6 de nov. de 2010

Cartas de presos são 24% dos habeas-corpus que entram no STF

Do Portal Terra


HERMANO FREITAS
Direto de São Paulo
Setente e três presos conseguiram o direito de ter analisados seus pedidos de liberdade na Justiça através de cartas enviadas diretamente ao Supremo Tribunal Federal (STF). Dos 2.132 pedidos de habeas-corpus protocolados na Central do Cidadão da corte de abril a setembro, 369 (24%) foram por documentos escritos por detentos de dentro de presídios.
De acordo com a coordenação da Central do Cidadão - que recebe, encaminha e responde as correspondências -, o número de cartas, em setembro, chegou a 3.531, uma média de 118 por dia, um crescimento de 87% na comparação com agosto.
O difícil acesso à Justiça estimularia o envio cada vez maior de cartas. Segundo Marcos Alegre, coordenador da central, a publicidade gerada por casos de grande repercussão envolvendo o STF, como o julgamento da lei da Ficha Limpa, aumentou o número de correspondências recebidas. Outra explicação é a dificuldade encontrada pelos presos de dar encaminhamento aos pedidos nas instâncias inferiores da Justiça e também nas Defensorias Públicas. "As Defensorias Públicas estão sobrecarregadas. É fácil concluir que um ou dois defensores para cuidar de até 2 mil execuções penais em um presídio é muito pouco", diz.

Entre abril e setembro, a corte recebeu 11.246 relatos, como manifestações, consultas e reclamações. Mais da metade delas (59%), são cartas e vêm das cadeias, principalmente pedindo a progressão de regime para o semiaberto, a soltura por conclusão da pena e também assistência jurídica. A maior parte das correspondências são originárias do estado de São Paulo (41%).
O STF faz a triagem e, caso o pedido seja pertinente e tenha sido dirigido à instância correta, é protocolado no STF. Decisões para outras instâncias são encaminhadas ao Fórum cabível. Todas as cartas são respondidas, de acordo com o STF. O serviço funciona desde abril de 2008, mas foi neste ano que a procura mais cresceu.
Preso teria escrito 3 mil cartas
Condenado a cumprir pena em uma colônia do interior de São Paulo por sonegar impostos - o mesmo crime do qual são acusados o banqueiro Daniel Dantas e a dona da butique Daslu Eliane Tranchesi - o administrador de empresas Luiz Tomaz Dionísio, 58 anos, viu no exercício de redigir cartas ao STF para os companheiros de prisão uma forma de passar o tempo. De janeiro de 2009 até agosto de 2010, calcula ter escrito 3 mil cartas e desafia quem duvida a consultar seu nome nos pedidos protocolados. Em troca do serviço, ganhou presentes como maços de cigarro e sabonetes. Tudo espontâneo, garante.
"Tenho certeza de que redigir as cartas me ajudou a progredir e sair logo da colônia", diz. Sobre o período em que esteve preso, segundo ele, um tempo mais alto do que devia ficar recluso, avalia como uma "boa experiência".
Cartas contam sobre a esperança do recomeço. 
"Parte da sociedade nos julga, achando que se está preso é porque é bandido e não pode conviver com a sociedade. Mas eu te digo com toda a convicção: aqui estão, entre nós, muitas pessoas boas que, infelizmente por algum motivo, vieram parar atrás das grades. Sim, talvez seja por alguma infração perante a lei. Mas não cabe a elas o direito de uma oportunidade?", questiona um presidiário no trecho de uma carta.
"O grande medo que atormenta todos os sentenciados não é o tempo de pena a cumprir, não são as dificuldades que irá encontrar na cadeia, que não são poucas, pois sabemos que estamos pagando o preço de nossos erros. Mas o verdadeiro medo do presidiário está no seu retorno para a sociedade que quase sempre tem preconceito e fecha todas as portas, e quase sempre todos não conseguem resistir a tanta indiferença, e acabam delinquindo novamente, por falta de opção", diz outro preso em outra correspondência.
"Excelentíssimo senhor Gilmar Mendes,
Eu venho por meio desta te agradecer, pois estava preso há quase um ano e se não fosse o senhor, eu acho que estaria até hoje! (...) Eu nunca vou esquecer a ajuda que o senhor me deu." Assim começa uma das cartas dirigida ao então presidente do órgão. O detento obteve um habeas-corpus recorrendo à Central do Cidadão.

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