O papel que a juventude ocupa no imaginário da cultura ocidental, e as repercussões sociais e de saúde pública dessa percepção - como o uso de drogas -, foi comentado no Espaço Cultural CPFL pela psicanalista Maria Rita Kehl. Ela fez suas observações como parte do módulo que discutiu o impacto na vida por causa das rápidas transformações em curso na sociedade contemporânea.
MODOS DE SOFRER
Para a psicanalista, a cultura ocidental é a que acredita ser possível viver sem nenhuma dor. Que acredita que boa vida é "só de prazeres, só de conquistas, realizações, sucesso, palavra muito usada". Assim, é uma cultura que "não produz modos de sofrer", ao contrário por exemplo do Cristianismo, "que durante séculos produziu modos se sofrer".
Na tradição judaico-cristã, observou, as pessoas "aceitam o sofrimento porque acham que Deus enviou o sofrimento, sofrer é normal, e isso não deixa de ser um conforto. As pessoas não deixam de sofrer, mas o sofrimento faz sentido".
A corrente literário-filosófica do Romantismo que prosperou na Alemanha e outros países entre os séculosXVIII eXIX também enfatizou o sofrimento, pela "perda de relação com a natureza, pela separação da natureza, pela impossibilidade da comunhão com o todo". No Romantismo, o sofrimento tornou-se, enfim, fonte de inspiração poética, sinal de sensibilidade.
Estes são os modos de produção de sofrimento no contexto de algumas culturas. "O sofrimento passa a ter sentido para a pessoa que sofre", disse.
A CULTURA DOS PRAZERES E DASDROGAS
A atual cultura do Ocidente, em contrapartida, é uma cultura individualista e hedonista. "É a cultura dos prazeres, em que o sofrimento nos deixa em uma solidão absoluta. Cada um fica sozinho com seu sofrimento e tem vergonha de dizer para o outro que sofre. Porque, afinal, sofrer é coisa de otário! Quem é esperto não sofre!" No Brasil as pessoas ainda se amparam mais, mas em alguns países essa postura é exacerbada, notou.
A atual cultura do Ocidente, em contrapartida, é uma cultura individualista e hedonista. "É a cultura dos prazeres, em que o sofrimento nos deixa em uma solidão absoluta. Cada um fica sozinho com seu sofrimento e tem vergonha de dizer para o outro que sofre. Porque, afinal, sofrer é coisa de otário! Quem é esperto não sofre!" No Brasil as pessoas ainda se amparam mais, mas em alguns países essa postura é exacerbada, notou.
E nesse sentido as drogas, salientou Maria Rita Kehl, se tornam uma porta de entrada, se transformam em um escape, "em algo que apazigua, se transforma em objeto poderoso, capaz de proporcionar grandes coisas, e também é um objeto proibido, que seduz".
MUDANÇA CULTURALA cultura dos prazeres, disse, está associada à cultura do consumo, atual fase do capitalismo. O capitalismo de produção, do séculoXIX e início do século XX, foi construído pelo culto à renúncia do prazer, "as pessoas tinham que se sacrificar para produzir, o que marcou muito a ética protestante, por exemplo, e Freud cuidou do sujeito produzido por esse contexto".
Mas agora é diferente. É o capitalismo de consumo,do imperativo do prazer. "Mas todos sabemos que não é bem assim, não é só fazer isso e o prazer vem imediatamente. E mesmo que os imperativos de consumo se dirijam a todos em uma sociedade, a resposta só é possível para alguns. Muita gente fica de fora. Aí é que a droga entra, como um objeto que substituiria a todas as outras mercadorias que o cara não pode ter e que ele todo dia vê anunciadas que ele deveria ter".
ADOLESCENTES, AS VÍTIMAS
Maria Rita Kehl entende que os adolescentes talvez sejam, hoje, "as maiores vítimas desse imperativo do gozo que está na cultura".
Maria Rita Kehl entende que os adolescentes talvez sejam, hoje, "as maiores vítimas desse imperativo do gozo que está na cultura".
Maria Rita Kehl é doutora em psicanálise pela PUC de São Paulo e autora de livros como "Videologias" (Boitempo Editorial, com Eugênio Bucci), "O amor é uma droga pesada" (Vertente, 1983), "A Mínima Diferença - O Masculino e o Feminino na Cultura" (Imago, 1996) e "Sobre Ética e Psicanálise" (Companhia das Letras, 2002).
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