Conheci uma mulher com um papagaio. No início, achei que tudo bem, um papagaio é um bicho de estimação como qualquer outro, mais participativo que um peixe, certamente, e talvez menos que um cachorro. Mas não é bem assim. O papagaio era brabo. E, o pior, ciumento. Até tentei conquistá-lo. Fazia-lhe agrados, trazia-lhe bananas, que papagaio gosta de banana. Não adiantava. Ele abria as asas, furioso, e tentava me atacar. A bicada do papagaio era poderosa. Uma vez, fui lhe fazer tiuque-tiuque e ele cravou o bico no meu dedo. Tirou sangue. Camila, esse o nome da minha namorada, Camila sempre ficava ao lado dele.
- Também, tu provoca o Lourinho – dizia, alisando a cabeça verde do desgranido.
Eu odiava aquele papagaio.
Não havia descanso quando estávamos no apartamento dela. O desgranido não podia nos ver juntos, se enchia de ciúmes, dava rasantes na minha direção. E me insultava. Se Camila ia para a cozinha ou estava tomando banho, ele voava até perto de mim, pousava sobre um armário, me olhava de lado e tascava:
- Cooooorno!
Cheguei a cogitar se o papagaio sabia de algo que eu não sabia. Aquele papagaio estava acabando com o meu namoro.
Mas um dia…
Um dia fiquei sozinho com o papagaio. Camila foi chamada às pressas no trabalho, saiu correndo e, pela primeira vez, nos encontramos a sós no apartamento, eu e o desgranido. Uma emoção intensa se espalhou pelo meu peito. Que oportunidade! Eu era maior, mais forte e contava com a inteligência humana a meu favor. Ele, ao contrário, tinha poucas rotas de fuga, um espaço limitado para se locomover e fora desprovido da sua única arma defensiva: Camila.
Minha primeira medida foi restringir a área de atuação. Fechei todas as portas de comunicação do apartamento. Ficamos na sala, eu e ele. O desgranido me olhava do alto da estante. Notei sua apreensão _ pela primeira vez, via-se em desvantagem.
- Fala agora, desgranido! – desafiei-o. – Não vai falar? Não vai me provocar?
Ele calado, ofegante. Ri. Esfreguei as mãos.
- É o teu fim, desgranido! Ela é minha, entendeu? Só minha!
Gargalhei. Minha gargalhada reboou pelas paredes da sala e arrepiou as malditas penas do papagaio. Mas não sabia bem o que fazer. Se o atirasse para fora do apartamento, ele voltaria. Devia estrangulá-lo? Sim, sim, estrangulamento era uma boa idéia. Pensei no desgranido estrebuchando em minhas mãos, cheguei a sentir o estalo seco do seu pescoço torcido por meus dedos de aço, e isso me fez feliz. Olhei para ele. Tenho certeza que engoliu em seco, ao cruzar com meu olhar homicida. Tenho certeza! Isso também me deu prazer.
Não poderia agarrá-lo com as mãos nuas, ele me bicaria selvagemente. Uma luva! Precisava arranjar uma luva. Lembrei da luva com a qual Camila pega as panelas quentes, na cozinha. Boa! Corri até lá, tendo o cuidado de não deixar a porta aberta. Calcei a luva. Voltei, rápido. Mas, ao entrar na sala, ué? Cadê o desgranido? Sumiu. Comecei a vasculhar a sala. Atrás do sofá, atrás da estante, atrás da televisão. Nada, nada, nada. Onde ele se meteu? Eu suava. Tremia de emoção.
Resolvi sentar um pouco e pensar. Calma. Sim. Precisava de calma. Instalei-me na poltrona. Tentei ficar confortável. Respirei fundo. Deixei o olhar voar pela sala. Esquadrinhei o ambiente.
Então o vi. Sobre a mesinha de centro. Camuflado pelo verde da erva do chimarrão que eu e Camila havíamos tomado. Esperto, aquele papagaio. Não hesitei. Saltei sobre ele. Antes que pudesse dizer um có, o havia dominado. Olhei para meu rival imobilizado dentro da luva de pano. Ele sequer tentava bicá-la. Sabia que estava perdido.
- É hora de morrer – disse. Eu era o Blade Runner.
Preparei-me para a execução. Cingi seu pescoço verde. Ri de contentamento. Aí ele grasnou:
- Eu sei.
Parei. Olhei nos olhos dele. Olhos de quem sabia. Do que ele sabia? Vacilei. Será que não estava eliminando minha única fonte?
- O que tu sabe? – gritei. – O quê???
Ele me encarou, desafiador. Repetiu: – Eu sei. Ele sabia. Era evidente que ele sabia. Desgranido! Não podia matá-lo. Não podia silenciar o único que realmente tinha informação privilegiada naquela casa. Abri a mão lentamente. Pensei que ele ia voar para o alto da estante, mas não, ficou paradinho na minha mão, me encarando. Eu olhava para ele, ele para mim. Eu para ele. Ele para mim.
Nesse momento, ouvi um barulho na porta. Camila entrou. Flagrou-nos naquela situação: eu sentado no chão da sala, com o papagaio na minha mão. Sorriu:
- Que maravilha! Tu finalmente conseguiu conquistar o Lourinho! Que amor!
Aproximou-se de nós. Ajoelhou-se ao meu lado. Pespegou-me um beijo na boca. Afagou o papagaio.
- Vou buscar uma champanha para comemorar essa nova amizade – anunciou, levantando- se e deslizando para a cozinha. Mal ela saiu da sala, o papagaio voou para o alto da estante. Pus-me de pé e fiquei olhando para ele. Lá de cima, ele me fitou com um ar debochado e, com voz debochada, gritou:
- Coooooooorno!
Eu realmente odeio aquele papagaio.
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