No página 22 e citado por Safatle no Post anterior
(…que não teve sogra nem caminhão)
Na busca de indicadores de desenvolvimento que destronem o PIB do reinado absoluto, será que a felicidade deve ser o parâmetro?
Depois de um caudal de informações e opiniões colhidas em entrevistas durante mais de uma semana, ligo o rádio e quem está lá é Mario Prata, com toda a concisão dos cronistas: “No Brasil, o fracasso não faz o menor sucesso”.
Talvez não o faça também em outros lugares, mas no país obcecado pela alegria das celebrações e pelo sucesso esfuziante, o fracasso pega muito mal. O Velho Mundo que fique lá com suas cinzas taciturnas, enquanto a Colônia festeja com serpentinas a tropicalidade personalizada no calor humano.
Viver alegre hoje é preciso/ Conserva sempre o teu sorriso/ Mesmo que a vida esteja feia/ Que vivas na pinimba/ Passando a pirão de areia. A ironia do samba de Noel Rosa é lembrada por Ricardo Abramovay, professor titular do Departamento de Economia da FEA-USP, quando provocado pela pauta “felicidade”:
– O Brasil é obsessivamente feliz, é uma obrigação, não é uma decorrência. O problema disso é que uma vida que vale a pena ser vivida envolve um componente reflexivo. Não pode deixar de ter lugar para a não felicidade. A dor, a depressão, a tristeza, a perda. Isso faz parte. É aterrorizadora a ideia de uma sociedade que fosse apenas feliz.
Aqui, a gente até faz troça de questões existenciais, a começar dos para-choques de caminhão nas estradas da vida.
“Se um dia sentir um grande vazio dentro de você, come que é fome”
Abramovay pergunta se a felicidade deve ser mesmo um parâmetro de desenvolvimento na grande discussão que toma corpo no Brasil e no mundo, em busca de uma régua melhor que a do Produto Interno Bruto. Como mostra reportagem à página 28, a felicidade e o bem-estar [1] têm ganhado espaço como critérios a serem levados em conta para além do simples crescimento econômico no reinado absoluto do PIB.
[1] No livro Felicidade, Eduardo Giannetti sublinha a distinção entre bem-estar, definido por dados objetivos, e felicidade, que usa critérios subjetivos.
O seu ponto é que a felicidade como parâmetro pode escamotear situações nas quais os indivíduos estão privados de suas liberdades e, até mesmo, de necessidades básicas, mas, no entanto, acabam encontrando uma forma de sobreviver e ainda tirar proveito da vida – porque é só o que lhes resta.
– Mulheres em situação de opressão extrema em sociedades totalitárias não são mulheres que passam sua vida na felicidade, mas muitas vezes encontram espaços em que são felizes. E é importante que encontrem, senão sua sobrevivência seria impossível. Mas você vai dizer que elas estão bem porque muitas vezes são felizes? – questiona Abramovay.
Para ele, o problema de definir a felicidade como principal parâmetro é que talvez haja outros critérios que não dependam estritamente da subjetividade dos indivíduos e sejam mais importantes: a honra, a tranquilidade, a resiliência, a capacidade de organizar a vida de modo a saber enfrentar os problemas por que se passa. Para a comunidade, os valores são a militância, o compromisso com a causa. “Se você caracterizar tudo isso como felicidade, a gente passa a não saber mais do que está falando.”
“Se não é feliz, não é sustentável”
Não, esta não é uma frase de para-choques de caminhão. É o mote que a Gaia Education, rede de educadores voltada para o urbanismo sustentável, adotou para nortear suas ações. O que de certa forma nos fez, em Página22, questionar se a felicidade e a plenitude do indivíduo seriam os próximos passos nas discussões sobre sustentabilidade, até então muito centradas em escopos coletivos, como o social, o ambiental, o econômico.
Muito mais que na definição da Comissão Brundtland, que se refere a “satisfazer as necessidades das gerações presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer as suas necessidades”, ficamos pensando se a evolução natural de “satisfazer necessidades” seria “buscar um mundo melhor”, em que as pessoas se sintam bem. E felizes.
