11 de jun. de 2011

Libertação de Cezar Battisti

Começo a ler previsíveis declarações de repúdio e alarme diante da libertação de Cesare Battisti, após decisão do Supremo Tribunal Federal.
Confesso que ficaria mais confortável se essas mesmas vozes tivessem se levantado com igual veemencia quando o Brasil recusou-se a extraditar um carrasco nazista conhecido como o “Monstro de Sobibor”.
Também gostaria de ter ouvido condenações mais firmes diante da permanencia do ditador Alfredo Stroessner em nosso país para fugir da justiça do Paraguai.
Não deixa de ser irônico, por outro lado, que os protestos contra a libertação de Cesare Battisti tenham dado uma rara oportunidade ao primeiro-ministro italiano Sylvio Berlusconi aparecer em todas as TVs para falar de um assunto um pouco mais sério, digamos assim.
Eu já estava me acostumando com a idéia de que o chefe de governo da Italia só sabia falar de corrupção, prostitutas e bunga-bunga, o que me deixava deprimido ao lembrar da riqueza da cultura italiana, de meus antepassados que vieram da Bota…
Confesso que nunca admirei ações terroristas — e os atos pelos quais Battisti foi condenado, corretamente ou não, se incluem nessa categoria. Uma coisa são ações armadas, de guerrilha. Outra são ações que envolvem a morte de inocentes, criando um ambiente de incerteza e insegurança que só prejudica as democracias e dão legitimidade a medidas de força.

Alguém tem dúvidas sobre quem foi o maior beneficário do maior ato terrorista da história, que foi o ataque de 11 de setembro? Quem acumulou forças? Quem pagou a conta?
Não por acaso, o apogeu do terror na Italia dos anos 70 envolveu um conflito entre organizações de esquerda e grupos de extrema-direita. O maior atentado de todos, em Bolonha, foi obra da extrema-direita. No fim das contas, sempre se soube quem iria vencer e jamais se eliminou, por completo, a suspeita de que boa parte dos
atentados terroristas de esquerda tivessem sido forjados nas entranhas da máquina policial do governo italiano, dominada pela CIA e outros serviços de espionagem.
Minha crítica ao terror envolve sua concepção política, uma forma armada de arrogancia de quem se coloca acima da população e acima da lei, para cometer atos de violência em nome de uma causa que só ele compreende e apoia.
Deixando as boas e más intenções de lado, há um espírito narcisista e antidemocrático nessa atividade, alimentada por uma visão que despreza a consciencia do cidadão comum e a vontade popular.
Um aspecto nem de longe secundário é que as ações terroristas só podem ser concebidas a partir de uma visão de quem manipula o bem mais precioso que a natureza ofereceu a cada pessoa, que é a vida humana, única e insubstituível.
Mas a decisão de autorizar Battisti a permanecer no Brasil tem uma legitimidade que vai além de suas idéias e de seus atos. Envolve a nossa democracia.
Como tantos casos extremos, um caso como este não permite uma só resposta, muito menos de caráter científico. Pressupõe a divergencia e o conflito de opinião.
Um regime democrático não pretende oferecer, sempre, a resposta técnicamente mais correta para os problemas que dividem a sociedade. Seu compromisso envolve a representação política, o mandato popular — e isso implica em aceitar que, vez por outra, ou até muito mais vezes do que outras, sejamos obrigados a conviver com  decisões com as quais nem todos estão de acordo.
Vamos combinar: quem acredita que existem respostas tecnicamente adequadas para todas as questões são tecnocratas, partidários de um regime de sábios que, com muito boa vontade, podemos definir como uma ditadura para quem tem diploma em pós-graduação.
Eu acredito na democracia e acho que, cedo ou tarde, ela é o melhor caminho para uma população atingir um melhor padrão de bem estar e desfazer injustiças da história.
Não preciso concordar com as idéias de Battisti para aceitar sua permanencia no país. A decisão se baseia nas convicções de um presidente eleito duas vezes.  Sua legitimidade foi referendada pelo Supremo por 6 votos a 3.
Podemos até acreditar que se o Brasil outro presidente, também eleito, é muito possível que a decisão fosse diferente. Quem sabe. Battisti viveu em liberdade na França do socialista François Mitterrand. Foi preso quando o conservador Jaques Chirac ganhou a eleição.  Ninguém se sentiu inseguro por causa disso.
Assegurar a permanencia de Alfredo Stroessner no Brasil pode ter sido uma decisão correta, ou não. Isso muda conforme várias considerações, inclusive de natureza política. Mas não foi legítima. Sua base foi uma decisão de uma ditadura militar, que prestava serviços a um aliado do outro lado da fronteira.
Essa diferença faz todas as diferenças.

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