por Helena Simões
“Elas pertencem às classes média e média alta, têm nível superior e plano de saúde. Mas, na hora de terem seus bebês, preferem recorrer a casas de parto do SUS (Sistema Único de Saúde) a contar com a megaestrutura oferecida pelos hospitais privados(…)“ Assim começa um caderno especial da Folha do dia 6 de outubro de 2005 sobre casas de parto que li quando estava no sexto mês de gestação. O artigo trazia o seguinte título: “Grávidas buscam as casas de parto como alternativa aos hospitais“.
Depois de ler atentamente a matéria, fiquei fascinada e comecei uma pesquisa pela internet. Encontrei um site sobre casas de parto no mundo e finalmente a Casa de Maria, em São Paulo, cidade na qual resido. Foi lá que nasceu minha filha Isis, no dia 2 de fevereiro de 2006.
Antes de entrar em contato com o serviço da Casa, fiz o acompanhamento do pré-natal com um médico do meu convênio. Ainda no início da gestação, me deparei com a primeira dificuldade: não queria analgesia, o que logo provocou desconforto na relação entre mim e meu médico . Além disso, no decorrer da gestação, percebi que, com grande probabilidade, sofreria uma intervenção cirúrgica, a tão popular cesariana, em nome da minha segurança e do bebê. Estava apavorada com a idéia de ser operada sem motivo, ou pelo simples fato do médico talvez estar com pressa e por isso inventar um pretexto para fazer a cesária. Como iria argumentar com um especialista da saúde, caso isso ocorresse?
Sabe-se que 80 % dos partos feitos por médicos dos seguros de saúde são cesárias, número vergonhoso para as estatísticas de saúde no Brasil. O fato é que, em nome da segurança da mulher e da criança, os médicos querem economizar tempo para realizar mais de dois partos por dia, ganhando mais das seguradoras, aumentando o tempo em suas clínicas com horas lotadas.
Esses médicos contam ainda com uma cultura do medo do parto natural por causa da dor, que leva as mulheres a preferirem escapar de um suposto sofrimento, sem considerar a dolorosa recuperação que envolve uma cesária, além de seus riscos. Lembremos também que, numa sociedade consumista como a nossa, as coisas devem acontecer rápido, como se o nascimento do filho fosse um produto de pronta entrega, que não deve ter atrasos nem contratempos.
Procuramos outros médicos do seguro e percebemos que com todos eles o problema seria o mesmo. Cheguei a ouvir de um obstetra credenciado a confirmação de que os médicos não abrem mão dos procedimentos tradicionais, como episiotomia, analgesia, indução do parto, e mesmo a cesariana, com a finalidade de reduzir o tempo de trabalho de parto, ou mesmo por não saberem como proceder sem intervencionismo. Para nós só havia duas alternativas para garantir que meu direito de ter um parto normal seria respeitado: ou eu pagava um super médico e um parto de alguns mil reais, ou ia a uma casa de parto.
Sem todo esse dinheiro, resolvemos, meu marido e eu, desafiar a tradição dos médicos, dos seguros e das maternidades tão procuradas pela classe média em São Paulo e recorrermos a uma casa de parto.
Optamos pela casa de parto Casa de Maria, no Itaim Paulista, e não a casa de Sapopemba, também em São Paulo, por considerar aquela mais segura, uma vez que se localiza numa construção anexa ao Hospital e Maternidade Santa Marcelina. Em caso de emergência, a parturiente é transferida para o hospital em menos de três minutos, para receber os cuidados médicos necessários. O Hospital recebe repasse de verba do Estado para garantir atendimento gratuito de qualidade à população que utiliza o Sistema Único de Saúde (SUS).
A Casa de Maria existe desde março de 2002 e já ganhou diversos prêmios pelo seu projeto de parto humanizado. Ela é linda, limpa e os quartos de parto contam com toda a infra-estrutura necessária para que tudo ocorra da melhor forma para a parturiente e para o recém-nascido. A Casa tem uma equipe muito qualificada de enfermeiras obstetras (com formação superior) que durante o trabalho de parto monitoram continuamente os batimentos cardíacos do bebê e a cor do líquido amniótico, de modo a garantir que não haja riscos para a criança, mesmo num trabalho de parto prolongado.