Quem responde é Susan Andrews, antropóloga pela Universidade Harvard, fundadora do Instituto Visão Futuro e responsável por trazer ao Brasil o conceito de Felicidade Interna Bruta (FIB) [2], desenvolvido na década de 70, no Butão, como um indicador a substituir o PIB:
– Eu não diria que a felicidade é o próximo passo na evolução das discussões sobre sustentabilidade. Diria, sim, que a sustentabilidade e a felicidade humana são dois dos principais temas na discussão sobre a evolução da vida na Terra. Como espécie, estamos nos tornando mais e mais infelizes, e essa nossa infelicidade está diretamente relacionada à da Mãe Terra – solos, água potável, clima, biodiversidade, oceanos, florestas, tudo isso está em crise. (A quantidade de pessoas com problemas psicológicos também tem aumentado, como mostra o texto “De perto ninguém é normal, mas a coisa tá feia”, abaixo.)
[2] O FIB tem nove dimensões: bom padrão de vida econômica, boa governança, educação de qualidade, saúde, vitalidade comunitária, proteção ambiental, acesso à cultura, gestão equilibrada do tempo e bem-estar psicológico.
“Não sei se o FIB é o melhor caminho, mas a tentativa é muito válida”, afirma o arquiteto MarCelo Todescan, do Instituto Centro de Referência, Integração, Sustentabilidade e Pesquisa. Isso porque a discussão em torno da felicidade tem pelo menos dois efeitos. Um deles, em sua opinião, é resgatar a capacidade do ser humano de sonhar.
“Antes eu sonhava, hoje nem durmo mais”
– Estamos perdendo a capacidade de sonhar com um futuro bom. Diante da perspectiva de um mundo sombrio, que é apresentado por Hollywood por meio de uma série de filmes-catástrofe, tende-se à paralisia. Justamente quando há necessidade de ação imediata – diz Todescan. (Leia sobre o resgate das utopias eecoansiedade, em Página22.)
Todescan vê o FIB como um dos diversos movimentos em curso que buscam a transição de um modelo insustentável – baseado em energia fóssil, no consumismo e na superexploração dos recursos naturais – para outro que viabilize a vida e o bem-estar na Terra.
E o outro efeito da discussão sobre felicidade é atacar de frente a lógica capitalista, baseada no crescimento econômico contínuo.
“Não tenho tudo que amo, mas amo tudo que tenho”
A felicidade faz a gente questionar o que realmente importa, como diz o economista Eduardo Giannetti, ementrevista à desta edição de Página22. De certa forma, alinha-se com o que é chamado em Economia de lei da utilidade marginal decrescente: quando se está com sede, o primeiro copo d’água tem uma utilidade e um valor enormes. O segundo, menos. E beber o terceiro talvez seja até um sacrifício.
Assim, a felicidade pode aumentar à razão direta do crescimento econômico. Mas depois de certo ponto – estudos mostram que a partir de US$ 10 mil anuais per capita – maior prosperidade não garante mais bem-estar subjetivo. Isso é tiro certeiro no coração da lógica capitalista e talvez explique como a publicidade se aperfeiçoou na arte de persuadir as pessoas a desejarem ardentemente aquilo que para elas não faz a menor falta. O custo da fantasia inebriante do consumo é que chegamos a 70% das famílias endividadas, sobretudo as de menor renda, segundo o IBGE.
Na edição de janeiro/fevereiro da revista Adbusters, um artigo intitulado “Qual o problema de ser o número 2?” mostra o Japão como o primeiro país que pode optar pela chamada economia steady-state, que prevê prosperidade sem crescimento. E longe dali, na Escócia, a ecovila de Findhorn vem provar que os limites ao crescimento e ao consumo não necessariamente são dolorosos. Findhorn é uma espécie de laboratório do mundo sustentável que funciona há 50 anos.
A brasileira May East, que mora nele há 20 e dirige a Gaia Education, afirma: “Estou em uma ecovila, mas dedico meu trabalho às grandes cidades”. Lá, conta ela, consome-se metade dos recursos e se gera metade dos resíduos em relação à média da Grã-Bretanha. “Pelos indicadores tradicionais, a gente estaria abaixo da linha da pobreza. Mas o que se vê aqui é qualidade de vida”, diz.
A começar do melhor uso do tempo. May conta que muitos dos empreendedores sociais em Findhorn trabalham de 3 a 4 dias por semana e, nos demais, dedicam-se a outras atividades para as quais nunca tinham tempo. Findhorn sustenta-se em três pilares: sistemas econômicos, desenhos ecológicos – como tecnologias voltadas para a bioconstrução, a produção de alimentos e a geração de energia – e desenho social, o que inclui governança e processos participativos.
