Por Murillo de Aragão no Noblat
A vida de analista político tem surpresas e momentos bem agradáveis. Não se resume a interpretar escândalos nem os efeitos do uso de laranjas na reputação de uns e de outros. Nem a buscar explicações para o inexplicável que vive incrustado na política nacional.
A ocasião que se apresentou foi um debate sobre o livro de Paulo Roberto Almeida – O Moderno Príncipe, Maquiavel Revisitado – na Casa Thomas Jefferson, em Brasília. Participaram o autor e o cientista político Paulo Kramer, uma das figuras mais brilhantes do cenário acadêmico da capital federal.
Na plateia, além de estudantes e curiosos, diplomatas, acadêmicos e pessoas de um tipo raro: aquelas para as quais um debate sobre política é algo essencial. No total, quase 100 pessoas.
Ao ver a plateia bastante interessada e o índice de sono inexistente, acendeu-se em mim uma centelha de esperança de que um dia – ainda que longínquo –, a política seja objeto de nossas melhores atenções.
O Maquiavel Revisitado de Paulo Roberto segue a linhagem de obras que aproveitam o que Maquiavel escreveu para desdobrar reflexões ou adaptar suas ideias às circunstâncias da atualidade.
Temos, por exemplo, Maquiavel, o Poder: História e Marketing, de José Nivaldo Junior, ou O Príncipe revisitado: Maquiavel e o mundo empresarial, de Luiz Antonik, recentemente lançado. Ou ainda, Maquiavel e a Liderança Moderna, de Michael Leeden, e também Maquiavel – A Lógica da Força, de Maria Lúcia de Arruda Aranha.
Fica evidente que os escritos de Maquiavel atravessaram os séculos com vigor e continuam a provocar inspiração em diversos autores.
É o caso de Paulo Roberto Almeida, que, tal qual Maquiavel, é um agudo observador da realidade política. Além de outras identificações com o mestre: é diplomata e cientista político.
Porém, é muito importante destacar que a obra de Paulo Roberto vai bem mais além do que adequar os ensinamentos de Maquiavel aos tempos modernos ou a uma determinada atividade, como outros fizeram.
Seus comentários claros, de leitura agradável, simplesmente aprofundam a senda inaugurada por Maquiavel e prosseguem – com suas próprias características – no aconselhamento ao Príncipe dos tempo atuais.
O livro de Paulo Roberto merece mais do que um debate. Merecia um seminário, pela importância do tema, pela pertinência de suas observações e, sobretudo, para se fazer um estudo comparado entre as lições de Maquiavel, a releitura de Paulo Roberto e a realidade brasileira.
Para não subtrair o prazer útil da leitura da obra de Paulo Roberto, destaco alguns aspectos com comentários sintéticos. Inicio com uma pequena discordância no que diz respeito à democracia no Brasil. Paulo Roberto constata que o Brasil “ostentou simulacros de democracia” e afirma que estamos em uma democracia plena.
Apesar de reconhecer os imensos avanços no campo democrático, acredito, no entanto, que ainda não chegamos lá, e nada garante que poderemos nos estabelecer como uma verdadeira democracia, já que nosso regime é coalhado de imperfeições.
Existem outros aspectos dentro dos padrões minimamente democráticos que ainda estamos longe de atingir: o direito de ir e vir em muitas cidades; a pluralidade e qualidade do fluxo de informação; a lisura do processo eleitoral (ainda eivado de vícios por conta do abuso do poder econômico); e a postura da sociedade (no nosso caso, acoelhada frente ao gigantismo estatal).
Paulo Roberto diz que repúblicas novas ainda estão em construção e que esse é o nosso caso, pois velhos redutos resistem aos ventos da democracia. É justamente onde o Brasil está: no ponto da história política em que ocorre a transição entre o antigo e o moderno.
Como analista político, vejo que Paulo Roberto acerta ao descrever que todos os principados modernos são mistos e resultam de um complexo processo histórico sempre único e original. Daí ser impraticável aplicar fórmulas rígidas visando à previsão do fenômeno político.
Paulo Roberto exemplifica a originalidade dos processos abordando a questão do entendimento do que é legal e permitido para os povos ibéricos e saxões. Para os ibéricos, tudo que é legal e autorizado é permitido. Para os saxões, tudo que não é proibido é permitido.
É curioso observar que, apesar da invenção dos partidos políticos, do voto direto, do sufrágio universal, do voto feminino, da urna eletrônica e de outros tantos avanços, muitas das constatações de Maquiavel continuam atuais. Isso prova que 500 anos não é nada em termos de evolução da humanidade.
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