Marciano Buffon *
Quando se discute a questão tributária brasileira, invariavelmente constata-se que o tamanho da carga atingiu os limites de suas possibilidades, não havendo espaço para qualquer espécie de incremento. Em vista disso, há de se examinar quais são as reais perspectivas de uma redistribuição e, sobretudo, redução da carga fiscal.
Para tanto, o que se pretende aqui, é analisar como os recursos públicos estão sendo empregados. É certo que uma abordagem desta natureza sempre será limitada e superficial, dada a complexidade da temática envolvida. No entanto, é válido refletir acerca de um dos principais destinos dos recursos públicos arrecadados. Está-se falando, pois, do custo suportado pelo Estado Brasileiro com os juros da dívida pública.
Vale lembrar que, nas décadas de 1980 e 1990, os organismos financeiros internacionais venderam “mundo afora” a fórmula, segundo a qual, o Estado deveria ter como principal meta a obtenção de superávit fiscal. Ou seja, difundiu-se a idéia de que o Estado deveria gastar menos do que arrecadasse, para que fosse possível, com isso, produzir o “superávit primário”, assim denominado por não serem computados os dispêndios necessários para financiamento da crescente dívida pública.
Esta posição teve ampla aceitabilidade, tendo em vista que havia – e ainda há – uma crescente desconfiança relativamente à qualidade do gasto estatal, especialmente pelos visíveis desperdícios de dinheiro público, com a realização de obras faraônicas, bem como em razão dos escândalos de corrupção. Além disso, como se sabe, o déficit público é um dos elementos mais fortemente presentes em um processo inflacionário, à medida que a emissão de moeda passa a ser utilizada como solução para o descompasso entre receitas e despesas públicas. Esse processo, em muitas situações, é controlado com a elevação das taxas de juros, visando, por um lado, atrair investimentos em títulos públicos e, por outro lado, desestimular o consumo.
A elevação das taxas de juros tem, entretanto, um custo social altíssimo, já que o Estado passa a ter necessidade de arrecadar cada vez mais, para fazer frente às crescentes exigências do mercado financeiro, relativamente à remuneração do capital investido em títulos públicos. Concomitantemente, o Estado reduz suas possibilidades de carrear recursos para outros inadiáveis investimentos. Além disso, taxas de juros demasiado elevadas implicam inequívoca retração no consumo e redução de investimentos no setor produtivo.
No caso específico do Brasil, é inaceitável que, como regra, haja um sistemático aumento na arrecadação de tributos e, em decorrência disso, apure-se um maior superávit primário (arrecadação menos despesa pública) para que, após a dedução dos juros pagos, a dívida pública aumente. Isto é, embora o Brasil arrecade muito mais do que gasta, esse excesso de arrecadação é insuficiente para fazer frente aos dispêndios necessários para financiamento da dívida pública.
É relevante lembrar ainda que aqui, como ocorre em muitos outros países, a competência para fixação da taxa de juros básica (denominada atualmente de Taxa SELIC) cabe justamente ao Banco Central. O que se torna, quase consensualmente incompreensível, é o fato de que a taxa que remunera os investimentos em títulos públicos continue a ser, por muitos anos, uma das mais elevadas do mundo.
É certo, entretanto, que, em países como o Brasil, o histórico do processo inflacionário representa um verdadeiro “fantasma”, que isso fragiliza sobremaneira os argumentos contrários a uma política de combate ao déficit público, como principal meta de governo. Os elevados índices de inflação, bem como o processo inercial que se instalou ao longo da década de oitenta e da primeira metade da década de noventa, tornam bastante discutível a opção de se conviver com índices de inflação, mesmo que controlados.
Enfim, reconhece-se que os avanços ocorridos foram importantes no sentido de consolidar a estabilidade econômica nos últimos tempos, notadamente com o controle da inflação e uma redução gradual da taxa de juros. No entanto, há de se ter presente que a taxa de juros oficial ainda corresponde a um importante entrave no desenvolvimento econômico e social, além de implicar a necessidade de se manter a carga tributária nos níveis que ora se encontra. Ou seja, enquanto houver tamanha premência de se arrecadar recursos para a apuração de um superávit primário suficiente para fazer frente aos juros incidência sobre a dívida pública, dificilmente criar-se-ão condições concretas de redistribuição e redução da carga tributária.
Portanto, não é inadequado dizer que, uma das condições de redução da carga tributária, reside na adoção de uma política de redução significativa da taxa de juros ora ainda existente. É claro que esta opção política/econômica tem, por um lado, beneficiários e, por outro, prejudicados. Em relação aos beneficiários, inequivocamente pode-se dizer que se encontram todo setor produtivo e a parcela mais representativa da população. Sendo assim, qualquer opção neste sentido é muito mais do que apenas justificável.
* Advogado Tributarista, Doutor em Direito, Vice-Presidente Jurídico do IBTEC.
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