6 de out. de 2010

Ofender-se para não debater

Do blog do Alon

Quando a Igreja defendia os perseguidos políticos na ditadura, o pessoal hoje no poder achava muito natural os religiosos terem militância

Se o partido que abraça determinada bandeira tem o direito de faturar politicamente a partir dela, por que não estender o mesmo direito a quem não concorda com a proposta?

O PT capitalizou alto em círculos socialmente progressistas quando tentou bancar a ferro e fogo o Programa Nacional de Direitos Humanos, na sua terceira versão (PNDH 3). O texto nasceu de uma conferência nacional. Depois de muita negociação interna no governo, foi mexido e virou decreto presidencial.

Com isso, o partido e Luiz Inácio Lula da Silva aproximaram-se ainda mais de quem defende a legalização do aborto, o controle social sobre os veículos de comunicação e mecanismos jurídicos mais favoráveis à rapidez na reforma agrária. Certamente ganharam votos nos grupos que concordam com o conteúdo do PNDH 3 e com o espírito deste.

Mas o PT ofende-se quando os contrários à visão de mundo embutida no PNDH 3 e às iniciativas decorrentes do programa se mobilizam e procuram convencer o eleitorado a votar contra o PT.

As iniciativas do PT são sempre “positivas” e “propositivas”, ainda que circunstancialmente precisem ser engavetadas por causa das condições desfavoráveis. Já os movimentos em oposição às propostas do PT são sempre “negativos”.

Menos. Assim como é legítimo o PT buscar votos nos movimentos feministas comprometidos com a defesa do aborto legal, é perfeitamente democrático grupos religiosos proporem que o eleitor deixe de votar no PT por causa disso.

A maneira não agrada? Que os magoados -vale para ambos os lados- busquem reparação judicial. Não dá é o PT, ou qualquer outra legenda, achar que vai introduzir e retirar assuntos da pauta unicamente a partir das conveniências eleitorais.

O eleitor não dá muita importância para as opiniões e preferências pessoais dos candidatos sobre temas comportamentais. Ninguém ganha nem perde eleição por causa disso. Temas só adquirem densidade política quando o debate aponta para ações efetivas.

A questão não é o que os candidatos “pensam sobre”, é o que farão se eleitos. Por isso todo debate é bom, e não deve haver temas interditados.

O PT lá atrás foi vanguarda para desbloquear a discussão de pontos como a união civil homossexual, a legalização do uso das drogas e a ampliação irrestrita do direito ao aborto legal.

Agora, como a polêmica não parece adequada aos propósitos imediatos, trata de interditar a suposta “baixaria”, a pretexto de “elevar o nível” na eleição.

A vida é mais simples do que isso. O PT deseja fazer avançar, num eventual novo governo, as propostas do PNDH 3? Que defenda abertamente e peça votos com isso. O PT acha que não é o caso de implementá-las? Então assuma publicamente o compromisso de mandar o calhamaço ao arquivo pelos próximos quatro anos.

No grito é que não vai levar. Nem na base da cara feia ou de se fazer de ofendido. Vai precisar assumir compromissos e entender que o poder tem limites. Por forte que o PT possa ser hoje, a Igreja Católica carrega mais de 2 mil anos na estrada e já enfrentou gente bem mais poderosa do que Lula e os aliados dele.

Sem falar nas igrejas evangélicas. Aqui, um aspecto especialmente triste. Como a turma não tem coragem de bater de frente com o pessoal do Papa, preferem investir contra os evangélicos.

Afinal, esta nação foi inaugurada com uma missa católica.

Apesar disso, não lembro de outra ocasião em que padres e pastores tivessem alcançado este grau de unidade, pelo menos desde que ambas as categorias ajudavam a combater a ditadura.

E, a propósito, quando as igrejas cristãs defendiam os perseguidos políticos na ditadura, o pessoal hoje no poder achava muito natural os religiosos terem militância política.

Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta quarta (06) no Correio Braziliense.

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