Por Léo Rosa de Andrade no Notisul
Interditado é igual a proibido. Seja um lugar, um conhecimento, uma pessoa, o que se deseja está ali, mas com o acesso negado. Religiosa e psicanaliticamente, o interdito é um proibido com significados marcantes. Não é um proibido qualquer: um interdito católico é uma pena eclesiástica que nega o acesso a lugares sagrados; o incesto é um interdito social relevante para a psicanálise. Então, aqui, há uma diferença entre proibido e interditado. No proibido eu obedeço, ou não, à ordem proibitiva; o interdito eu internalizo, logo, obedeço a mim mesmo.
O controle sobre o feminino
Convido a um raciocínio que, talvez, nunca li, outros já tenham desenvolvido melhor. O feminino, na tradição ocidental, é um interdito. Explico-me: na nossa cultura, a mulher sempre foi o que mais se controlou.
Foi submetido a controle não apenas o seu corpo, mas a sua movimentação, a sua fala, a sua vontade, o seu órgão sexual. Mesmo com todos os avanços pós-1960, eu creio que a coisa mais controlada do mundo ainda é o órgão sexual feminino.
A namorada desconhecida
Eu assuntei para a coisa porque pensava no Dia da Mulher e via nos jornais aqueles corpos cobertos de preto que se movem nas praças revoltosas do Oriente Médio. Já namorei uma moça daquelas, tenho foto com ela, e creio saber o que digo: a foto não conta nada, não se conhece quem está dentro da roupa. É interessante: os jogos de aproximação são pelo olhar, pelos sons de algum sorriso, pela precisão das palavras, mas, no fundo, você se relaciona sem saber exatamente com quem.
A original inauguração do pecado
Por aqui é diferente, sim, claro. Mas as sobras da tradição semita nos habitam. O nosso mito “oficial” de fundação, o Velho Testamento, conta que a mulher comeu do fruto da árvore interditada do conhecimento, e dele deu de comer ao homem. Pronto: souberam-se nus, tiveram vergonha e, ainda por cima, inauguraram o pecado original. Eu aprecio pecados, originais ou não, mas as mulheres sofrem a consequência da desobediência revolucionária de Eva. Ela foi coberta por folhas de figueira e até hoje é censurada se tira a roupa.
Libertada limitada
Homens cristãos, judeus e muçulmanos interditaram as mulheres, em prejuízo deles mesmos. Penso assim porque nos espaços civilizatórios em que as mulheres se libertam das imposições masculinas elas tiram muito das suas roupas e se relacionam sexualmente com razoável liberdade. Contudo, se encontram o “seu” homem, regra geral, recaem na submissão. São interditadas e se autointerditam para o mundo. Por que será assim? De onde vem isso? Sobras de autoridade patriarcal introjetada por séculos. Proibição subjetivada. Interdito.
Mulheres, voltem ao paraíso!
Não creio que uma muçulmana, ao se dirigir à rua, cogite se deve ou não se cobrir. Apenas se cobre. Desacredito que uma cristã brasileira, ao ir à praia, reflita sobre vestir biquíni. Veste sem pensar. Essas mulheres descobrem a bunda, algumas os seios, o que é bom. Será que não deixariam mais à vista, se não houvesse um resto de domínio machista estabelecendo um mínimo interditado? Mulheres, livrem-se disso, voltem ao paraíso! Alguns homens protestarão, mas outros vão imitá-las, também se vão mostrar. Seria o éden, a liberdade primitiva. Que nos venha o céu, amém.
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