Do blog do David Coimbra
Como surgiu as sílabas
Pense no pato.
Pato.
Pato, pato, pato.
Agora imagine que você é um sumério vivendo há 5.500 anos sem saber como escreverpato, porque nunca ninguém havia escrito pato antes, mas TENDO que escrever pato para, digamos, registrar a venda de patos para um amorita que adora comer pato, como ele gosta de pato, esse maldito amorita.
O que fazer?
Bem, você sabe, de ouvido, que pato é pá + tô. É assim que se fala pato:
_ Pa… to.
“Pá” você sabe como escrever: é o desenho de uma pá, a ferramenta, coisa fácil. É isso que lhe dá a ideia de usar o desenho que representa uma pá para simbolizar a metade da palavra pato. Agora você só precisa imaginar um símbolo para tô. Embora a gramática ainda não tenha sido inventada, você se lembra da contração da primeira pessoa do singular do verbo estar conjugado no presente do indicativo, “estou”, que é, exatamente, “tô”. Aí você desenha algo que simboliza “to”. Pode ser qualquer coisa. Um quadrado, digamos. Pronto: você já pode escrever “pato” unindo os desenhos que significam uma pá e eu estou. Se você inverter a posição dos símbolos, escreverá “topa”. E se você quiser escrever “torre” já terá a primeira sílaba pronta, o “to”, faltando criar um desenho para “re”. Criado esse símbolo, você também poderá escrever “reto” e “pare”.
Você, meu caro sumério, acabou de inventar a escrita.
Pois foi seguindo mais ou menos esse raciocínio que os sumérios transformaram a escrita cuneiforme, que tinha um desenho para cada coisa ou sentimento, em uma escrita que representava as sílabas. Quer dizer: foi assim que os sumérios inventaram a escrita FONÉTICA.
Foi um invento genial, um grande avanço para a humanidade, porque existem muito mais coisas e sentimentos do que sílabas. Com algumas sílabas você registra tudo o que há sobre a terra e sob o sol. Supimpa, não é?
Ouié, mas os sumérios não chegaram à sofisticação de inventar as letras, o que seria ainda mais genial, porque com apenas e tão-somente e nada mais do que 23 letras você escreve TUDO o que existe sobre a terra e sob o sol. Pare agora e reflita sobre isso: 23 e três símbolos, combinados, representam TUDO.
Parece muito simples para você, alfabetizado desde criancinha. É que tudo parece simples depois de ter sido criado. O ser humano, para chegar à primeira forma de escrita, a cuneiforme, levou milhares de anos. Milhões, até: os pictogramas sumérios foram concebidos por volta de 8 mil anos antes de Cristo. Lentamente, a escrita cuneiforme foi sendo aperfeiçoada, até evoluir para a silábica. Isso se deu há uns 5.500 anos. A partir daí, o homem levaria outros dois mil anos até inventar o alfabeto, glória que coube aos criativos fenícios.
Até que essa façanha fosse realizada, no entanto, o ato de ler & escrever demandou comovente esforço por parte dos jovens do mundo antigo. Para tanto, os sumérios instituíram a primeira escola formal do mundo, chamada “edubba”, ou “casa das placas”. Isso porque a escrita cuneiforme se dava em placas de argila, material abundante nas margens dos dadivosos rios Tigre e Eufrates. A edubba era um anexo do templo ou do palácio real. Os professores eram mantidos por elevadas taxas pagas pelos pais dos alunos, todos de famílias de posses. O método de ensino era implacável. Os meninos, e só os meninos, nunca as meninas, eles ingressavam na escola na primeira infância e dela só saíam adultos. Tinham de memorizar centenas de sinais e podiam ser castigados com dureza à menor falta, como falar sem permissão, perambular pela rua ou não ter habilidade suficiente para desenhar o símbolo indicado pelo mestre.
Em 2.000 antes de Cristo, um desses alunos vacilantes cansou-se de apanhar e apelou para a influência paterna. O velho acedeu. Convidou o professor para que o visitasse em sua casa.
Um texto de 40 séculos de idade conta o que se passou então:
“O professor foi trazido da escola e, ao entrar na casa, fizeram com que se sentasse no lugar de honra. O escolar cuidou dele e o serviu, e tudo o que havia aprendido da arte da escrita em placas ele revelou para o seu pai”.
Em seguida, o pai, vestindo o professor com “um traje novo”, pôs um valioso anel em sua mão. O professor encantou-se de tal maneira com a generosidade da família que de pronto esqueceu o que o levara a castigar o aluno.
_ Você realizou muito bem as atividades escolares _ disse ao rapaz. _ Você se tornou um homem sábio… Isso há quatro mil anos. Como se vê, a corrupção não foi inventada no Brasil. Como já dizia o Eclesiastes, não há nada de novo debaixo do sol.
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