5 de nov. de 2010

Os negros americanos e nossos nordestinos

Por Paulo Nogueira do Diário do Centro do Mundo

UM GRANDE ECONOMISTA SUECO, GUNNAR MYRDAL, mudou a maneira de pensar dos americanos sobre os negros.
Myrdal, Nobel de Economia e um dos arquitetos do notável modelo escandinavo de capitalismo, no qual o Estado promove a liberdade econômica mas é ao mesmo tempo uma barreira à desigualdade social, foi convidado por uma organização americana para estudar a questão negra. Um olhar de fora, avaliaram os americanos, poderia trazer luzes onde havia um escuridão que parecia intransponível. Myrdal era o nome ideal graças a seu conhecimento provado e à refinada sensibilidade social que mostrara em sua trajetória.
Myrdal trabalhou duro. Viajou pelos Estados Unidos entrevistando pessoas e fazendo pesquisas. Descobriu o que depois pareceria óbvio: o preconceito contra os negros tinha uma contribuição expressiva na desigualdade. Eram subtraídas deles oportunidades que sobravam para os brancos.  As teses racistas, que afirmavam a superioridade branca com base em estatísticas, começaram a ruir graças a Myrdal. Ele pavimentou o caminho da ascensão negra. Líderes como Malcom X e os Panteras Negras se beneficiaram enormemente, em seu trabalho pela auto-estima do negro, de Myrdal, que desmontou a falácia da inferioridade racial.
Penso  em Myrdal quando reflito sobre o preconceito que existe no Brasil em relação aos nordestinos. Nas eleições presidenciais, isso ficou dramaticamente explícito. Os nordestinos foram tratados como cidadãos de segunda classe. Se votaram em Dilma, segundo a tese de muitos conservadores, foi porque receberam dinheiro sem trabalhar e não entenderam a gravidade das denúncias contra o governo.
Há semelhanças entre os negros americanos de algumas décadas atrás e os nordestinos brasileiros de hoje.  O preconceito apenas alimenta a desigualdade e “comprova” a tese racista da inferioridade. Na verdade o Nordeste foi ignorado por sucessivas administrações. Tinha que ficar para trás, e ficou. Lula é provavelmente o primeiro presidente brasileiro a não lamentar a sorte dos nordestinos – e sim a fazer coisas concretas (“assistencialistas”, na visão conservadora) para melhorá-la.
Não creio que Lula tenha lido o estudo de Myrdal sobre os negros americanos. Mas, por ser ele mesmo um nordestino, com certeza entendeu a lógica da pobreza ancestral de sua região.

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