por Luciano Suassuna
A dificuldade dos candidatos em fazer uma campanha presidencial em cima de novas ideias e a lentidão na formulação das propostas de governo, a ponto de Dilma Rousseff e José Serra entregarem programas apenas na última semana do segundo turno, evidenciaram o óbvio: com o governo Lula, esgotaram-se os contratos político, econômico e social estabelecidos na redemocratização. E o Brasil precisa agora de uma nova agenda, sobre a qual a elite nacional mal pensou e, por isso, carece de consenso.
Ao fim do regime militar, o País tinha três metas coletivas, ainda que os partidos políticos, os grupos econômicos e os movimentos sociais divergissem nos detalhes. Havia um contrato político a ser feito, que era a democracia, com nova ordem jurídica, respeito às regras, fim da censura e eleições diretas. Havia um contrato econômico, ancorado na estabilidade, na abertura de mercados e na retomada do desenvolvimento. E um contrato social, atendido com a criação de uma rede de proteção, com seguro desemprego, implantação do SUS, universalização das matriculas escolares e distribuição de renda.
Agora o Brasil tem pela frente um período de grandes oportunidades, favorecido pelo que construiu nesses anos, pela liquidez internacional, pelo desenvolvimento da nossa matriz energética, pela descoberta do pré-Sal, pela redução da natalidade e pelo chamado bônus demográfico, evento que acontece uma vez na vida de uma nação, quando a maior parte da população se encontra em atividade. Ou seja, o novo governo abrirá uma fase em que os pré-requisitos para o crescimento acelerado estão dados. Mas ao mesmo tempo não está claro onde se quer chegar.
O que o Brasil precisa no ciclo a ser iniciado com o pós-Lula é de renovar seus contratos político, econômico e social com o objetivo de se tornar uma nação desenvolvida. A estrada para o primeiro mundo é longa, mas facilmente percorrida se o país estabelecer isso como um compromisso coletivo, evitando mudanças de rumos a cada disputa presidencial. A França fez isso depois da Segunda Guerra, nos chamados “30 anos gloriosos”, quando o país eliminou a pobreza extrema. Na Grande Paris a última favela foi erradicada na década de 1970. Espanha e Portugal fizeram isso em menos de duas décadas, entre as reformas liberalizantes da segunda metade da década de 1980 e a moeda única européia, de 2002.
A crítica ao atual modelo brasileiro está presente na imprensa, no Parlamento, na academia e nas associações de classe, ajudando a compor uma agenda de reformas estruturais que vem sendo falada desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Esse debate permite agora consolidar três palavras-chave que resumem os desafios do caminho do Brasil ao primeiro mundo. Que fique claro, também, que a exemplo do que aconteceu nos 25 anos de redemocratização, isso não é tarefa para um governo apenas, nem monopólio de um único partido ou grupo econômico ou social.
Transparência, o novo contrato político – Ela se faz necessária para reduzir o fosso que atualmente separa a sociedade da classe política e cidadãos do Estado. Nos debates oficiais tem sido chamada de reforma política, mas esta é na verdade apenas uma mudança eleitoral. Voto distrital e sistema de listas podem ampliar a vigilância do eleitor sobre os eleitos e diminuir o caixa 2 das campanhas. Mas o novo contrato político pressupõe a reforma do Judiciário, para agilitar decisões, e do código de processo penal, para reduzir a complacência com a impunidade e os subterfúgios na punição de crimes. A transparência também incita a uma grande mudança nas máquinas dos governos para implantação, nos três níveis de administração, de protocolos que uniformizem os serviços oficiais e permitam aos cidadãos uma comparação de eficiência. Sem isso, vamos manter, apenas como exemplo, a atual distorção em que escolas, muitas vezes vizinhas, são avaliadas de maneira diferente apenas porque uma é municipal (e está subordinada à leitura política que o prefeito deseja fazer dos resultados) e outra é estadual ou federal. Educação, saúde e segurança pública deveriam ser a prioridade na implantação dos protocolos. Como exemplo, um protocolo deveria determinar qual a estrutura mínima de uma boa escola, quantos professores por alunos deve ter e os dados relativos a banda larga, biblioteca e quadra esportiva. Outro serviria para avaliar professores, quantos dias passam em licença e quando precisam se reciclar num curso de capacitação, entre outros pontos. A criação de protocolos deve se estender à gestão do funcionalismo, às aposentadorias e a um conjunto de normas e licenças ligadas à economia (leia no próximo parágrafo). Da mesma forma, o Bolsa Família deveria deixar de ser uma concessão do governo para se tornar um direito comum a todos, com a devolução, via imposto de renda, de quem não for elegível ao benefício.
Competitividade, o novo contrato econômico – O Brasil está em pleno processo de transformação: ao mesmo tempo em que começa a se apresentar como global player está saindo de uma economia agrícola e industrial para uma economia de serviços. No atual debate, o nome da competitividade é Custo Brasil, mas essa é uma visão que privilegia o peso dos impostos e a modernização da infra-estrutura. Esses são, de fato, os dois elementos mais prementes para empresas e cidadãos, mas eles só serão efetivos se houver antes um esforço macroeconômico de redução dos gastos públicos, com mais concessões à iniciativa privada, e de ampliação da capacidade de poupança – duas medidas obrigatórias para que o sistema financeiro ofereça dinheiro de longo prazo com juros baixos. Ao lado disso, o Brasil precisa de novas medidas no mercado de capitais, para atrair dinheiro externo para investimentos de retorno lento. E ainda uma mudança na legislação trabalhista para se adequar a essa sociedade urbana, ancorada na economia de serviços, com alta mobilidade de empregos e empregados. Na economia, um sistema nacional de protocolos para concessão de licenças de toda sorte, das ambientais às de abertura de empresas, precisa ser criado. Ele é indispensável para apressar a guinada econômica em favor dos novos empreendedores.
Qualificação, o novo contrato social – Depois de montar uma rede de proteção e assistência que, entre outras coisas, acabou com a miséria, o Brasil precisa ser uma nação melhor, um povo mais qualificado. Talvez esteja aqui a agenda mais extensa e que mais renderá votos aos políticos. Muito cabe no guarda-chuva da qualificação, como a implantação do turno único nas escolas, a obrigatoriedade da aprendizagem da segunda língua e a universalização das creches. Da oferta geral de tratamentos odontológicos pelo SUS e de programas de reabilitação para dependentes químicos até a unificação das polícias, é na construção de um povo mais educado e menos violento que se dará o grande salto de desenvolvimento do Brasil.
O parco debate durante a campanha retarda a criação do consenso sobre qual trilho seguirá o Brasil para chegar ao primeiro mundo. E coloca o novo governo numa zona cinzenta semelhante à do governo José Sarney, na largada da redemocratização. Com essa fase histórica chegando a seu ocaso, o próximo presidente parece fadado a conviver com uma administração, um Congresso, movimentos sociais e associações de classe oscilantes. Neles, novas ideias e práticas antigas se mesclam e por vezes atrasam a transparência política, a competitividade econômica e a qualificação social que paulatinamente nos transformarão num país desenvolvido.
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