Por Moisés Pinto Neto via blog do ALexandre Moraes da Rosa
O fato de os Estados Unidos e outros países estarem comprando uma verdadeira guerra contra a Wikileaks, inclusive usando Cortes Marciais, acusações temerárias e estratégias de exceção (como discutíamos no twitter@fabriciopontin, @iavelar e eu) revela que o diagnóstico prenunciado por Giorgio Agamben à época do livro “Estado de Exceção” provavelmente estava correto. Em outras palavras, a crise que se arrasta sobre os estados-nação está a indicar que a matriz oculta do poder soberano – o estado de exceção – está cada vez mais a se tornar a regra de funcionamento desses estados.
No entanto, para compreender o real porquê de Agamben estar correto é preciso desfazer algumas confusões. A principal é a interpretação do constitucionalismo contemporâneo acerca do livro mencionado (cuja influência se faz visível inclusive em julgados do Supremo Tribunal Federal, provavelmente por ricochete, ao usar a expressão do título sem que ela esteja diretamente prevista na legislação). Partindo do mitologema do contrato social típico do liberalismo político, os constitucionalistas lêem a tese como se o estado de direitoconsolidado estivesse cada vez mais sob ataques do estado de exceção. Tratar-se-ia, dessa forma, de “resistir” afirmando os direitos e garantias fundamentais contra o abuso de poder.
Nada menos condizente com a tese de Agamben. Para o filósofo italiano, estado de direito e estado de exceção não constituem um par de opostos, mas estão em relação complementar. Na realidade, o estado de exceção é o que precisamente sustenta o estado de direito, ainda que às vezes permaneça oculto. Se a raiz do poder soberano não é um contrato – e quanto a isso creio que basta abrir bem os olhos – o algoque sustenta até mesmo a constituição é justamente o estado de exceção. Hoje, com a crise dos estados, essa matriz oculta torna-se cada vez mais visível e pode se tornar indissociável do estado de direito. Para quem não entendeu esse ponto, recomendo a leitura de “Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua”, onde Agamben literalmente desenha isso.
Por que a Wikileaks confirma a tese? Basicamente porque os estados não podem tolerar que seja mostrada a verdade acerca do seu real funcionamento – isto é, que seja tocado precisamente esse nervo mitológico que lhe dá credibilidade. Dizer a verdade acerca do estado é, em outros termos, terrorismo. Não que efetivamente essa etiqueta caiba ao caso, mas é interessante perceber que a elasticidade desse significante passou a abranger inclusive o dizer a verdade – a parrhesia. Quando esse dizer inclemente da verdade se confunde com o conceito de terror, temos um sintoma claro de que os fundamentos míticos sobre os quais estão erguidos esses monumentos civilizatórios estão abalados. E não por acaso esses estados acionam contra a Wikileaks suas defesas mais extremas, inclusive a defesa do fuzilamento. Numa época de crise na “força de lei” que sustenta os estados, é necessário apelar a todas as defesas possíveis, inclusive as mais extremas. Nesse caso, a menos que nossa consciência escape das categorias modernas, as próprias distinções esquerda/direita ou liberal/conservador podem perder o sentido, pois o que nenhuma dessas ideias identificadas com diferentes tipos de “governos” podem aceitar na Wikileaks é que ela produziu algo cujos estados não mais toleram: a política.
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