28 de nov. de 2010

A polícia e os limites da atividade

Por Leonardo Sakamoto

Um colega de um grande veículo de comunicação me perguntou, na manhã de hoje, qual minha posição sobre uma discussão que ganhou algumas redações: por que a polícia não metralhou os 200 traficantes da Vila Cruzeiro quando estes corriam em fuga após a entrada dos blindados da Marinha na comunidade. Segundo ele, parte das opiniões culpou a “turma dos direitos humanos”, que iria chiar internacionalmente quando a contagem de corpos terminasse, manchando a imagem do Rio de Janeiro (como se o Estado precisasse de ajuda para isso). Outra acredita que as câmeras presentes nos helicópteros da Globo e da Record que sobrevoavam a área – e foram alvo de reclamações do Bope pelo twitter (ah, esse admirável mundo novo…) – impediram um massacre. Uma terceira falou das duas ao mesmo tempo.

De qualquer maneira, o problema em questão não é de que o “Estado não pode usar método de bandido sob o risco de se tornar aquilo que combate”, mas sim de que “droga, tem alguém olhando”. Muita gente torceu para que os criminosos em fuga fossem executados sumariamente. Ao mesmo tempo, parte da imprensa (e não estou falando dos programas sensacionalistas espreme-que-sai-sangue) parece vibrar a cada pessoa abatida na periferia, independentemente quem quer que seja. Jornalistas, cuja opinião respeito, optaram pela saída fácil do “isso é guerra e, na guerra, abre-se exceções aos direitos civis”, tudo em defesa de uma breve e discutível sensação de segurança. Afe.
Relembrar é viver: as batalhas do tráfico sempre aconteceram longe dos olhos da classe média e da mídia, uma vez que a imensa maioria dos corpos contabilizados sempre é de jovens, pardos, negros, pobres, que se matam na conquista de territórios para venda de drogas ou pelas leis do tráfico. Os mais ricos sentem a violência, mas o que chega neles não é nem de perto o que os mais pobres são obrigados a viver no dia-a-dia. Mesmo no pau que está comendo hoje no Rio, sabemos que a maioria dos mortos não é de rico da orla, da Lagoa, da Barra ou do Cosme Velho. Considerando que policiais, comunidade e traficantes são de uma mesma origem social, é uma batalha interna. Então, que morram, como disseram alguns leitores esquisitos que, de vez em quando, surgem neste blog feito encosto.
De tempos em tempos, essa violência causada pelo tráfico retorna com força ao noticiário, normalmente no momento em que ela desce o morro ou foge da periferia e no, decorrente, contra-ataque. Neste momento, alguns aproveitam a deixa para pedir a implantação de processos de “limpeza social”. Já bloqueei comentários que, praticamente, pediam que os moradores de favelas fossem retirados do Rio.
Quando a atual onda de violência acabar, gostaria que fossem tornados públicos os exames dos legistas. Afinal de contas, acertar um tiro na nuca de um suspeito no meio de um confronto armado demanda muita precisão do policial – e depois registrar o ocorrido como auto de resistência demanda criatividade. Em 2007, a polícia chegou chegando nos morros, cometendo barbaridades, sem diferenciar moradores e traficantes, sem perguntar quem era quem. Duas dezenas de pessoas morreram. Naquele momento, o Rio optou pelo caminho mais fácil do terrorismo de Estado ao invés de buscar mudanças estruturais (como garantir qualidade de vida à população para além de força policial dia e noite) para viabilizar os Jogos Panamericanos. Imagina agora com a Copa e as Olimpíadas então. Dose dupla.
Ninguém está defendendo o tráfico, muito menos traficantes (defendo a descriminalização das drogas como parte do processo de enfraquecimento dos traficantes, mas isso é história para outro post). O que está em jogo aqui é que tipo de Estado queremos e o tipo de sociedade que estamos nos tornando. Muitas das ações que estão ocorrendo vão criar uma sensação de segurança na população passageira e irreal, que vai durar até a próxima crise.

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