Tortura, humilhação, maus-tratos. Uso de armas de fogo para intimidar e algemas de pulso e de tornozelos para castigar. Os itens fazem parte do relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) depois da visita em 14 centros de internação para adolescentes infratores em 20 municípios de Santa Catarina. Com base no que foi apurado, em agosto, por um grupo formado por técnicos e representante do CNJ, foi recomendado ao governo do Estado que feche o Plantão Interinstitucional de Atendimento (Pliat), em Florianópolis; e o Centro Educacional São Lucas, em São José.
— Esperávamos bem mais de Santa Catarina, um estado desenvolvido e mais rico do que outros da federação, em termos de de medidas socioeducativas para os seus adolescentes infratores — disse ao DC, o juiz auxiliar da presidência do CNJ, Reinaldo Cintra Torres de Carvalho.
As queixas dos adolescentes foram ouvidas pela equipe do Programa Medida Justa, do CNJ, que realiza inspeções em unidades de internação de todo o país para traçar um diagnóstico da situação dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas.
O documento descreve que os monitores, ao invés de internalizar os valores protetivos e socioeducativos no tratamento dos adolescentes, "vivenciam cultura de dominação e intimidação".
— Estas duas unidades, especialmente, apresentam uma realidade pior do que nos tempos das escravidão — observou o juiz.
Na unidade Pliat, definida como "semelhante a uma masmorra da Idade Média", a equipe do CNJ viu, em cada um dos alojamentos, três ganchos presos à parede. Os adolescentes contaram que, ali são algemados nus e, em seguida, agredidos e torturados. Além disso, os internos contaram ser obrigados a urinar dentro de seus próprios alojamentos, em garrafas tipo pet. Isso ocorre quando eles não conseguem ir ao banheiro, porque os monitores se negam a abrir a grade do alojamento.
O clima de intimidação na Pliat se reflete também nas caveiras que adornam o quadro de avisos e nas camisetas pretas dos monitores que, segundo relato dos menores, portam, durante a noite, pistolas.
Na unidade São Lucas, segundo o relatório, a arquitetura é inadequada e "a gestão padece de problemas semelhantes aos verificados no Pliat, com notícias de tortura, agressões, tratamento degradante e intimidação", além do fato de os funcionários não recolherem o lixo despejado pelos internos, que acaba se acumulando no chão.
"Estado não está omisso"
O secretário-executivo de Justiça e Cidadania de Santa Catarina, Justiniano Pedroso, disse que a recomendação de fechamento das duas unidades não irá ocorrer. A menos que exista uma determinação judicial, ponderou. A respeito das denúncias de tortura e uso de armas pelos monitores considerou que "isso não pode ocorrer, mas não tenho como garantir que não aconteça".
Pedroso confirmou, no entanto, que depois de ser informado por representantes da CNJ sobre ganchos nos quais os adolescente seriam algemados, ainda em agosto, mandou retirá-los imediatamente. Pedroso disse que toda denúncia de tortura com fundamento é investigada. Explicou que existem 10 processos administrativos em andamento, inclusive no Tribunal de Justiça, e com recomendação de afastamento por um agente que utilizou arma dentro do Centro Educacional São Lucas.
O secretário disse que o Estado "não está omisso às políticas de atendimento aos adolescentes infratores" e apresentou números relacionados ao aumento de vagas nos centros (de 280 para 680) nas últimas administrações e de agentes (de 53 para 230). O secretário-executivo salientou a respeito das obras em andamento no São Lucas e da construção de unidades em Joinville e Grande Florianópolis.
— Enfrentamos dificuldades para as obras, como o fato das comunidades também não desejarem a implantação de unidades para adolescentes infratores. Mas estamos atentos — disse.
Sobre o uso de camisetas com caveiras, por funcionários do Pliat e que causariam intimidação nos internos, a resposta de técnicos do setor que participaram da coletiva é que "se tratavam de propaganda de um banda de rock".
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