Ainda assim, a pegada ecológica da ecovila é superior a um planeta, ou seja, se todo o mundo operasse como Findhorn, seria preciso mais recursos do que a Terra pode prover. Nas megacidades, em qualquer parte do mundo, a taxa varia de 5 a 7 planetas, informa Todescan.
“Praia de pobre é caminhão de areia”
O nó da sustentabilidade – e por decorrência do bem-estar e da felicidade – é que o modelo vigente, o chamado business as usual, não dará conta de sustentar os cerca de 9 bilhões de pessoas estimados até 2050. “E ainda temos de assegurar consumo mínimo, hoje, para 4 bilhões de pessoas que estão abaixo de um nível de vida decente – baseio-me no The Next 4 Billion, do Banco Mundial”, diz o economista Ladislau Dowbor, professor titular da PUC-SP.
Lembremos que, a partir de determinado nível de renda, o aumento de prosperidade não garante aumento de felicidade. Mas até lá, sim, e nesses casos as necessidades e as aspirações são muito materiais (leia “Dinheiro não é tudo, mas é 100%”, abaixo). Haverá recursos naturais para todos? E dá para ser feliz diante dessa perspectiva?
No Brasil, há 200 milhões de habitantes, dos quais 60 milhões formam um tipo de Quarto Mundo, que precisam dramaticamente ter acesso a um consumo mais decente. E mais 60 milhões que não são Quarto Mundo, mas têm possibilidades muito limitadas de consumo.
– Temos o outro lado disso, que é absolutamente perdulário e esbanjador, com aumento de riqueza ligado à concentração de renda [3]. Os EUA têm 4% da população mundial e emitem 25% dos gases de efeito estufa. Isso tem seu correspondente no Brasil: na beira da Marginal Pinheiros, em São Paulo, são vendidos apartamentos de R$ 14 milhões a unidade, com alto consumo associado de tudo: automóveis, ar condicionado etc. – diz Dowbor.
[3] Segundo Felicidade, de Giannetti, a concentração está crescendo. De 1830 para cá, a renda per capita dos ricos multiplicou-se por 16, ao passo que o nível de renda média do resto do mundo apenas triplicou.
“É um modelo de consumo que só se viabiliza às custas dessa maioria pobre”, sublinha. E, mesmo assim, já ultrapassamos em 30% a capacidade do planeta de se autossustentar.
O professor, no entanto, está convencido de que o problema não é de sobrecarga do planeta por volume de demanda, mas pela forma de acumulação dos processos produtivos. Na pesca oceânica industrial, por exemplo, 25% é jogado fora, porque não se obtém bom preço no mercado. Do que é produzido no sistema industrial, 25% a 30% perdem-se nas más condições de manuseio, de transporte e estocagem.
O outro eixo é o do consumo. O cidadão paulistano joga 1 quilo de materiais fora por dia. Saquinho de plástico, caixinha de leite. Tem muita energia e matéria-prima embutida aí que simplesmente vai para o lixão.
Assim, Dowbor acredita que há como incluir os 4 bilhões de pessoas, mas dentro de um modelo mais inteligente, que saia do sistema linear (extrai da natureza – transforma na indústria – consome – joga no lixão) para um sistema circular:
– Pega o famoso caso do cara dos tapetes [a empresa Interface] que, até 2020, estará repondo tudo o que extrai da natureza. A Siemens hoje já produz equipamentos em que as peças são montadas de tal maneira que é possível removê-las depois que o aparelho serviu e usá-las em outros produtos.
“Devagar se vai ao longe, mas demora um tempão”
Essa clara exaustão do modelo ocidental de desenvolvimento, amparado nos ideais do Iluminismo, teria dado abertura para uma concepção oriental – de maior conformidade do homem com os limites da natureza, em vez de buscar dominá-la, transformá-la e extrair o máximo dela no menor tempo possível.
Amós Nascimento, professor da Universidade de Washington, em Seattle, especula que isso talvez explique a disseminação de ideias como o FIB, favorecida também pela globalização e pela aproximação comercial entre Ocidente e Oriente, ainda que a China esteja crescentemente aderindo ao modelo de vida norte-americano.
Abramovay, da FEA, acrescenta que esse tipo humano mais-é-sempre-melhor, derivado do Iluminismo, não fez parte da pólis grega, nem da Idade Média, nem do monastério beneditino, nem das sociedades tribais. É, sim, resultado da fase da humanidade em que a celula básica passou a ser o indíviduo.
