Carlos Drummond no Terra Magazine
De Campinas (SP)
De Campinas (SP)
Acuado desde a década de 1970 pela coalizão da supremacia dos negócios com a política liberal, o bom jornalismo tem recorrido, algumas vezes, a táticas de guerrilha para não morrer. O caso mais notório é o do jornalista Julian Assange, principal figura da organização Wikileaks, dedicado a trazer à luz documentos secretos de interesse público, alguns deles escancarando atrocidades cometidas por soldados americanos em guerra. Crucificado pelos governos dos Estados Unidos e de países aliados e também pelos grandes veículos de comunicação, Assange é obrigado a dormir cada dia em um lugar diferente para escapar dos seus perseguidores.
Não é o único caso de perseguição. O jornalista americano Greg Palast desistiu de viver no seu país, onde não conseguia publicar uma linha dos seus artigos implacáveis de crítica às mazelas dos poderes público e privado, e abrigou-se no Reino Unido. O seu colega alemão Gunter Wallraff fez uma manobra radical. Submeteu-se a uma operação plástica para trabalhar irreconhecível no seu antigo emprego, o jornal de escândalos Bild, tema de um livro em que conta como a redação fabricava escândalos e cooperava na produção de desgraças para publicação pelo periódico.
A pressão dos poderes constituídos e não constituídos é incessante, como o sabem os bons jornalistas e os raros veículos críticos, do Brasil e do mundo. Um exemplo recente é o do presidente da França, Nicolas Sarkozy, declarado como chefe de uma equipe de espionagem de jornalistas críticos para descobrir as suas fontes. Movimento inverso já havia percorrido o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao declarar a Fox New como organização não jornalística, sob a alegação de que não praticava bom jornalismo, apenas proselitismo político-ideológico.
O jornalismo é um bem público que, por algum tempo, o mercado produziu. Mas as circunstâncias que tornaram possível essa produção deixaram de existir e o mercado parou de alimentar ou dar suporte ao jornalismo substantivo, diz Robert McChesney no seu livro mais recente, Morte e Vida do Jornalismo Americano. O pesquisador avalia que se a sociedade deseja um jornalismo capaz de fazer valer os sistemas constitucionais, não há outro caminho além da intervenção pública massiva para produzir um bem público.
McChesney sabe que a sua proposta contradiz a tradição da liberdade de imprensa, que não reserva papel nenhum para o governo na atividade do setor. Mas ele trata de deixar bem claro que defende o princípio de que o governo não deve censurar ou interferir no conteúdo jornalístico.
O ponto em que se baseia é histórico: a imprensa e os correios dos Estados Unidos nasceram e viveram décadas com pesados subsídios do governo. Aos que ficam chocados com sua proposta, McChesney observa que "é inteiramente irreal esperar que a motivação do lucro proporcione algo próximo do nível de jornalismo necessário para uma cidadania informada e para o governo democrático." O pesquisador considera que a imprensa, tal como a conceberam Thomas Jefferson e James Madison, não existe mais e que é preciso refundá-la em bases diferentes das atuais, constituídas quase que exclusivamente pela representação dos interesses do mercado. As bases que propõe são as mesmas utilizadas pelos Pais Fundadores dos Estados Unidos: pesados subsídios para a criação de uma mídia digna dos cidadãos que são a razão da sua existência.
A mudança da mídia em algumas décadas foi colossal. Nos anos 1970 o editor de um jornal imperava na redação, espaço que o proprietário tratava com cautela ou algum receio. Este sempre foi a autoridade mais alta, mas "vetar uma decisão importante do editor era como se o presidente de um país contrariasse a ordem de um general em campo de batalha", compara o jornalista Alex Jones. De lá para cá, o profissionalismo foi distorcido pelo interesse comercial e tornou-se incompatível com a cultura corporativa.
As pressões dos interesses econômicos para que a mídia apelasse cada vez mais à classe média resultaram, entre outros efeitos, na homogeneização social das redações, compostas, quase que exclusivamente, por integrantes dessa camada da sociedade. Entre os efeitos editoriais do fenômeno está o desaparecimento da cobertura de temas trabalhistas, amplamente tratados dos anos 1930 aos anos 1960, mas virtualmente extintos nas redações dos anos 1990. Notícias sobre inquietações e direitos de trabalhadores assustavam os consumidores, público essencial de veículos dedicados, cada vez mais, a reverenciar o lucro derivado do consumo e desembolsado pelos anunciantes.
O jornalismo de negócios ascendeu na mesma medida em que o jornalismo trabalhista declinou, assim como a cobertura a assuntos de interesse dos negros. "Pobres e trabalhadores são, para todos os propósitos, noticiáveis unicamente na medida em que estejam no caminho dos ricos", resume McChesney.
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