28 de fev. de 2012

Fanáticos pelo mercado poderiam ser mais humildes

Por Paulo Moreira Leite
Confesso que estou espantado com a insistência de determinados comentaristas que insistem na defesa fanática do mercado. A crise daquilo que já foi chamado de Primeiro Mundo deveria obrigá-los a ter um momento de humildade.
Para quem gosta de analogias históricas, estamos vivendo um Muro de Berlim do ideário conservador. Propostas e soluções defenidas como a salvação da humanidade há três décadas se revelaram irracionais e nocivas para a maioria das pessoas. Só não ve quem não quer. Estamos falando de um colapso que envolve os Estados Unidos e a Europa. São economias que concentram a maior parte da riqueza mundial, com PIBs equivalentes em torno de 14 trilhões de dólares cada uma.
Em teoria, nenhuma delas deveria estar numa situação que lembra as repúblicas sul-americanas de trinta anos atrás, não é mesmo?
Um fracasso desse tamanho deveria levar pessoas sensatas a se perguntar: será que não há alguma coisa profundamente errada com as crenças e decisões tomadas nos últimos anos? A explicação dos fanáticos pelo mercado para a crise reside numa ficção monetarista: os governos europeus gastaram demais, as contas ficaram desequilibradas, as dívidas explodiram e o colapso chegou. Simples e errado.
O problema é que nenhum governo europeu gastou demais. O único que pode ser acusado de ter exibido um comportamento desse tipo é a Grécia, cujo PIB é irrelevante do ponto de vista do Continente. Mas Itália, Espanha, Portugal, França e Inglaterra estão em crise e não podem ser enquadrados nessa situação. De uma forma ou de outra, todos estes países passaram os últimos anos reduzindo benefícios sociais, controlando salários e diminuindo investimentos do Estado. O Bem-Estar continua muito superior ao nosso mas, em termos relativos, não exibe a mesma qualidade de antes.
Por qualquer critério que se queira empregar, estes países tinham as contas em ordem e até 2008 eram tratados como alunos exemplares pelo mercado financeiro. Quando os EUA enfrentaram a queda de Wall Street, a reação conservadora foi dizer que a Europa ficaria de fora da tempestade porque tinha governantes austeros e responsáveis.
O erro era não enxergar que, nos dois lados do Atlântico, as economias operavam pelo mesmo sistema de crescer a partir de bolhas financeiras. Com elas, os mercados criaram um sistema de multiplicar empréstimos, os derivativos, que criavam uma riqueza artificial que, cedo ou tarde, iria cobrar sua conta.

Muitas pessoas culpam o sistema financeiro pela crise. Falam em ganância. É uma explicação correta mas parcial. Desde o século XVIII Adam Smith explicou que os  ”egoísmos individuais” ajudam a mover o capitalismo. Concordo que é necessário criar regras para impedir a ação de tubarões do mercado, que transformaram a economia mundial num cassino em que todos perdem para que só eles possam ganhar.
Mas a crítica à ganância pode se transformar em simples moralismo e a falta de regras transparentes, em simples ingenuidade, se não se discute o problema real — explicar o que deveria ser feito para promover o crescimento. As bolhas só proliferaram porque ajudavam a fazer a elevar o consumo e faziam a economia andar, mesmo de uma maneira artificial e insustentável. Sem elas, a economia ficaria estagnada.
Isso porque elas foram uma resposta a um problema anterior, que é o empobrecimento relativo das sociedades do ex-Primeiro Mundo. É aí que se encontra a origem das bolhas. A partir dos anos 80, com a desregulamentação da economia, o enfraquecimento das garantias sociais e as privatizações indiscriminadas, ocorreu um processo de concentração de renda na Europa e nos Estados Unidos. É impensável para muitos brasileiros. Parece estranho, quando se pensa nas nossas carências. Mas é real.
Com o fim das barreiras para o comércio exterior, muitas empresas mudaram-se para a China e os Tigres Asiáticos, empregando a mão de obra barata daquela região do mundo. As pessoas falam em produtos chineses em respeito à geografia. Na verdade, são produtos de empresas americanas e européias que são exportados para seus países de origem. Têm a mesma qualidade mas custam menos. Seu maior preço é o esvaziamento das sociedades americanas e européias.
Os bons empregos produtivos dos países desenvolvidos começaram a minguar. Surgiram economias de serviço, as sociedades do conhecimento e assim por diante. O sistema financeiro se agigantou. Na falta de riqueza real, era preciso criar meios artificiais para manter a economia funcionando.
O crédito passou a ser empregado para substituir uma renda que as pessoas não possuíam mais. Não tem a ver com a expansão brasileira de crédito. Foi um processo gigantesco e inteiramente distorcido. As famílias passavam a acumular dívidas várias vezes superiores a seu patrimonio. Pagavam quantias ínfimas das prestações do cartão de crédito, que passou a funcionar como substituto de sua riqueza perdida. Eram estimuladas a gastar o que nunca iriam pagar.
O juro era mantido baixo para que todo mundo pudesse pedir emprestado. Os mais pobres, de quem se podia cobrar juros mais altos, eram empurrados para os bancos para pedir dinheiro de qualquer maneria.
Quem procurar os rastros dessa desigualdade, irá encontrar as medidas de austeridade, corte de gastos e desregulamentação iniciada por Margaret Thatcher e Ronald Reagan. Foi ali, naquelas iniciativas contra os bons empregos industriais, os bons salários e o Estado de Bem-Estar Social, que se ampliou a desigualdade nas sociedades desenvolvidas. A ideia era que as medidas de proteção social constituiam um obstáculo a competição entre os indivíduos e eram um entrave ao crescimento. Margaret Thatcher chegava a dizer que “não existe essa coisa de sociedade. Existem individuos e suas famílias.”
Trinta anos depois, um fiasco desse tamanho deveria levar os mais crédulos a reavaliar suas convicções.  Também deveria ser uma boa razão para se investir no crescimento e evitar programas de austeridade.
Mas é difícil. Como o empobrecimento da Espanha revela de maneira exemplar, a austeridade é o caminho mais rápidos para empobrecer os pobres e enriquecer os ricos.

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