Isso surge no Renascimento e passa a ser teorizado na Filosofia pelo utilitarista Thomas Hobbes, a partir do seguinte pensamento: Vou viver em sociedade porque pra mim é melhor. E sociedade não passa de um conjunto de átomos que se relacionam de maneira efêmera em um ambiente que é o mercado. Qual é a força desses átomos? O desejo de adquirir. Assim, relaciono-me com os outros a partir desse desejo.
– Nas 24 horas da História da humanidade, esse ideário equivale a poucos minutos e certamente vai desaparecer. Talvez a economia da partilha, com toda essa cultura contemporânea de internet, seja um começo de desaparecimento. Em vez de ser pela estatização, como previa [Karl] Marx, está desaparecendo de outra maneira. A noção de felicidade para Aristóteles é social. A realização máxima do indivíduo está no outro. Na visão moderna, está nele mesmo. O que nos diferencia do grego é que o cidadão grego é um portador de relações com o conjunto da comunidade – diz Abramovay.
O professor acha que a discussão da felicidade sob esse prisma da coletividade torna-se mais interessante. Em vez de bens posicionais – que te dão prazer por se sentir em posição superior ao outro, são efêmeros e levam a uma corrida competitiva –, os bens relacionais estimulam a relação com o coletivo, com o próximo [4].
[4] Leia mais a respeito no capítulo IX do livro Economia Civil – Eficiência, equidade e felicidade pública (Ed. Cidade Nova), de Luigino Bruni e Stefano Zamagni.
Nessa mesma linha, Susan Andrews lembra que Elinor Ostrom ganhou o Prêmio Nobel em Economia em 2009 por mostrar que comunidades podem se auto-organizar cooperativamente para solucionar até mesmo os mais difíceis problemas ambientais comuns. “Precisamos olhar para os lados biológico e social usando a mesma estrutura de referência. Isso é pensamento sistêmico”, diz.
– A questão da felicidade parece então se inscrever na relação: com a natureza, com os outros, consigo mesmo ou até mesmo com o divino – afirma Patrick Paul, professor associado do Département des Sciences de l’Éducation et de la Formation, da Université François-Rabelais de Tours – Num certo sentido, não existe separação entre desenvolvimento sustentável e o olhar que temos sobre nós mesmos. Daí vem o conceito de “desenvolvimento sustentável da pessoa”.
Para Paul, as iniciativas transdisciplinar e transcultural constroem pontes e vínculos entre, através e além das relações entre a natureza e o homem.
“O que não me destrói me fortalece”
Mas não havia como finalizar este texto que não fosse com Luiz Fuganti, arquiteto, professor e escritor, livre de vínculos institucionais, criador de um movimento chamado Escola Nômade de Filosofia.
Diante da pauta felicidade, ele ataca com a história do polvo, citada pelo psicanalista e filósofo Félix Guattari. O animal, que se desenvolvia em água poluída, morreu logo após ser transferido para uma água de mar límpida. Que mensagem tem aí?
– Que buscar felicidade é coisa de gente muito humilde. Não tem nenhuma conquista nisso. Há uma diminuição da vida quando a gente imagina que ela só vive sob condições ideais. É como se a vida fosse incapaz de transformar “o fora” em “dentro”. É como se a gente desqualificasse a natureza, não entendesse o modo dinâmico como ela opera. Aquele ambiente poluído pode ser aproveitado e processado. Eu amo quem se envergonha quando a sorte cai a seu favor. Não importa o que acontece a ele, vira matéria de criação, vira fonte de produção – diz Fuganti.
Essa é uma maneira de trocar em miúdos a concepção de niilismo ativo do filósofo Friedrich Nietzsche, baseada na ideia da transmutação.
– Ou seja, em vez desejar mundos ideais de felicidade e sonhar, você cria valores porque mudou a natureza do seu desejo. Ele passa a ser autossustentável. Se o desejo não for autossustentável, você não terá sustentabilidade de nada. Dessa sustentabilidade, eu nunca ouço falar.
Fuganti usa mais uma parábola:
– O resultado dos dados que eu lancei é necessariamente vencedor. Ah, eu idealizei 6, mas caiu 2? Pois com esse 2 tenho tudo, não me falta nada. Com esse 2 que me lanço de novo. Tenho, a cada momento, um preenchimento pleno de mim mesmo. Se quiser chamar isso de felicidade… mas é tão pouco nomear assim, não acha?
