23 de fev. de 2011

Análise nietzschiana do Filme Cisne Negro

Comentário: não vi o filme, mas segue uma análise nietzschiana de cisne negro feito Por Renata Rodrigues Ramos em seu Blog aurora de Nietzsche.





Em meio a milhares de cisnes brancos, eis que a natureza se excepciona: nasce um exemplar negro

Ontem assisti ao filme “Cisne Negro” e a melodia forte de Tchaikovsky me fez convulsionar de emoção; o filme é um hino ao dionisíaco: à esquizofrenia colérica e assassina, que faz pulsar a vida na forma de paixões desenfreadas, de arroubos espontâneos e de sensualidade concupiscente.
Nina, interpretada por Natalie Portman, nasceu cisne branco. De início: o nome dado ao filme não o traduz de maneira excelente; deveria chamar-se “Cisne Branco”. No filme, Nina encarna Apolo (o deus grego da perfeição lúdica e onírica, da frigidez e da fragilidade). 
Por sua vez, Lily (a colega que Nina tanto invejava) detém a face negra que Nina desconhecia. Lily representa a força, a sensualidade, as vísceras. Ela se entrega às paixões, ao drama, ao lado esquizofrênico da vida. Lily personaliza Dionísio, o deus grego da cólera, do fogo, da dor, do medo, das lágrimas, da ausência de controle, da raiva, da vingança, da sensualidade...
Na tragédia grega, assim como no filme, nos deparamos com a internalização dos arquétipos de Apolo e de Dionísio. Com efeito, esses dois irmãos olímpicos coabitam as profundezas dos homens num ballet harmônico, embalado por uma música sublime rumo à reconciliação. 
Nina não era um cisne negro, ao passo que não encarnava a mulher superior, excepcional. Isso porque, no afã pela técnica e pela perfeição, repudiava sua sombra - ela rechaçava o seu Dionísio e o projetava em Lily. 
Um dia Nina furta os objetos de Beth (a bailarina perfeita representada por Winona Ryder) e vai ao encontro do diretor Thomas, para lhe suplicar o papel de rainha cisne. Thomas não havia pensado em Nina, achava-a meiguinha e frígida demais, ele apenas a via como um cisne branco - muito talentosa, mas sem qualquer brilho único. Todavia, quando Nina o morde, ele reconsidera a decisão, pois vislumbra uma nesga de potencial dionisíaco, que agitado poderia transfigurá-la numa bailarina grandiosa.
Sim, na tragédia grega todos os homens possuíam ambos os potenciais. Em uns, Apolo falava mais alto; em outros gritava Dionísio; o resultado deste desequilíbrio é um bando de cisnes brancos ou, em termos empregados por Nietzsche, um bando de espíritos escravos e inferiores.
Numa das cenas, Thomas se irrita com a ausência de selvageria e de sensualidade na performance de Nina e lhe adverte: “ - vc poderia ser brilhante, mas é covarde.” Nina simplesmente não consegue representar o cisne negro, ela o falseia o tempo todo.
Contudo, o lado dionísico de Nina - quase que anulado pela ausência do hábito - grita no ensejo de emancipação. Daí que Nina o projeta todo em Lily: ela elegeu Lily como sua sombra. Thomas a avisou disso também: “a única pessoa no seu caminho é você mesma.” Thomas bem que tentou emancipa-la, no entanto predominava em Nina a fraqueza onírica de Apolo. 
Nina foi covarde e medrosa, ao passo que projetou sua sombra em Lily e matou em si  o apolíneo, para ver surgir o dionisíaco. Nina se libertou, mas, para isso, optou por pagar o preço mais alto: o suicídio. Dionísio é assim: rebelde e assassino. Dionísio necessita de Apolo, caso contrário tende naturalmente à autodestruição.
Para dar vida ao dionisíaco tão silencioso que nela habitava, Nina teve que matar literalmente o apolíneo; como ela encarnava o apolíneo em essência, teve que matar a si mesma.
Na natureza os cisnes são sempre brancos, essa é a regra; todavia, por uma mutação genética - um disparate do absurdo - , nasce um exemplar negro em meio à multidão branca. Por ser diferente, o cisne negro será chutado, rechaçado e recusado e, num sentido darwiniano, será varrido da existência caso deixe-se conduzir pela fraqueza.
De outra banda, a sobrevivência dos espíritos soberanos - dos genuínos cisnes negros - depende de uma força abundante de vida que os fará reconciliarem-se com seus opostos; quando se enxergarem reconciliados e emancipados, não mais nadarão sozinhos; ao contrário, dançarão o mais lindoballet com seus irmãos excepcionais - voarão sempre acima do bando de cisnes brancos - , que se beliscam e se ferem por não saberem voar.
Certa feita, confundiram o homem superior com um patinho feio. Que grande equívoco! O homem superior sempre foi um milagroso cisne negro a dançar o mais lindo ballet nas águas da existência.
Por Renata Rodrigues Ramos

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