3 de fev. de 2011

As crenças de cada qual


Léo Rosa de Andrade no Notisul
Muitas vezes concluo que é inútil discutir crenças. As pessoas formam suas convicções e dificilmente as submetem ao crivo de uma análise de possibilidade, ou de demonstrabilidade. Os que se fazem crentes jamais verificam os fundamentos de seu credo; nem sequer questionam se as coisas nas quais acreditam resistem a argumentos contrários. Suponho, talvez presunçosamente, que pouquíssima gente pensa em coisas assim. A simples hipótese de sacudir certezas espanta. Os crédulos cultivam uma racionalidade fundada no é porque é, logo é. Ponto e pronto. São raciocínios viciosos, que se alimentam circularmente, e satisfazem vidas com baixo índice de indagação.

Pra que complicar?
Ordinariamente se sustenta uma crença com a própria crença que se quer demonstrar. A isso, em Lógica ou em Filosofia, chama-se tautologia. É extremamente difícil vencer o é porque é, logo é. Ora, pois se é, então é, e está resolvido. Pra que complicar? É aí que entra a ciência. A ciência embaralha permanentemente o mundo, na medida em que o pesquisa, descobre-o e o explica de forma diversa. A ciência não complica o mundo, mas complexifica a sua compreensão. Complicar é tornar confuso. Complexificar é recusar o simplismo. E o mundo não é tão simplesinho mesmo, mas tampouco é complicado. Apenas existem mais coisas entre as crendices populares e a realidade dos fatos do que se pode perceber à primeira vista.


Ciências morais
Como expediente didático, divide-se a ciência em áreas. Assim, temos as exatas, as biológicas, as sociais, as morais, etc. As evoluções nas ciências exatas, em geral, não são muito recusadas. Inventos da física ou da química são logo incorporados à vida cotidiana, são aceitos sem questionamento. Se as evoluções atingem os costumes e a moral dominantes, contudo, são recebidas com ressabio. As ciências que tratam dos aspectos morais vigentes transitam muito custosamente. É que seu objeto são as questões ideológicas, e elas são abordadas ideologicamente. Quer dizer: nós pensamos sobre ideologia em geral (em tese) a partir de nossa posição ideológica particular (em concreto). Isso gera um impasse difícil de superar.

É como surfar
Mas seria possível despir-me do meu próprio modo de ver o mundo para ver o mundo? Posso abandonar minha moral para estudar moral? Consigo arquivar meus valores enquanto compreendo outros valores? Não creio. Ideologia é a matéria do pensamento. Ninguém pensa sem ideologia. Pensa-se a partir da ideologia. Qual a possibilidade científica, então, de estudar as ciências que tratam dessas questões? É aprender a surfar. Explico: eu não vou controlar as crenças do mundo (ideologias), como o surfista não controla as ondas do mar. Mas o surfista não pode estar mergulhado nas ondas, tem, sim, que estar solto sobre elas. Do mesmo modo, eu tenho que fazer um esforço de surfista e me por, tanto quanto possível, solto sobre os valores em geral. Não é fácil. Poucos se aventuram.

Os valores é que fazem o mundo ser como é
Aos que tentarem, que se lhes abram horizontes. Aos demais, que fiquem com o que lhes ensinou o professor, a tia, o padre, ou a televisão. Pessoalmente, desde que aprendi a me espreitar, abri mão de qualquer certeza. E acho donos da verdade desagradáveis. As lições de história me ensinaram a localizar a origem das crenças do meu tempo. Muitos e bons livros mostram de onde vieram, quem as inventou, quando e com que tipo de interesse. Aprendi que o mundo é produzido por relações de poder. Os valores que subsistem são os de quem teve força para infundi-los e mantê-los. Eles fazem o mundo ser como é. Que cada qual reflita sobre suas convicções. Eu, se necessário, me livro das minhas. Descarto-as ao surgir de outras que façam o mundo tornar-se melhor.

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