14 de nov. de 2011

Os maconheiros e os hipócritas

Por Paulo Moreira Leite

É impressionante que até hoje se tente usar a maconha no xingatório político.
Isso era comum sob a ditadura militar. Sem a legitimidade que só as democracias oferecem, o regime e seus aliados evitavam argumentos políticos para criticar adversários.
Mulheres emancipadas eram chamadas de prostitutas. Mesmo oposicionistas que rejeitavam a luta armada eram acusados de terrorismo.
Glamourizada pela contracultura, que pregava uma forma de liberdade que produzia tensões no autoritarismo, a maconha era um dos alvos prediletos.
A ditadura acabou mas o estigma prosseguiu.
Em 1985, quando tentava desqualificar Fernando Henrique Cardoso, seu adversario na campanha pela prefeitura de São Paulo, o conservadorismo paulista contratou um jornalista inescrupuloso para distribuir um panfleto chamando-o de maconheiro.
Na verdade, o máximo que FHC admitira era ter experimentado maconha, como contou à jornalista Miriam Leitão em entrevista a Playboy. (Só para lembrar como certos argumentos se repetem. FHC também foi atacado em 1985 porque deu uma resposta ambígua sobre “Deus.” Não se podia admitir dúvidas nem hesitações nos reinos do absoluto. Isso lembra alguma coisa?)

É curioso que hoje se use a expressão “maconheiro” para rebaixar os estudantes que ocuparam — erradamente, a meu ver — a reitoria da USP.
Já disse em outras notas o que penso sobre a visão política desses estudantes. Para mim, é irracional. Mas não acho que isso tenha a ver com uso de maconha. (Piadinha….)
Em 2011, a maconha é uma droga consumida por um número imenso de pessoas e não só na USP e não só por pessoas “de esquerda”, “contestadoras”, “radicais”, “hippies”, “hippies velhos”, o que for…
Tenho certeza de que há usuários de maconha entre estudantes que ocuparam a reitoria e entre seus adversários. Com certeza vamos encontrar “maconheiros” entre aqueles que articulam uma chapa “apolítica” e até mesmo entre adultos que lhes servem de inspiração e que conservaram o costume da juventude.
Conheço aquilo que poderiamos chamar de famílias maconheiras, pois pais e filhos acendem um baseado num ritual semelhante ao que se vê em casas onde as pessoas se reunem para tomar uma taça de vinho.
Com um pouco de curiosidade, talvez se encontre uso de maconha na própria polícia que reprimiu os estudantes.
Não uso maconha e acho que há uma tolerancia excessiva em relação aos males que ela causa à memória e mesmo a saude psíquica das pessoas.
Mas ela está aí. Fernando Henrique Cardoso faz campanha por sua legalização e ninguém acha um disparate. Pelo contrário. O filme sobre a maconha – uma peça de propaganda, desequilibrada e unilateral – foi badalado com gosto e prazer, como se fosse sério.
Muita gente faz ar inteligente quando explica que é preciso aceitar a noção de que nenhuma sociedade vive sem drogas, que a guerra foi perdida para o tráfico e assim por diante. Fala-se de Portugal, da Suiça, da Holanda. Mostra-se imagens de clínicas equipadas, limpas, sem fila e com médicos de plantão…
Chiquérrimo.
Por que não fazer o mesmo ar inteligente quando a PM  resolve levar para a delegacia três estudantes que enrolavam um baseado dentro do carro?
Por que esse coro da legalização não foi à rua falar de flexibilidade?
Por que não lembrar que, mesmo ilegal, o uso da maconha talvez não seja a irregularidade prioritária a ser combatida na USP?
Não vamos fingir que somos tão inocentes.
É evidente que temos uma visão utilitária, aqui. Quando é necessário fazer ar de moderno, fala-se em legalizar a droga.
Quando é necessário fazer ar de antigo, fala-se de “maconheiros.”
E ninguém acha estranho.

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