15 de fev. de 2011

Se eu não fosse do tribunal, cantada seria normal, diz ex-juiz

Por Daniel Cassol no Portal IG

Por fazer "elogio impróprio" a uma mulher, Marcelo Mezzomo se tornou o primeiro magistrado a perder o cargo no Rio Grande do Sul.

Marcelo Mezzomo é o primeiro juiz demitido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ele perdeu o emprego por conta de uma decisão dos desembargadores do TJ-RS no último dia 7. A razão foi a “conduta imprópria” do juiz ao ter assediado uma jovem funcionária de uma lanchonete na cidade de Três Passos, em maio de 2010. O caso foi revelado pelos familiares do marido da jovem.


Foto: DivulgaçãoAmpliar
Marcelo Colombelli Mezzomo, demitido por conduta imprópria do tribunal gaúcho: "Cada um tem seus limites"

Porém, o ex-juiz não consegue disfarçar a mágoa com a demissão, que ele classifica como injusta. Para ele, a cantada não teve nada de mais. “Fosse qualquer outra pessoa, nada teria de anormal", afirma. “Não matei, não roubei, não prevariquei e não fui desonesto em nenhum momento”, conclui.
Não foi a primeira vez que Mezzomo foi alvo de críticas e descontentamento no tribunal. Ele já barrou processos baseados na Lei Maria da Penha, que pune agressões domésticas, e enfrentava outros processos administrativos dentro do TJ-RS, um deles motivado por um acidente de trânsito.
Leia abaixo a entrevista, na íntegra. Ela foi feita por e-mail, a pedido de Mezzomo.
IG - Em entrevista ao jornal Zero Hora deste domingo, o senhor diz que não se importou com a decisão do Tribunal de Justiça. Por quê?
Marcelo Mezzomo - Conforme referi na entrevista, e ressalto que somente fui procurado, até o dia 10 de fevereiro, por dois veículos de comunicação para falar sobre o caso, quando era muito fácil me contactar, até através da internet, já tencionava deixar o Judiciário bem antes.No dia 7 de dezembro de 2010,  já havia encaminhado pedido de exoneração do cargo, a qual não me foi concedida. Assim sendo, a decisão trouxe-me exatamente aquilo que eu queria, ou seja, deixar o Judiciário o mais rápido possível. Não contratei advogado e, a certa altura, deixei de me manifestar no processo, exatamente porque não queria permanecer no cargo.

