16 de mar. de 2011

"Inside Job", documentário imperdível

Comentário: este é o conto que desregulamentou a economia brasileira para os financistas. Comprovou-se que estes ideólogos de mercado livre tinha interesses relevantes na financeirização da economia de países emergentes e do aumento da dívida em países ditos de primeiro mundo. E ainda tem gente que defende as decisões economicas da década de 1990.

por Luiz Gonzaga Belluzzo no Valor Econômico

O sempre instigante Eu& Fim de Semana publicado nas edições de sexta-feira 
do Valor, ofereceu a seus leitores uma entrevista do economista Lawrence Summers. 
Summers, entre outras proezas, ficou conhecido por declarações polêmicas. 
Recomendou o incentivo à deslocalização de indústrias poluidoras para os países da 
periferia. Reitor de Harvard, Summers decretou a incapacidade da inteligência feminina 
em lidar com as complexidades das "hard sciences".

Observei Summers no café do pavilhão onde se realizava a reunião do Fórum 
Mundial Davos, em 1993. Entre um gole de café e outro, Summers iniciou um sermão 
aos circunstantes sobre políticas econômicas nos países em desenvolvimento. As lições 
de Summers sucederam uma tertúlia sobre a economia mexicana que, segundo os 
participantes da mesa, navegava de velas enfunadas rumo à prosperidade. Não faltaram 
reverências e salamaleques ao então presidente Salinas de Gortari e a seu ministro da 
Fazenda, Pedro Aspe. 

Sentados na plateia, o professor Carlos Antonio Rocca e este locutor que vos 
fala, entre estarrecidos e irritados, ouvíamos os julgamentos peremptórios que fluiam do 
debate entre os sabidos da academia e financistas mais sabidos ainda. As opiniões iam 
da celebração incondicional do modelo mexicano às referências derrisórias ao Brasil. 
Digo estarrecidos porque, naquele momento, o México apresentava um déficit em 
transações correntes de 8% do Produto Interno Bruto (PIB), déficit fiscal elevado e a 
dolarização galopante de sua dívida interna, infestestada de Tesobonos. 
Em dezembro de 1994, o México quebrou vítima de uma "parada súbita" e só 

sobreviveu com o socorro do Tesouro Americano e do Fundo Monetário Internacional 
(FMI), providência destinada a salvar os bancos de Tio Sam. Summers, então 
subsecretário do Tesouro de Clinton capitaneou a operação de salvamento. 
Não havia como escapar da impressão de que Summers era encarnação mais 
acabada do personagem de Molière, o "idiot savant", cheio de si, como tantos outros 
que se abrigam sob o manto hoje prestigioso dos estudos da economia. (Evito a 
expressão ciência econômica para evitar que o ego já inflado dos sabichões sofra um 
processo fatal de inchaço e implosão).

Pois Summers é um dos personagens centrais do imperdível documentário 
"Inside Job" de Charles Ferguson que, na madrugada de ontem, levou o Oscar na sua 
categoria. O título do filme foi traduzido para o português como "Trabalhos Internos" -
é lamentável a falta de imaginação do tradutor, que provavelmente não viu o filme. 
"Inside Job" é uma expressão idiomática. Um amigo, mais versado do que eu no idioma 
de Shakespeare, sugeriu "Trabalhos Promíscuos". 


O documentário mostra que Summers faturou uma nota preta ao ministrar 
palestras remuneradas pelos senhores do Universo sobre as maravilhas da 
desregulamentação financeira. Entre suas idas e vindas ao governo, dedicava-se a 
assessorar instituições financeiras mediante farta remuneração. Não sei se ele está no rol 
de 19 economistas investigados no estudo do seu colega Gerald Epstein, da
Universidade de Massachusetts Amherst. 
O estudo trata do conflito de interesses entre a atividade acadêmica, a ocupação 
de funções no Estado e as atividades de consultoria, quando os personagens não 
advertem a opinião pública a respeito de suas ocupações e pertinências. Essa confusão 
de papéis está gerando um movimento entre os economistas americanos para a adoção 
de um código de ética.
Não se trata de limitar as atividades profissionais dos economistas, mas sim de 
tornar claro ao público que as opiniões  podem estar viciadas e deformadas pela 
infiltração de interesses estranhos à independência acadêmica e à função pública.
Enquanto secretário do Tesouro de Clinton, Lawrence Summers trabalhou 
intensamente para a aprovação no Congresso dos Estados Unidos do  Gramm-LeachBliley Act. Essa lei derrotou a legislação dos anos 1930, o Glass-Steagal Act, que 
separava os bancos de depósito, os bancos de investimento, seguradoras e instituições 
voltadas para o financiamento imobiliário e "fundeadas" na poupança das famílias. 
Há uma livre e brutal concorrência. A expressão grande demais para falir 
esconde mais do que revela
Os mercados financeiros contemporâneos lograram capturar os controles da 
economia e do Estado, mediante o incrível aumento do seu poder social e  político. As 
transformações ocorridas no sistema financeiro desataram a livre e brutal concorrência 
no capitalismo da grande empresa e das grandes instituições financeiras. 

A expressão grande demais para falir esconde mais do que revela. Nos últimos 
anos, a securitização e a alavancagem construíram uma teia de relações de débito e 
crédito entre as grandes instituições espalhadas pelo mundo. Os bancos de investimento 
e os demais bancos sombra aproximaram-se das funções monetárias dos bancos 
comerciais, abastecendo seus passivos nos "mercados atacadistas de dinheiro" 
("wholesale money markets"), amparados nas aplicações de curto prazo de empresas e 
famílias. Não por acaso, a dívida intrafinanceira como proporção do PIB americano 
cresceu mais rapidamente do que o endividamento das famílias e das empresas. Esse 
fenômeno corresponde ao controle da riqueza social pelas instituições privadas, o que 
torna impossível a omissão dos bancos centrais quando um elo da cadeia se rompe. 
O depoimento mais constrangedor, entre tantos de "Inside Job", é prestado pelo 
economista Frederick Mishkin. Ex-membro do Federal Reserve, Mishkin não consegue 
explicar porque às vésperas do colapso dos bancos da Islândia produziu um relatório 
que assegurava a estabilidade do sistema financeiro do país, mediante o estipêndio de 
US$ 124 mil. 

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do 
Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp

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