28 de out. de 2010

Ficha Limpa em pleno vigor. Com grosserias, Gilmar Mendes tirou presidente do TSE do sério e agrediu a sociedade e o Parlamento


Comentário: a frase de Gilmar Mendes "O povo não é soberano nas democracias constitucionais" explica a sua nomeação por um partido que cada vez mais flerta com a extrema direita.
Wálter Fanganiello Maierovitch no Terra Magazine
O Supremo Tribunal Federal (STF), depois de horas de hesitações e intermináveis citações de julgados e de doutrinadores, vivos e mortos, nacionais e estrangeiros, voltou a surpreender.
Todos imaginavam que a questão central, no julgamento de ontem e referente ao recurso extraordinário ajuizado por Jader Barbalho, seria a escolha de um critério para o desempate da votação.
Afinal, no caso Joaquim Roriz, os ministros discutiram à exaustão se a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135, de 7 de junho de 2010) deveria ou não ser aplicada nas eleições de 2010. Na ocasião, o STF ficou dividido, ou seja, a votação restou empatada com cinco votos para cada lado.
Na sessão de ontem, estava na cara que ocorreria novo empate sobre a imediata aplicação da Lei da Ficha Limpa.
Como desempatar? Isso era o que mais importava aos cidadãos brasileiros e aos pendurados fichas sujas. Aqueles cujos registros das candidaturas foram indeferidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com votos para se eleger ou ocupar uma suplência, eles diziam não saber o que fazer da vida. Poderiam, até, entender em deixar o país. Lógico, com exceção a Paulo Maluf, que, se sair do Brasil, será preso por força de mandado internacional de captura.

Os ministros que anteriormente (caso Roriz) votaram pela imediata aplicação da Lei da Ficha Limpa foram comedidos nas exposições dos seus votos.
O relator, ministro Joaquim Barbosa, proferiu voto sintético e os que o acompanharam declararam que mantinham o entendimento já exposto no julgamento do caso Roriz e, por escrito, juntavam aos autos as várias laudas dos ilustrados votos.
Igual proceder não adotaram os ministros que divergiram dos ministros Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Ellen Gracie, Ricardo Lewandovsky e Carmem Lúcia. Ou melhor, aqueles mesmos ministros que, no caso Roriz, já haviam entendido, em demoradas explanações, que a lei complementar só se aplicaria depois de um ano da sua publicação e não poderia retroagir.
Durantes horas, os ministros, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello, repetiram anteriores pronunciamentos. Marco Aurélio, que também é juiz no Tribunal Superior Eleitoral e lá foi o único voto vencido sobre a questão da aplicação da Lei de Ficha Limpa, não poupou ninguém da repetição.
Gilmar Mendes, além de repetir as teses já conhecidas, incorporou o papel de tribuno. Cadenciou a voz e, no entusiasmo, ultrapassou o sinal e atacou a iniciativa popular geradora da lei e os parlamentares que a adequaram e a aprovaram.
“Sandice e desatino”, e disso Gimar Mendes conhece de cátedra, foram termos definidores por ele do móvel dos iniciadores e aprovadores do texto legal da “ficha limpa”.
O moralismo, disse Gilmar Mendes, pode conduzir ao fascismo. E a lei, casuística e oportunista, restou feita apenas para solucionar situação no Distrito Federal, disse Gilmar Mendes.
De toda a sua exposição, deve-se louvar o acerto de uma sua assertiva: “Não há limites para o absurdo”. Essa conclusão, encontrável pintada em algumas traseiras de caminhões, veio na sequência de uma pérola, de fazer tremer constitucionalistas nas sepulturas: “O povo não é soberano nas democracias constitucionais”. Depois dessa de Gilmar, fui conferir se democracia ainda era palavra grega, cujo étimo significa povo e poder.
Com efeito. Às 19h30 os ministros chegaram à conclusão de que o empate por cinco votos tinha novamente acontecido.
Até aí, Jader Barbalho, o espertalhão que havia renunciado ao mandato popular para evitar a cassação e a perda dos direitos políticos, não podia afirmar surpresa. Aliás, nem Paulo Maluf nem o paraense Paulo Rocha, as novas bolas da vez, no STF.
Alguns ministros, como Mendes, Marco Aurélio e Toffoli, aquele que foi reprovado em concurso para ingresso na magistratura estadual e serviu para o STF, entendiam que a sessão deveria ser suspensa. E o desempate, após o preenchimento da vaga aberta com a aposentadoria do ministro Eros Graus, de triste memória.
Com a reação dos demais, o presidente Cezar Peluso resolveu colocar em votação se o julgamento deveria continuar e findar naquela mesma sessão plenária. Novamente deu-se a intervenção de Gilmar Mendes e a entonação à Cícero só foi trocada pela gagueira, quando levou um tranco do ministro Ricardo Lewandovsky. Por maioria de votos, os ministros entenderam em continuar e encontrar uma solução.
Para irritação de Gilmar, Marco Aurélio e Toffoli, venceu o critério de desempate apresentado pelo ministro Celso de Mello. Uma analogia a dispositivo contido no Regimento Interno do STF. Critério expresso para solução de empate, quando em julgamento ações de inconstitucionalidade: no empate, prevalece a constitucionalidade da lei atacada.  Por analogia, entendeu-se que a Lei da Ficha Limpa teria aplicação imediata e retroativa, pois era constitucional.
Não faltou nem apagão na sessão. Às 21 horas, as transmissões de imagens e sons do STF foram interrompidas. Era o horário político obrigatório. Os telespectadores, infelizmente, ficaram sem o final da fala de Gilmar Mendes.
O presidente Peluso acompanhou, depois de justificativa louvável, o ministro decano, Celso de Mello.
PANO RÁPIDO. As duas teses sobre a aplicabilidade ou não da Lei da Ficha Limpa eram respeitáveis e bem fundadas.
Agora, a repetição ninguém aguentava. E a tentativa de não se chegar a uma decisão final levaria, caso vingasse, o STF ao descrédito. Disso não se deram conta Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Toffoli.
Depois de tudo, a sociedade saiu vitoriosa e pode gritar: Bye-bye, Jader, Maluf e demais fichas sujas.
Wálter Fanganiello Maierovitch

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