Inclusive, em dois e-mails remetidos à Secretaria do Tribunal Pleno, o último por ocasião da ciência de que o processo seria julgado no dia 7 de fevereiro, eu mesmo solicitei que fosse acatada a proposta de penalidade, que era a exoneração. Conforme disse e repito, importa-me o julgamento dos que me importam, não dos demais. Vivi antes do cargo e continuarei a viver após ele, pois é exatamente só um cargo público, como qualquer outro da estrutura do Estado. Minha vida nunca se resumiu a ele.
O senhor considerou excessiva a punição do TJ?
A priori, cada fato tem seu respectivo processo de apuração e ali somente o fato em questão, em regra, deve ser considerado, com possibilidade de que se utilize eventual decisão transitada em julgado como elemento de decidir. Processo em curso, sem decisão, em linha de princípio não deve ser levado em conta. Se considerado o fato em si, sobretudo porque baseado, o julgamento, precipuamente em poucos depoimentos, a punição parece-me um tanto desproporcional, e isso é uma impressão comungada por outras pessoas, como tem revelado os comentários na internet, os quais, inclusive, citam casos onde as alegadas infrações pretensamente cometidas por outras autoridades foram graves, até criminosas, e não teria havido tanto rigor nas punições. Mas isso pouco me importa.
Se a decisão me concede aquilo que eu queria, deixar o Judiciário, não me interessa da sua justiça ou não, se acertou ou não. E não irei recorrer porque não quero continuar no cargo, e não porque considere a decisão justa, correta ou proporcional.
O senhor se sente injustiçado?
Esta questão eu deixo para a população avaliar. Se coloquem no meu lugar e vejam. Mas acho que foi desnecessária a divulgação do nome e detalhes, sobretudo porque ainda poderia ser questionada a decisão, assim como acho que todas as decisões disciplinares deveriam ser divulgadas. Ou todas ou nenhuma. Se a transparência é o que se busca, então todas deveriam ser divulgadas. Houve um tratamento diferenciado e não usual ao ser divulgada só a minha punição, ainda mais com os detalhes e da forma como foi. O precedente deveria servir de marco para que a população cobre esta divulgação sempre, já que estas sessões de julgamento são públicas a teor do artigo 93, inciso X, da CF/88 [Constitução Federal] e o povo tem o direito de saber.
As testemunhas disseram que o senhor estaria sob efeito de álcool ou drogas na ocasião. O mesmo foi dito pelo desembargador Túlio Martins, em entrevistas à imprensa. O senhor confirma?
Bem, primeiramente, para que alguém afirme que uma pessoa está embriagada ou sob influência de drogas é necessário exame clínico ou teste específico, não se podendo invocar presunções. Parece-me extremamente temerário fazer afirmações deste teor sem estas provas.
Quanto à situação específica, nego peremptoriamente as afirmações de que estaria sob influência de drogas ou álcool. Aliás, pessoas que afirmam tais coisas certamente desconhecem meu histórico de vida, desconhecem que, na comarca de Erechim, lancei pioneira campanha contra o crack em março de 2008. Ainda quando lá trabalhei, realizei, de forma gratuita, 53 palestras em 18 municípios de quatro comarcas, em escolas e comunidades, às vezes longínquas, a maioria fora de horário de expediente e às custas do meu horário de descanso, onde, além de vários aspectos da cidadania e dúvidas a ela relativas, também tratei da temática das drogas e do álcool. Minhas posições foram deixadas bem claras. Basta procurar as escolas de Erechim para se confirmar o que aqui afirmo.
O que, exatamente, aconteceu na ocasião?
Não ofendi e não agredi ninguém. Aliás, sequer sabiam que eu era juiz, pois não falei. Ficaram sabendo, como referiram em reportagens, depois, por outros. Foi apenas um elogio normal e conversei em tom jocoso. Quanto a passar dos limites, cada qual tem os seus, uns razoáveis, outros, não. Os meus são os de qualquer pessoa normal e não me cabe sindicar a razoabilidade da pauta de limites dos outros. A minha conduta não teve nada de extraordinário, salvo o caso de eu ser juiz. Fosse qualquer outra pessoa, nada teria de anormal.
A posição sobre a lei Maria da Penha foi outra polêmica do senhor em sua carreira de magistrado, além de outros processos administrativos que tramitam no TJ-RS. O senhor se considera um juiz polêmico?
Não faço as coisas para ser polêmico, mas defendo minhas posições com coragem e fundamentação, sempre. Se isso é ser polêmico, então sou. Até onde sei, estamos em um Estado democrático de direito, e não em um regime totalitarista, e isso é um direito do cidadão.
No caso da Lei de Violência Doméstica [a lei Maria da Penha], minhas decisões foram fundamentadas estritamente em uma interpretação constitucional, nada tendo a ver com machismo ou coisa que o valha. Tanto é plausível esta interpretação que há ação no Supremo tratando do tema. Infelizmente, como é de costume no Brasil, pessoas, muitas delas, o que é pior, com conhecimento técnico, se puseram a falar das decisões sem sequer conhecer o seu teor, ou seja, falaram sem conhecimento de causa e cometeram erros crassos.
Deveriam ter lido “Conhecendo a Inconstitucionalidade da Lei de Violência Doméstica” e, principalmente, “Violência Doméstica, Constitucionalização Hermenêutica e Aplicação do CPC”, onde mencionei os fundamentos e apontei a solução ao problema de antinomia constitucional e, principalmente, se inteirado do teor das decisões antes de comentar. Quanto a sair da magistratura ser bom, para mim foi ótimo, pois não me permitia desenvolver plenamente minhas potencialidades, algo que, pra mim, é mais importante que remuneração, status ou segurança que um caro público possa propiciar.
O que o senhor pretende fazer profissionalmente agora?
Pretendo escrever, advogar e também lecionar, esta última minha grande vocação. Inclusive, estou escrevendo um livro de ficção com temática voltada à ciência no momento. Se a repercussão pode me prejudicar? Acho que não, em vista de pessoas que reflitam um pouco e que analisem a situação com maior profundidade e não embasados no estardalhaço midiático que foi feito, procurando inteirar-se de toda a situação.
Não matei, não roubei, não prevariquei e não fui desonesto em nenhum momento. O processo trata de uma conduta estritamente pessoal, não profissional, e muito menos de capacidade intelectual ou para o exercício de qualquer profissão. Quem quiser saber da minha capacidade profissional procure os mais de oitenta trabalhos que tenho publicados em mídia eletrônica e impressa. Fosse um profissional ruim, não teria sido encaminhado, ao TJ-RS, um abaixo assinado de populares, com centenas de assinaturas, para que eu ficasse em Erechim por conta do bom trabalho realizado naquela comarca, quando de lá fui transferido.
O senhor se ressente da publicidade do caso?
Com certeza, foi um exagero. É só um servidor público perdendo um cargo público, e o fato associado não ostenta nenhuma gravidade. Um fugaz momento de mudança em minha vida, que muito pouca preocupação me trouxe, aliás, foi transformado em assunto nacional por uns dias. Nestas horas é que me pergunto: será que não há nada mais útil para ser posto à discussão? Olho em volta e vejo tantas outras situações e questões, estas sim graves e de interesse coletivo, sendo negligenciadas, esquecidas.
Talvez agora, fora do Judiciário, possa me dedicar, com a necessária energia, a ajudar na resolução destes problemas e questões, coisa que todos deveríamos fazer. Mas enquanto assuntos com a significância da minha exoneração, ou mesmo do abandono do futebol pelo Ronaldo, transmitido em cadeia nacional, por vários minutos, continuarem a ser a tônica das notícias e conversas, acho que vamos continuar a conviver com as mazelas do subdesenvolvimento social e econômico e continuarmos a ser uma colônia intelectual e tecnológica de outras nações. Fica o convite à reflexão.

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