A lei de imigração do Arizona, que entra parcialmente em vigor nesta quinta-feira, é um dos exemplos de como o fracasso dos EUA em reformar seu sistema migratório e aplicar as leis federais já vigentes abriu espaço para medidas unilaterais dos Estados americanos.
Considerada a lei mais dura dos EUA contra a imigração ilegal, a legislação conhecida como SB1070 teve algumas de suas seções mais polêmicas bloqueadas na quarta-feira pela juíza federal Susan Bolton, que determinou que elas não entrem em vigor enquanto os setes processos contra a medida tramitarem nos tribunais federais. Um dos processos foi aberto em 6 de julho pelo Departamento de Justiça dos EUA.O próprio presidente americano, Barack Obama, reconheceu isso em 23 de abril, quando a lei do Arizona foi assinada pela governadora republicana Jan Brewer: “Nosso fracasso em agir responsavelmente em nível federal abre as portas para a irresponsabilidade alheia”, disse segundo o jornal “The Washington Post”.
A juíza suspendeu da lei a seção que estabelece que policiais verifiquem os documentos de imigração de pessoas que sejam abordadas por outras infrações e pareçam suspeitas de estar ilegalmente no país.
Bolton também suspendeu o trecho que considera crime não portar documentos de imigração e a proibição de que trabalhadores sem documentos busquem trabalho.Também foi bloqueada a parte que permite à polícia prender sem mandado pessoas suspeitas de terem cometido um crime pelo qual poderiam ser deportadas. Outras provisões da lei, em sua maioria processuais e pequenas revisões do estatuto vigente do Arizona, entrarão em vigor nesta quinta-feira às 12h01 locais (16h01 em Brasília).
Críticos da versão integral da legislação do Arizona dizem que ela disseminará o uso de critérios raciais e étnicos para traçar o perfil dos supostos ilegais e será utilizada para perturbar residentes legais e cidadãos latinos.
Com mais de 30% de hispânicos em sua população, o Arizona é a principal porta de entrada aos EUA para imigrantes sem documentos, abrigando 460 mil dos estimados 10,8 milhões de ilegais do país.Em sua defesa, legisladores e a governadora Jan Brewer afirmam que legislação do Arizona é uma expressão legal do direito soberano do Estado de garantir a segurança de suas fronteiras contra uma onda de imigração ilegal. O governo federal, afirmam, fracassou em atuar.
Ao entrar com seu processo contra o Arizona e a governadora republicana, o Departamento de Justiça de Obama argumentou que constitucionalmente a política de imigração compete ao governo federal, e não aos Estados, afirmando que “uma concha de retalhos de leis estaduais apenas criará mais problema do que soluções”.
No entanto, o Arizona não é a único Estado americano a agir unilateralmente contra a imigração ilegal, havendo por todo os EUA centenas de leis regulando questões como emprego, educação, benefícios, policiamento e assistência à saúde. Segundo o jornal Los Angeles Times, projetos de leis em tópicos como verificação de emprego e requerimentos para carteira de motorista estão em discussão em 45 Estados americanos.
De acordo com a Conferência Nacional de Assembleias Legislativas dos EUA, o número de leis e resoluções estaduais relacionadas à imigração chegou a 333 em 2009, um aumento de quase 1000% em relação a 2005, quando houve 32.
Segundo o mesmo órgão, neste ano pode ocorrer um crescimento ainda maior, já que, só nos primeiros três meses de 2010, os legisladores apresentaram 1.180 projetos de leis e resoluções que podem ser aprovadas até o fim do ano.
Por causa desse cenário, especialistas concordam que a ausência de uma reforma de imigração e da aplicação efetiva das leis já existentes representará um problema político crescente para o governo americano, potencialmente com mais processos nas cortes do país.
“Sem uma reforma federal, aumenta o potencial para que os 50 Estados americanos e incontáveis comunidades elaborem sua própria política migratória”, disse ao iG o cientista político Rogelio Saenz, do Departamento de Sociologia da Texas A&M University. “Esse ambiente seria preenchido por atividades judiciais para discutir a legalidade dessas iniciativas, o que ilustra a forte necessidade de uma reforma de imigração em nível federal”, disse.
O especialista em imigração Motomura Hiroshi, professor da Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia (UCLA), concorda. “Mesmo que a lei do Arizona seja anulada pela Justiça, o governo será pressionado a consertar o sistema. Além disso, outros Estados podem se inspirar na lei do Arizona”, disse.
Isso já estaria ocorrendo em 20 Estados americanos, de acordo com o “Washington Post”, que indicou em reportagem publicada em 8 de julho que pelo menos três deles – Oklahoma, Carolina do Sul e Utah – têm chances de que projetos similares à lei do Arizona sejam aprovados no próximo ano.
Para o professor Jan C. Ting, da Faculdade de Direito Beasley da Temple University, na Filadélfia, o aumento de iniciativas unilaterais dos Estados sobre a imigração decorre do fracasso dos sucessivos governos americanos. “O problema nos EUA não é tanto a falta de uma reforma de imigração. Democratas e republicanos evitam aplicar as leis existentes porque são impopulares. É impopular deportar pessoas e dividir famílias”, afirmou o especialista em imigração.
Contestação judicial
A lei do Arizona é contestada na Justiça pelo governo americano e por vários grupos de direitos civis. Como é provável que o Arizona e a governadora Jan Brewer continuem com o objetivo de adotar a lei integralmente, a decisão anunciada na quarta-feira por Bolton abre caminho para uma longa batalha legal até chegar à Suprema Corte.
Se isso ocorrer, Jan T. Ching diz que há possibilidade de o Arizona derrotar o Departamento de Justiça. “Se o processo contra a lei parar na Suprema Corte, há chance de cinco dos nove juízes decidirem contra o governo”, afirmou. “Os juízes podem concordar que os Estados podem sim aplicar suas próprias leis de imigração se elas não diferirem muito das leis federais”, disse.
Já Motomura Hiroshi, especialista em imigração da UCLA, acredita que a lei do Arizona não sobreviverá. Para ele, a medida difere de outras leis locais e estaduais sobre emprego e habitação para os ilegais por tentar regular diretamente a imigração. “Ao desafiar o Arizona, o governo americano age amplamente para evitar a discriminação (populacional) por um Estado e um governo local”, afirmou.
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