Do Globo
BRASÍLIA - A crise entre a presidente Dilma Rousseff e o vice-presidente Michel Temer quebrou várias regras elementares da política e, pelo menos, uma do jornalismo, curiosamente, a fundamental - a definição do que é notícia. Coube ao mestre Luiz Garcia a mais resumida delas: "notícia é a quebra da rotina". Pois bem, um ato mais do que rotineiro no dia a dia de Brasília, e que se banalizou nas gestões FH e Lula, está sendo divulgado, pelas duas partes, como o fato mais solene que marcará a reconciliação entre Dilma e seu sucessor imediato: a foto da transmissão de cargo hoje de manhã, na Base Aérea, de onde ela embarca para uma viagem de 30 horas ao Uruguai.
Ato normalmente restrito ao público interno, e que vem se tornando dispensável justamente pela rotina em que se transformou, será aberto à imprensa, com direito a fotos e imagens. Com direito, não. Com a exigência.
- Fotos, muitas fotos e imagens - pediu um assessor palaciano, ao organizar o evento.
Quem quiser poderá transmitir ao vivo os abraços sorridentes da reconciliação. A antinotícia fala por si, mas não resolve a crise política. Notícia seria, sim, se, na reunião de Dilma com a bancada do PMDB no Senado, nesta quarta-feira, estivessem os nove dissidentes do partido, principalmente o ícone deles, o senador Jarbas Vasconcelos (PE). Era o que prometia Michel Temer. Mas no início da noite de ontem, o senador pernambucano avisou que não estará presente porque trata-se de uma encontro da presidente Dilma com a base de apoio no Senado, e ele não integra o grupo.
Em entrevista ao GLOBO, na qual tenta esclarecer a sua briga com o ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, Temer nega ter usado a expressão "ministério de merda!", em referência à pasta da Agricultura, ocupada pelo seu afilhado político Wagner Rossi - o primeiro a quem Palocci ameaçou de demissão, em represália à votação do Código Florestal com anistia para desmatadores.
Michel Temer reconhece, porém, que a conversa foi áspera. Quem a testemunhou, também, o ministro Moreira Franco, confirma: "O Michel, realmente, não usou palavrão, mas, se usasse, teria sido menos grave do que o que realmente disse, educadamente". Eis a entrevista.
O senhor teve várias conversas ásperas com o ministro Antonio Palocci num intervalo de 24 horas, que terminaram com um encontro no qual ele pediu desculpas. O senhor poderia historiar esse incidente, esclarecendo a causa ou as causas?
MICHEL TEMER: Na verdade, o que houve foi uma conversa num tom mais elevado. Nada mais do que isso. Tanto que logo mais nos entendemos.
O senhor é conhecido também por ser um dos políticos mais educados e pacientes do país. Por isso, todos estranharam o fato de, numa dessas conversas, o senhor ter usado a expressão "ministério de merda", referindo-se à pasta ocupada pelo seu afilhado político, Wagner Rossi. Quem ouviu a conversa ouviu mal?
TEMER: Ouviu muito mal. E foi maldoso ao dar a informação. Você sabe que eu não uso expressões dessa natureza em hipótese alguma. Ademais, o Ministério da Agricultura é importantíssimo para o desenvolvimento do país.
A passagem do ex-presidente Lula por Brasília agitou o meio político. Foi proveitosa?
TEMER: Foi muito proveitosa. Ele conversou com várias lideranças, ouviu e fez sugestões. Estive com ele na reunião com o presidente Sarney e os líderes do Senado.
Falta articulação política ao governo? Não seria também essa uma das funções do vice-presidente da República, que conhece o Congresso como poucos?
TEMER: Não creio que falte articulação política. Muitas vezes há necessidade de ajustes, que são feitos paulatinamente. Quando sou convocado, colaboro na relação com o Congresso Nacional. O caso típico foi o do salário mínimo, tema importante para o governo.
O senhor, esta semana, conseguiu um feito extraordinário: unir todas as correntes do PMDB. Foi o instinto de sobrevivência que falou mais alto? Ou é apenas uma trégua?
TEMER: Desde muito tempo tenho buscado a unidade absoluta do PMDB, que vem sendo obtida com a colaboração de todos os peemedebistas.
Como está a sua relação com a presidente Dilma Rousseff?
TEMER: Excelente e com muito respeito político.
Nesta segunda-feira, o senhor brinda no Palácio Jaburu a união do PMDB. E, na quarta, tem o encontro da bancada do Senado com a presidente da República. O senhor vai convidar os dissidentes?
TEMER: Em busca da unidade, não falamos em dissidentes. São todos colegas e estarão comigo, nesta segunda-feira, debatendo os rumos do partido. Na quarta, o convite é da Presidente Dilma à bancada do Senado Federal. Todos.
Como o senhor avalia o resultado da votação do Código Florestal? Foi derrota do governo?
TEMER: Não. Foi uma decisão da Câmara dos Deputados. Mas há, ainda, um longo caminho a percorrer. Passará pelo Senado Federal e, afinal, pela apreciação da senhora Presidente da República, para sanção ou veto.
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