Por Léo Rosa de Andrade
Nenhuma sociedade é civilizadamente homogênea. Falo civilizadamente porque está politicamente incorreto afirmar superioridade cultural de nações ou pessoas. Seja. Parece inegável, não obstante a incorreção de dizê-lo, que algumas civilizações distanciaram-se mais do que outras das formas primitivas de conviver e, dentro delas, alguns grupos e até indivíduos alcançam elaborar-se, enquanto outros permanecem um tanto toscos.
Explicações mágicas
Nos estágios mais incivilizados, as explicações dos fatos do mundo são mágicas. Magia é o “conjunto mais ou menos sistemático de saberes, crenças e práticas [...] que dizem respeito à possibilidade de manipular certas forças impessoais ou indecifráveis que se manifestam na natureza, na sociedade ou nos indivíduos” (Aurélio).
Forma de controle
Quando determinados grupos obtiveram poder suficiente para avocar a si a condição de intermediários dessas “forças mágicas”, estavam fundando as religiões. Religiões são organizações que apropriam e articulam leituras mágicas do mundo. Pressupõem a “crença na existência de uma força ou forças sobrenaturais, considerada(s) como criadora(s) do Universo, e que como tal deve(m) ser adorada(s) e obedecida(s)” (Aurélio).
No Brasil, civilização é sinônimo de religião
Religião implica fé. Fé é o “conjunto de dogmas e doutrinas que constituem um culto” (Aurélio). Dogma é o “ponto fundamental e indiscutível duma doutrina religiosa” (Aurélio). O estágio civilizatório do Brasil é o religioso. A gente brasileira recebe explicações e explica religiosamente o mundo. Entre os dogmas que constituem os cultos aqui predominantes, está o de que uma divindade criou o homem e a mulher com finalidades muito claras, entre elas a de reprodução.
Pecado
O povo brasileiro declara-se com fé, mas não conhece muito bem o corpo doutrinário de qualquer religião que professe. Não somos muito estudiosos. Nossos crentes são permissivos. Declaram-se relaxados e acham isso divertido. Os intermediários institucionais do divino, contudo, levam o seu negócio a sério. Então, vence o dogma, logo, homem com homem, ou mulher com mulher é pecado.
‘Pacote de respeito’
Ademais, muitos brasileiros são homofóbicos: o macho militante, talvez por medo de cair em tentação, agride gays. Também somos autoritários: um grupo de burocratas resolve fazer ortopedia moral, ordenando um “pacote de respeito” a homossexuais. Não se pensou em construção persuasiva de direito civil. O kit passaria, mas muitos políticos são corruptos: um ministro enriqueceu em passo acelerado e seria convocado a depor com o aval das bancadas evangélicas.
Arrogância tola
Desse imbróglio nascido da tolice arrogante de certa esquerda (que eu considero de direita), restou uma batalha inútil com vitória estrepitosa do rancor carola do país: deu-se uma bandeira aos conservadores, restabeleceu-se o prestígio de um deputado preconceituoso, ofereceu-se um argumento à articulação dos parlamentares religiosos, impôs-se um recuo a um governo esforçado em ser laico. Não vai ser fácil recuperar o estrago. Que assim não seja, amém.
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