30 de jun. de 2011

A Alemanha e as lembranças da 2ª Guerra


Do blog quem torturou

Alemães se esforçam para não deixar o mais sangrento conflito do século 20 cair no esquecimento, especialmente para a nova geração que não viveu o Holocausto

29 de junho de 2011 | 0h 00
Alan Cowell, The International Herald Tribune – O Estado de S.Paulo
Caminhando pelas calçadas de Berlim, observamos pequenas placas quadradas de latão colocadas na pedra, cuja finalidade é lembrar tragédias do passado. Aqui, por exemplo, na Niebuhrstrasse 3, duas placas, lado a lado, relembram um casal que viveu ali. Seu destino é narrado em poucas palavras: Siegfried Schloss, nascido em 1868, e Valeska Schloss, “nascida Spiegel”, em 1881, deportados para Lodz em 1941, “assassinados”, ela em dezembro daquele ano, ele no dia de Ano Novo de 1942.
Um pouco mais longe, no número 66, nove placas lembram outras deportações, quando Adolf Hitler levou a cabo sua solução final, quatro da mesma família Wolff. Aqui e ali, essas pequenas lembranças contam historias dispersas cujas lacunas fazem evocar as piores imagens e traçam os cruéis deslocamentos da capital alemã para Theresienstadt, Riga, Minsk ou Auschwitz.
Desde que começou a colocar essas placas, como um tipo de instalação, em 1993, o artista alemão Gunter Demnig, de 64 anos, diz que já instalou 30 mil em muitos lugares da Europa. Delas, disse Petra Fritsche, que trabalha com ele, 10 mil foram colocadas em Berlim desde 2000.
Demnig cobra US$ 138 por placa e tem uma lista de espera de dois anos de moradores ou descendentes dos mortos que querem instalá-las. A maneira como seu trabalho se propagou é mostra como o passado ainda vive na Alemanha mais do que em qualquer outro lugar da Europa, inspirado especialmente pelo Holocausto.

No entanto, na semana passada, um outro evento se incorporou às lembranças do período, sugerindo que alguns alemães sentem que a memória nacional ficou seletiva, que as novas gerações se distanciam cada vez mais de sua história. Na quarta-feira, jornais e TVs lembraram o 70.º aniversário da invasão da União Soviética pelas divisões do Exército alemão, denominada de Operação Barbarossa, nome do imperador Frederico I.
“Após longas discussões, a Alemanha construiu ou projetou monumentos em memória dos judeus perseguidos e assassinados, dos homossexuais, dos sinti (um dos três grupos de origem cigana) e dos roma”, diz o comunicado de uma aliança de grupos de defesa dos direitos humanos, na semana passada. Há, porém, uma enorme lacuna na memória pública dos crimes nazistas relacionados às campanhas de Hitler no Leste da Europa, especialmente nos territórios ocupados durante a Operação Barbarossa.
“Embora a perseguição de civis, sobretudo os milhões de assassinados entre a população e prisioneiros de guerra na Europa Oriental ocupada terem sido parte central do domínio nazista, as vítimas, até hoje, não tiveram seu lugar correspondente na memória germânica”, afirmou o grupo, que levantou uma questão incômoda. Essa reivindicação pode ter sido relativizada?
Por coincidência, o aniversário da invasão de 1941 ocorreu alguns dias antes de o Bundeswehr, o Exército alemão atual, formalmente acabar com o serviço militar obrigatório que sustentou suas fileiras durante décadas. Em seu lugar, eles querem criar uma força profissional formada por voluntários.
Os dois eventos sugerem algo muito claro: o militarismo germânico, inspirado pelo modelo dos generais prussianos, como Carl von Clausewitz, deu lugar a uma noção moderna do que se espera de um Exército. No entanto, a justaposição é mais tênue. Entre muitas outras conclusões, Clausewitz postulava que a guerra era a política levada a cabo por outros meios. E isso foi realmente aplicado em 1941, quando Hitler enviou seu Exército para o leste, na busca condenada pelo espaço vital, por mais território para sua raça ariana.
Novos tempos. No pós-guerra, ao contrário, o Exército representou a política por outros meios: com um Exército cidadão, recrutado entre a população, a Alemanha Ocidental, depois a Alemanha reunificada, quis se assegurar de que os militares nunca mais escapariam do controle democrático. É essa a lição a ser tirada dos eventos que lembram a Operação Barbarossa, que deu início a anos de banho de sangue.
Rejeitando um pacto de não agressão firmado com Stalin em 1939, quando a Alemanha preparava-se para invadir a Polônia, Hitler planejou a Operação Barbarossa como uma guerra relâmpago para derrotar o Exército Vermelho. Em vez disso, o conflito durou de junho de 1941 até a queda de Berlim, em maio de 1945.
Ela ainda é considerada a guerra mais sangrenta da história da humanidade, chegando a níveis sem precedentes de brutalidade. De acordo com os russos, as mortes do lado soviético chegaram a 26,6 milhões – a metade era de civis ou prisioneiros de guerra -, enquanto as forças alemãs perderam mais de 2,7 milhões de soldados.
Mas, quando jornalistas de uma emissora de rádio de Berlim entrevistaram um grupo de estudantes de 15 anos de idade, questionando se sabiam da Operação Barborossa, as respostas eram “não sei” ou “isso não significa nada para mim”. Claro que é questionável se os adolescentes americanos veriam alguma relevância, nos dias de hoje, no ataque japonês a Pearl Harbor, em 1941, ou se os jovens britânicos tirariam alguma inspiração da retirada de Dunquerque, em 1940. Lembrar, porém, é sempre mais fácil para os vitoriosos e os alemães carregam a sua história como um peso, não como glória. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
É JORNALISTA DO “NEW YORK TIMES”
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110629/not_imp738324,0.php

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