6 de nov. de 2010

Lula e Dilma

Da Folha

Por Kennedy Alencar

Principal personagem da última campanha presidencial, Luiz Inácio Lula da Silva deverá ter um peso político ainda maior fora do poder. Tradicionalmente subestimado por adversários e analistas, Lula fugirá da tentação da tutela sobre Dilma Rousseff. O respeito mútuo e a lealdade recíproca não autorizam a ideia de que a criatura venha a se voltar contra o criador. Erram os que apostam numa ruptura.
É uma injustiça invocar o caso Paulo Maluf-Celso Pitta, até porque Lula e Dilma são personagens bem melhores do ponto de vista pessoal e político. Tampouco vale citar o afastamento entre Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Itamar bancou o Plano Real e viabilizou a eleição de FHC em 1994, mas o tucano foi a salvação política do então presidente e se tornou mais forte do que o antecessor. Agora é diferente.
Lula tende a continuar mais poderoso do que Dilma. Detalhe: eles gostam muito um do outro. Têm um elo afetivo que, hoje, se mostra resistente a intrigas e diferenças de opinião. Política é jogo bruto, mas relações pessoais intensas pesam mais do que o imaginado.
Lula será a âncora política de Dilma. Como na primeira aparição pública lado a lado após a vitória, ele ficará livre para comprar brigas que não convenham a ela. Por exemplo, alfinetar a oposição.
Nos assuntos domésticos, o líder petista já anunciou que sua prioridade será a reforma política. O Congresso que saiu das urnas é bem mais governista do que oposicionista, se comparado com os eleitos em 2002 e 2006. Isso facilita a luta pela reforma política, tema que resulta em mais discórdias do que consensos quando se desce aos detalhes. "Reforma política não é assunto do governo, mas dos partidos", diz Lula. Além de correto, esse conceito é bom para Dilma, que ficará mais protegida de cobranças por uma mudança que contrariará setores de sua base de apoio parlamentar.

A recriação de um imposto para financiar a saúde está na agenda pessoal e política de Lula, que nunca engoliu a derrubada da CPMF, o antigo imposto do cheque. O novo tributo interessa a quem está no poder, mas Dilma não deverá sustentar sozinha tal batalha. A entrada de Lula em assuntos delicados tende a ajudar Dilma, obedecida certa dosagem para não eclipsar a autoridade da sucessora. Esse ajuste fino se dará ao longo dos próximos meses, com seus ruídos inevitáveis.
No front internacional, não é prudente tratar com desdém a capacidade de articulação de Lula. As bandeiras de reparação de injustiças históricas com a África e o papel de porta-voz de emergentes com forte peso econômico serão ativos internacionais de respeito. O sonho acalentado e não admitido é a secretária-geral da ONU (Organização das Nações Unidas). Mas se trata de um projeto recheado de complicadores.
O principal obstáculo: o Brasil conta bastante no mundo atual, o que aumenta a resistência dos países que hoje controlam o organismo. O Brasil não é um país periférico que tem de pedir a bênção aos mais ricos. Esse tempo acabou, e o país tem legitimidade para pleitear cargos na ONU. Daí não ser absurda, apesar de menos provável hoje, a hipótese de Lula embarcar num projeto para comandar a FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação).
O nome preferido de Lula para a FAO é o do ex-ministro José Graziano, hoje representante regional do organismo na América Latina e no Caribe. No entanto, com um novo governo em formação, convém aguardar o formato final da equipe de Dilma para avaliar melhor quem será o candidato do Brasil à direção da FAO.
Resumindo, haverá dois Lulas, um para o consumo interno e outro para o externo. A trilha que será mais seguida dependerá do desempenho de Dilma no poder e do crescimento ou não do multilateralismo nos grandes fóruns internacionais. Há ainda um terceiro fator, chamado de destino por uns e de acaso por outros.
Numa análise a quente, o paralelo mais próximo em nossa história é Getúlio Vargas. Mas Lula contará com uma vantagem para ser influente por mais tempo: inimigos poderosos em número bem menor.

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