual governo talvez fosse mais inimigo ainda do mercado do que a própria Dilma. Não sei o significado dessa crítica de tucano para tucano. Pode ser pura sinceridade. Ou pode ser mais um lance de uma briga no meio do incendio do partido.
Os economistas gostam de dar a impressão de que dominam uma ciência e raramente se recordam de que sua atividade está longe de ser controlada por números exatos e dados precisos. Com a experiencia de quem já produziu um milagre belíssimo e uma recessão horrenda, o professor Delfim Netto lembrou, muito recentemente, que chega a ser pura presunção da categoria imaginar que os economistas entendem mais de economia do que os consumidores.
A entrevista ajudou a retratar o momento atual do debate econômico. A visão de Mendonça sobre Serra mostra que políticas de sacrifício popular tem difícil aplicação num país em crescimento acelerado após um longo período de hibernação.
Minha opinião é que Dilma é prisioneira dos votos de 2010 e irá governar de olho neles, numa postura de quem está convencida de que a erosão de apoio popular pode ser muito mais nociva a seu governo do que a pancadaria que recebe na mídia depois que a inflação estourou em 0,1%.
Não é um fenômeno novo e já foi estudado pelo próprio Mendonção. Num artigo de 2006, ele escreveu sobre o conservadorismo de nosso pensamento econômico. Disse que certos princípios estão tão arraigados que “perdoa-se quem erra por conservadorismo” mas não se perdoa quem erra ao tentar o novo. Por essa razão, concluiu, é tão dificil mudar.
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