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De perto ninguém é normal, mas a coisa tá feia
Por Ana Cristina d’Angelo
Da cidade ao campo, de crianças a adultos: o diagnóstico corre longe da felicidade
A doença da moda, o mal da civilização ou a herança maldita do século XX – seja qual for o título –, parece estar aumentando a cada ano. Digo parece porque não há estatísticas sobre a incidência da depressão no Brasil. Existe um dado da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontando que entre 20% e 25% da população mundial teve, tem ou terá depressão, e o maior percentual está entre as mulheres.
Valentim Gentil Filho, chefe do departamento de psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, acredita que os hábitos da vida moderna tenham contribuído para aumento da doença. Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, ele disse que menos horas de sono, consumo de álcool e drogas e os estressores da vida urbana, que exigem do cérebro mais do que ele pode, e em tempo integral, sinalizam para o crescimento de doenças psíquicas na população.
Isso não significa que a depressão atinja apenas os moradores das cidades. Quem vive no campo pode conviver melhor com o transtorno ou pode não ter sido notificado. O consenso da área psiquiátrica é que o sistema de saúde não está preparado para lidar com esses males, tanto nos primeiros cuidados como no ponto crucial: um diagnóstico correto.
O presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva, avalia que, mais que a depressão, a preocupação atual é com a epidemia do crack. “Não temos nada quanto à prevenção e as pessoas estão morrendo”, afirma. Outro dado tenebroso é o aumento do número de suicídios em São Paulo, levantamento feito pelo Ministério Público. O número pulou de 581 casos em 2000 para 946 no ano passado, são quase três mortes por dia. O promotor Maurício Lopes acha que “a cidade está matando as pessoas de infelicidade”.
Como se não houvesse como piorar, as próximas gerações começam a dar indícios de sofrimento psíquico. Pesquisa da Associação para o Controle do Estresse (ISMA-BR) feita com crianças de Porto Alegre e São Paulo mostra que os pequenos apresentam dores (60%), distúrbios do sono (36%), diarreia e constipação (28%), enjoos e náuseas (19%) resultantes do excesso de tensão, da desaprovação dos adultos e do excesso de atividades.
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“Dinheiro não é tudo, mas é 100%”
Por Flavio Gut
Queimado de sol e com a aparência de quem acabou de chegar de férias, o zelador Valmásio Araujo Silva nem de longe lembra o homem que, em 1991, teve de mandar o filho mais velho de volta para o Nordeste e a esposa e o filho menor para morar com os irmãos, enquanto vivia perambulando com a mochila nas costas sem residência fixa.
Com uma renda familiar de mais de R$ 4.000, o piauiense de Parnaíba conseguiu este ano realizar um antigo sonho e viajou com a família de carro até sua terra natal. “Foram 12 mil quilômetros de carro, uma viagem sensacional.” O automóvel, para ele, significa “liberdade, independência”.
Já o porteiro e auxiliar de serviços gerais Francisco Araújo Marques, cearense de Martinópole, 38 anos, não quer nem ouvir falar de carro. Mas por opção. Com os R$ 1.800 que ganha poderia facilmente financiar um veículo. Mas prefere andar de bicicleta, sua paixão. “Eu bem que poderia comprar uma moto ou um carro, mas não quero. É muito barulho.” Em casa, Francisco tem o básico para uma pessoa “classe média”. “Poder comprar o que a gente precisa é muito bom. Faz muito bem pra gente.”
Pureza Luna Matos não sabe explicar a razão, mas sente que hoje está mais fácil comprar. “Hoje em dia me sinto uma rainha”, diz. Baiana de Tucano, 41 anos, separada e mãe de três filhos, Pureza autodeclara-se uma pessoa feliz. Depois de trabalhar quase cinco anos como faxineira, foi promovida e hoje é babá de duas crianças, ganhando R$ 1.500. Vive em casa própria de três andares com as duas filhas.
Seguir o mesmo caminho de Pureza e comprar uma casa própria é o que deseja a pernambucana Ana Paula de Souza Sauvador, de 20 anos. Determinada, essa lutadora de tae kwon do que deixou Tupanatinga aos 17 anos para ir de caminhão a São Paulo, guarda R$ 100 por mês na poupança. Começou lavando pratos e hoje comanda mais de 20 pessoas em uma multinacional da indústria de alimentos, onde ganha R$ 1. 400. “Meu sonho de consumo é a casa. Mas a maior felicidade é acordar e saber que estou viva”.
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