Ele se orgulhava de ter o intestino perfeito. Seu relógio biológico era preciso como um relógio digital. Como o Big Ben. Nunca uma prisão de ventre. Nunca uma diarreia. Com ele era tudo certo, na hora certa. Ria-se de quem tomava Actívia, de quem apelava para chazinho de ameixa. Com ele, não. Com ele a saída era tão fácil quanto a entrada.
De resto, sua vida era uma vida normal. Em tudo comum. Ele era funcionário, segunda à noite jogava bola com os amigos, aos domingos fazia churrasco em casa, vez em quando ia aos jogos do seu time. Seus filhos às vezes eram uns doces e às vezes eram insuportáveis, como todos os filhos. Sua mulher não era linda nem feia, como a maioria das mulheres. E era chata, como todas as mulheres.
Um dia, ele e a mulher começaram a discutir. Discutiam, como todos os casais. A razão da briga era uma tolice qualquer, algo prosaico, ele nem se lembra direito o que foi. O fato é que, depois de dois minutos de bate-boca, passaram a se insultar. Isso acontecia, às vezes. Acontece às vezes com todos os casais. Xinga daqui, xinga dali, ele não aguentava mais, já estava com raiva, já estava gritando, já não queria ver a mulher na sua frente, até que ela desenhou no rosto um sorriso de desdém e, com o deboche escorrendo da voz, disse baixinho:
“Você não passa de um cagão”.
“O quê???”
“Isso mesmo. Cagão. Só o que você faz é se trancar no banheiro e cagar o dia inteiro”.
“O QUÊ???”
“Você ouviu: cagão. Falo isso pra todo mundo, sempre. Pras minhas amigas, pra os seus amigos, pros nossos filhos: ‘nunca vi ninguém cagar tanto’. Eles riem. Eu rio. Nós rimos de você. Porque você é um cagão. Cagão. Cagão, cagão, cagão”.
Foi demais. Jamais alguém o insultara tanto. Deu-lhe um empurrão, queria a mulher longe dele. Mas o empurrão foi mais forte do que devia, ela rolou escada abaixo. Quebrou o pescoço. Morreu sem ai.
Ele agora está no presídio. É mulherzinha de um crioulo de metro e noventa de altura. Mas seu intestino continua com o funcionamento perfeito. Ele se orgulha daquele intestino.
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