17 de nov. de 2010

A volta das moedas nacionais na Europa?

Do Terra


MARINA PITA
A União Europeia e o próprio euro podem estar ameaçados diante da crise econômica que se instaurou em países como Irlanda, Grécia, Espanha e até Itália. Diante dos déficits crescentes e a negativa de países como a Alemanha em seguir fornecendo ajuda aos países em dificuldades, cresce o risco de que algumas economias optem por voltar a emitir moedas nacionais.
A previsão é do economista e coordenador do curso de economia da Faculdades de Campinas (Facamp), Rodrigo Sabatini. Segundo ele, a União Europeia passa por uma "situação realmente dramática, que ameaça sua existência".
Segundo ele, ao aderirem ao euro e abrirem mão de emitirem moeda, países como Irlanda, Grécia, Espanha e Itália passaram a ter dificuldade em assegurar o pagamento dos títulos de sua dívida, que cresce diante da crise econômica. Ao mesmo tempo, "outros países europeus não estão dispostos a arriscar sua saúde financeira - que não é essas coisas - e honrar a dívida com seu capital", afirma Sabatini.
Isso ocorre no momento em que o bloco europeu tem dois caminhos, diz o economista. "Ou os países aprofundam a integração e estabelecem uma política econômica solidária, honrando o endividamento público dos membros em crise, ou vão partir para situação de salve-se quem puder".
Neste momento, no entanto, os próprios gestores do Banco Central Europeu (BCE) não querem mais fornecer ajuda ilimitada aos países membros e exigem maior compromisso com reformas, salienta Lia Valls, professora do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Para exemplificar a recusa de países da UE de socorrer as economias de países membros, Sabatini cita o caso da Grécia. "Eles foram até o limite e postergaram o problema. Com 30 (bilhões) ou 40 bilhões de euros teriam resolvido a situação (da Grécia). Depois foi para 500 bilhões de euros o custo para convencer os mercados financeiros (que a Grécia poderia honrar sua dívida)".
Nesta terça-feira, feira o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, advertiu que o bloco enfrenta uma "crise de sobrevivência" por conta dos déficits na zona do euro. O ministro da Economia da Alemanha, Rainer Bruederle, afirmou que "a ajuda a países membros da União Européia não pode ser ilimitada".
Contenção de gastos
Para continuarem a financiar o déficit de países com problema, economias fortes da zona do euro exigem reformas nos países em crise, que passam pela redução dos gastos públicos.
França, Alemanha e Grã-Bretanha estão entre os países que se opuseram aos parlamentares europeus e à Comissão Europeia e rejeitaram o aumento proposto de 6% no orçamento de 2011 do bloco, ao que o presidente da Comissão Europeia (braço executivo da UE), José Manuel Barroso, chamou de "golpe" na Europa.
"São compromissos fiscais cada vez mais pesados, que só fará os países recolherem menos impostos", avalia Lia.
"A exigência da UE para honrar as dividas dos países em crise são cortes fiscais imensos. Isso deixaria o mercado satisfeito, mas a população vai sofrer muito. A Espanha tem que lidar com uma taxa de desemprego em torno de 20%. Como fará para movimentar a economia sem gastos públicos?", questiona Sabatini. Segundo ele, apenas o governo é capaz de investir na economia em tempos de crise para promover uma política anticíclica, "como fez o Brasil".
O retorno de moedas nacionais
Uma das soluções para a Irlanda e outros países na mesma situação é voltarem a emitir moeda e abrir mão do euro.
De acordo com Sabatini, essa é uma solução dramática, porém pode ser a única possível. "Claro que haveria aperto inflacionário e grande desvalorização dessas moedas, além da dificuldade em restabelecer a confiança dos agentes econômicos domésticos, mas pode ser a solução menos pior", afirma.
Nova onda de incertezas
O aparente aprofundamento da crise em países europeus - na segunda-feira, estatísticas da UE mostraram que a dívida da Grécia é ainda maior do que se pensava anteriormente - aliada à falta de números consistentes de crescimento da economia americana pode gerar mais uma onda de incertezas e instabilidade na economia mundial, de acordo com Lia Valls, economista da FGV.
Para Sabatini, o Brasil pode enfrentar alguma turbulência no curto prazo, por conta do aprofundamento da crise europeia. "Nestes momentos (de crise) há aumento da desconfiança de investidores e eles podem parar de fazer investimento em países que não sejam reconhecidamente seguros. Vão para títulos do Tesouro americano, por exemplo", afirma o economista.
A tendência de fuga de capitais de países onde o investimento não é tradicional, no entanto, não deve durar. "A situação financeira do Brasil está muito melhor do que de qualquer um desses países (da Europa). O otimismo é grande. A situação fiscal é estavel, a relação dívida pública/PIB (produto Interno Bruto) está caindo e ainda temos um volume de reservas significativas. Não vamos sofrer impacto maior do que no curto prazo", aposta Sabatini.
Entenda
Países como Irlanda e Portugal vivem situação preocupante, e não se sabe se conseguirão lidar com seus deficits sem a ajuda de fundos da União Europeia. A necessidade de financiamento público da Irlanda está garantida até meados de 2011, mas os bancos auxiliados pelo Estado estão quase sem acesso a empréstimos interbancários, dependendo do Banco Central Europeu para obter fundos. Isso ajudou a elevar os custos de financiamento de países periféricos da zona do euro, como Espanha e Portugal.
Por enquanto, o governo irlandês calculou o resgate do sistema financeiro em cerca de 50 bilhões de euros (US$ 68,4 bilhões), o que poderá elevar o déficit público em 2010 para 32% do Produto Interno Bruto (PIB).
A Irlanda enfrenta pressão do Banco Central Europeu e de países da zona do euro para tomar uma decisão rápida em meio a sinais de que o contágio do mercado está chegando a Portugal, podendo afetar outros Estados maiores. O governo irlandês disse estar negociando maneiras de estabilizar seus bancos e suas finanças e negou que um resgate estatal seja necessário para impedir o contágio de seus problemas em outros países.
O ministro das Finanças português, Fernando Teixeira dos Santos, disse ao Financial Times que há um risco enorme de que seu país seja obrigado a buscar ajuda internacional, pois os mercados estão considerando Grécia, Irlanda e Portugal como um único conjunto.

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