Naturalmente, nossa decisão encontrou resistência na minha família, pois como eu poderia trocar maternidades como a Promatre ou o Santa Catarina por um serviço do SUS na periferia da cidade? Foi difícil convencê-los, mas finalmente consegui o apoio de minha mãe, que inclusive nos levou até lá quando começaram os primeiros sinais.
Na tarde em que se iniciaram as contrações, segui minha intuição e acreditei que tudo ia dar certo. Entrei na Casa de Maria, no dia 1 de fevereiro de 2006 às 20:00 horas. Estava com contrações irregulares e sem dilatação. Mas mesmo assim, a obstetriz de plantão permitiu que eu ficasse num dos quartos de parto, tendo em vista a grande distância de minha residência e conseqüentemente a dificuldade de retornar, caso o trabalho de parto evoluísse rapidamente. Assim permaneci na Casa, utilizando todos os equipamentos como a banheira de hidromassagem, a bola, a barra etc, para ver se a dilatação evoluía. De fato, mais ou menos às 5 da manhã, a dilatação chegara a cinco e estacionou em seis até às 9 horas. Foi então que a enfermeira rompeu a bolsa para acelerar as contrações, na expectativa de que a dilatação presseguisse. Ela confidenciou à minha mãe, que estava acompanhando o trabalho de parto juntamente com meu marido, que no caso de a dilatação não progredir nas 2 horas seguintes, ela me encaminharia ao hospital.
Felizmente, o rompimento da bolsa provocou o aumento das contrações e a conclusão da dilatação por volta das 12 horas.
No momento da expulsão, a obstetriz deixou a meu critério fazer ou não a episiotomia, com a ressalva de que ela o faria, se considerasse necessário.
Eu estava exausta, pois não tinha dormido nada e as dores me deixaram muito fraca. Com o apoio da equipe da Casa, do meu marido e de minha mãe, que ficaram firmes ao meu lado me ajudando a manter o controle, dei à luz a Isis às 13:37, sem cortes, sem rasgos, sem qualquer intervenção cirúrgica ou analgesia, sem exageros antissépticos, num ambiente muito aconchegante.
Após o parto, meu marido cortou o cordão umbilical, e minha filha recebeu imediatos cuidados, permanecendo por alguns minutos num berço aquecido ao meu lado, enquanto a obstetriz procedia ao parto da placenta. Ela foi examinada, pesada e medida. Depois que a placenta saiu e que eu devorei um prato de comida, Isis foi colocada nos meus braços e começou imediatamente a sugar o leite. Nasceu sabendo direitinho o que ela deveria fazer nos seus primeiros momentos de vida. Também foi o pai que depois deu o primeiro banho e vestiu nossa bebê. Ele teve o seu direito de presenciar o nascimento da nossa filha respeitado, sem pagar um tostão. Ao contrário disso, nos hospitais particulares, pais são obrigados a pagar para assistir ao parto de seus próprios filhos!
Fiquei na Casa de Parto apenas 24 horas, junto com minha filha, em um quarto coletivo com cinco leitos. Porém não precisei compartilhá-lo com ninguém, uma vez que só havia mais uma parturiente na casa, que foi alojada no outro quarto. Recebi assistência integral da equipe e orientação para a amamentação. Tudo com paciência e tempo. Uma semana depois eu estava perfeitamente recuperada, pronta para o próximo filho.
Com meu médico, provavelmente eu teria sido encaminhada para a cesária, considerando minha idade, a demora na dilatação, talvez o tamanho do bebê, que nasceu com 3,560Kg, e ainda uma voltinha do cordão umbilical no pescoço, problema resolvido pela obstetriz com muita rapidez e eficiência.
Enfrentamos agora o preconceito dos pediatras em relação à nossa escolha, embora Isis seja uma bebê linda e muito saudável (mas isso é um outro capítulo).
A experiência pela qual passamos foi muito emocionante! Sem dúvida um sentimento único na vida de uma mulher. Agradeço muito à Casa e às mulheres maravilhosas que dão literalmente uma mãozinha à grande mãe, responsável pelo nascimento de todas as espécies: a natureza.
*Texto escrito no dia 04/02/2006, dois dias após o nascimento da minha primeira filha e mandado para amigos por email
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