Por Paulo Moreira Leite na Época
É incrivel mas prossegue o esforço para garantir impunidade à estudante que pediu que os cada paulista fizesse o favor de assassinar um nordestino.
Pelo visto, a idéia é dar spaço a esta aberração mental até se conseguir transformá-la numa questão de honra para uma parcela de brasileiros.
Acho essa atitude preocupante, pois implica em transformar porta-vozes de um pensamento nocivo e inaceitável em interlocutores legítimos do debate democratico.
Não há o que debater diante de manifestações preconceituosas e racistas. Não há lado bom e lado ruim aqui. São crimes que precisam ser apurados e punidos.
O argumento não muda. Consiste em dizer que por obra do presidente Lula a campanha presidencial foi um conflito entre regiões, o que poderia justificar a atitude de uma eleitora que reside num estado onde a oposição teve maioria dos votos e depois saiu pela internet pedindo linchamento dos habitantes do lado vitorioso.
Como já foi demonstrado aqui, o problema é que este raciocínio é falso pela base. Dilma Rousseff venceu o pleito por 12 milhões de votos e sua vitória foi relativamente equilibrada. Ela não só venceu no Nordeste, também também no Sudeste e no Norte.
A vitória em Minas Gerais e Rio de Janeiro foi avassaladora — mais de 1,7 milhão de votos em cada um destes Estados. Com essa diferença, Dilma teria se tornado presidente mesmo que José Serra tivesse exibido um desempenho mais competitivo no Nordeste, onde foi vencido por 70% a 30%.
Pesquisas do Ibope demonstram que Dilma também venceu em todas as classes sociais, inclusive de renda mais alta. Foi vitoriosa entre os católicos. Pelo nível de educação formal, não ficou na frente daqueles que têm diploma universitário mas venceu em todas as outras quatro faixas.
Dá para falar em país dividido?
Claro que dá e é legítimo. Isso tem a ver com a história da humanidade e com realidade brasileira.
Vivemos numa sociedade de classes. O Brasil é um dos países mais desiguais do planeta pela renda, com abismos tão imensos que o absurdo seria imaginar que todos votassem de forma igual, nos mesmos candidatos, com as mesmas opções e projetos de vida.
Embora tenha ocorrido uma pequena melhora nos últimos anos, a divisão dos brasileiros não nasceu em 2010 nem em 2002 nem em 1994.
A diferença entre ricos e pobres está no bairro, na escola dos filhos, no médico e nas oportunidades na vida.
Nosso abismo inicial foi formado em 1560, quando os primeiros senhores de engenho trouxeram grandes levas de escravos negros para colonizar o nordeste. Ou quem sabe antes, em 1500, quando os sucessores de Pedro Álvares Cabral fizeram os primeiros esforços de aproximação junto a populações indígenas que levaria às primeiras tentativas de exploração da terra e de seu trabalho. Outro momento crucial ocorreu em 888, quando se aboliu a escravidão mas não se ofereceu nenhuma oportunidade real para os antigos cativos ingressarem de modo civilizado no mercado de trabalho.
Num país com tantos contrastes e diferenças, é natural que este abismo historico apareça nas urnas. Na verdade seria até absurdo imaginar que os 140 milhões de brasileiros, tão diferentes entre si, fossem capazes de votar igual, nos mesmos candidatos, imaginando que tem os mesmos interesses e soluções.
Democracia é um regime plural, com vários partidos e candidatos diferentes. Nem todo mundo precisa pensar do mesmo jeito. Não é feio discordar. Alguém é a favor de partido único?
Embora José Serra tenha tentado, no início, apresentar-se como uma espécie de continuador dos oito anos de mandato de Lula, a campanha encarregou-se de mostrar suas diferenças com o governo atual.
Eleição é isso. Os eleitores apuram suas vontades, debatem projetos, escolhem aquilo que julgam melhor para si e para o país e, no fim do processo, selecionam seus candidatos.
O nome disso é educação política. O resto é preconceito, o primeiro caminho para a violência.
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