9 de mar. de 2011

Narrativas obsoletas

Do blog do Alon

As argumentações tradicionais sobre o Oriente Médio e o mundo árabe perderam a utilidade, junto com a credibilidade. Sobrou uma única narrativa: cada um tem o direito de viver em liberdade e, nessa base, exercer livremente sua soberania, desde que respeitada a soberania do outro


As transformações políticas no mundo árabe criaram um problema para os fabricantes de narrativas. Subitamente as argumentações tradicionais afundaram. E rápido de fazer inveja ao Titanic do pós-iceberg.

Naufragou, por exemplo, a tese de que a autodeterminação nacional palestina é a chave para a rápida solução dos impasses no Oriente Médio e África do Norte. Os levantes árabes foram impulsionados por forças políticas que têm opinião sobre o tema, mas ele não chegou a comparecer.

Do lado israelense, tampouco resistiu o discurso de que o país merece mais apoio ocidental do que os vizinhos por ser a única democracia na região. Já não é. E os povos árabes personificam hoje um desejo de democracia pelo menos tão intenso quanto.

A partir do momento em que Tunísia e Egito abriram a onda revolucionária, ganhou algum fôlego a argumentação tradicional anticolonialista. A revolução árabe seria democrática pela necessidade de ser anti-imperialista. Mesmo que não explicitamente.

A sublevação na Líbia, independente até do desfecho, derrubou mais esse pino do boliche. Especialmente desde que as antigas potências coloniais se mostaram mais solidárias aos revolucionários de Bengazi do que os supostos líderes anti-imperialistas do chamado Sul. Que mico!

Aliás, até agora o único lugar em que a coisa derivou para a ameaça de guerra civil foi a Líbia, que na política e nas alianças andava mais próxima de um perfil sírio, ou iraniano, do que egípcio, ou tunisiano.

Outra tese ligeira destas semanas é dizer que se trata de uma conspiração islâmica, bem disfarçada e articulada nos bastidores pelo Irã. Coisa difícil de provar e, portanto, de contestar.

É normal que os iranianos tentem avançar e solidificar posições em cenários assim incertos, mas a cara dos movimentos árabes é mais antitirânica, mais democrática, pelo menos por enquanto.

Se as narrativas foram embora, as dúvidas estão aí vivinhas da silva. É possível um Islã democrático? É possível consolidar a democracia em países fracos na institucionalidade?

As novas democracias árabes vão apoiar os líderes palestinos que lutam para fundar um país nas condições concretas ou vão, a pretexto dos princípios, continuar a colocar em primeiro plano a extração de dividendos do sofrimento nacional palestino?

Junto com as narrativas furadas, tampouco colam mais as táticas diversionistas. Estreita-se a margem para líderes culparem forças e eventos externos pelas desgraças pátrias.

A explicação para as revoltas árabes é bem simples. Todo sistema opressivo e explorador precisa, para sobreviver, que o grupo dominante esteja de acordo sobre os termos da dominação, política e econômica. Até para poder esmagar a insatisfação dos dominados.

Fissuras na elite costumam aparecer especialmente em situações de transição de poder. Ou nas quais o vetor da transição, da alternância, esteja represado além do razoável.

Aberta a brecha, cria-se o espaço para emergirem os desejos de democracia, liberdade, participação política para construir uma vida melhor.

Já onde a fissura não se apresenta a tendência é persistir a ilusão de que tudo pode ser mantido como está.

Por que ilusão? Porque anda cada vez mais complicado sustentar ditaduras e tiranias num século mundializado, marcado pela explosão das possibilidades de contectar-se e comunicar-se, um tempo com instrumentos bastante mais eficazes para blindar os direitos humanos.

Em Túnis e no Cairo já se sabe disso. Em Trípoli estão perto de aprender. E em Damasco e Teerã já receberam um convite para participar do curso.

Sobre as narrativas, talvez tenha sobrado só uma. Cada qual tem o direito de viver em liberdade e, nessa base, exercer livremente sua soberania, desde que respeitada a soberania do outro

Amigo

Os episódios recentes no mundo árabe consolidam na diplomacia brasileira a sensação de que Hugo Chávez deveria se antecipar e cuidar logo de arrumar um sucessor, ou sucessora.

O continuísmo está saindo de moda. E o Brasil não gostaria de ver certo tipo de confusão acontecendo bem no nosso quintal.

Nem gostaria de ver os Estados Unidos metendo o bedelho aqui ao lado.

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