No domingo 3 de outubro, ele acordou mais cedo do que de costume. Era um dos dias mais importantes de sua vida política. Foi votar e, diferente dos outros 135 milhões de eleitores, nada foi secreto. Aos domingos, almoça com a família. Naquele dia, não fez diferente. Depois, deixou a casa de sua filha e seguiu para a do amigo Andrea Matarazzo. De lá, foi descansar. Dormiu a tarde toda e quando acordou ouviu uma televisão ao longe anunciando que ele, José Serra, já estava no segundo turno das eleições presidenciais.
Foi o final de um primeiro turno difícil. Antes do primeiro debate da Rede Globo, no dia 30 de setembro, os ânimos estavam alterados entre os integrantes da campanha tucana. Precisavam fazer uma aposta para definir a estratégia de Serra no confronto.
Interlocutor próximo ao candidato, o deputado eleito Jutahy Magalhães Jr. (PSDB-BA) pediu para o coordenador de marketing, o jornalista Luiz Gonzalez, bater o martelo. "Vamos para o segundo turno ou não?", perguntou o parlamentar. O marqueteiro respondeu assertivamente, o que definiu a tática: manter o debate no zero a zero, apostando na diferenciação entre os candidatos.
Mas para o segundo turno que se encerra neste domingo 31, jogar pelo empate não é uma opção. O candidato e as lideranças partidárias de sua coligação tiveram de tornar pública sua descrença nos institutos de pesquisa, que não captaram - na opinião deles - a movimentação do eleitorado em favor de Serra na primeira fase da campanha. Se antes o candidato dizia que "pesquisa vai, pesquisa vem", agora ele prefere afirmar que os levantamentos não são confiáveis e trabalham para o PT. A estratégia pretendia evitar a desmobilização das bases e o desânimo dos integrantes da campanha.
Segundo serristas, o partido chega ao fim do segundo turno tentando manter acesa a esperança de vitória. Poucos ainda afirmam ter certeza do êxito, como fez Gonzalez entre o primeiro e o segundo round. Assim, nasce uma espécie de "endomarketing", palavra do jargão gerencial que signifca marketing "para dentro". Responsáveis pelas pesquisas internas e os que têm acesso a elas decidem divulgá-las internamente para manter o ânimo e evitar debandadas diante de números desfavoráveis na maioria das pesquisas públicas.
Para o candidato, esta campanha foi - desde o primeiro dia - uma batalha de David contra Golias. "Nós somos David", afirmou Serra em um discurso durante o segundo turno. Este, inclusive, foi o dilema que pautou muitas das reuniões entre ele e um grupo seleto de tucanos ao longo de 2009 na casa de Matarazzo, quando Serra ainda não era o candidato do PSDB ao Planalto. "Ele nunca joga com uma única opção", afirmam aliados. Detalhista, o tucano mediu todas as possibilidades antes de se atirar na campanha.
Ele poderia ter sido candidato à reeleição no governo de São Paulo. Parte de seus colegas de partido defendiam que assim o fizesse, para tentar a presidência quatro anos depois. Isto, por não acreditarem que a adversária Dilma Rousseff (PT), uma vez no Planalto, conseguiria manter os patamares lulistas de aprovação. Os demais evocavam o dever cívico de Serra, que antevia uma crise cambial nos próximos dois anos.
Serra assumiu o Palácio dos Bandeirantes já desejando a presidência, segundo aliados. Em 2009, começou a estudar as condições para que isto fosse possível. À mesa com seus interlocutores mais próximos, colocou as necessidades de primeira ordem: partido unido, estruturas estaduais e um discurso forte de oposição. Os aliados passaram o ano tentando convencê-lo a se candidatar e ele passou o ano levantando argumentos para não o fazer. Os colegas decidiram, então, trabalhar pela candidatura como se ela fosse garantida.
Em janeiro de 2010, Serra encomendou um levantamento ao pesquisador Antonio Lavareda. As projeções mostraram que ele começaria o horário eleitoral gratuito 10 pontos atrás de sua principal adversária. O que de fato aconteceu. A pesquisa foi feita em segredo, não fosse um dos aliados ter revelado o resultado dela ao senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e ao então governador de Minas, Aécio Neves (PSDB-MG). Este desejava ser o tucano a correr em direção ao Planalto.
Serra pediu ao coordenador nacional da campanha, senador Sérgio Guerra (PSDB-PE), que sondasse Aécio para o caso de o paulista desistir da Presidência. Isto gerou expectativas no ex-governador de Minas a respeito de uma eventual desistência de Serra. Ainda em meados de janeiro, diferente do que se esperava, o primeiro a ouvir de Serra que ele sairia candidato foi um petista, o atual dono da cadeira presidencial, Luiz Inácio Lula da Silva. Publicamente, ele só revelou o "segredo" em 4 de abril, depois de deixar o governo de São Paulo nas mãos de seu fiel colega, Alberto Goldman (PSDB).
Aécio foi o primeiro homem do partido a receber a notícia, dizem aliados. Nesta época já se ventilava a possibilidade de o político mineiro se tornar o vice do paulista. Desejando o Senado, Aécio descartou a possibilidade e, após deixar o governo de Minas para concorrer ao lado de Itamar Franco, viajou de férias para a Europa.
Ainda assim, o partido não descartava a possibilidade de ver Aécio na vice. Durante a viagem, um dos principais aliados do ex-governador de Minas foi a São Paulo e sinalizou a Serra que Aécio aceitaria entrar na chapa presidencial, o que, no entanto, não aconteceu e atrasou ainda mais as negociações sobre quem ocuparia o posto.
As crises internas marcaram o primeiro turno. Serra foi isolado e se isolou. Homem de temperamento forte, coleciona desafetos, mas mantém poucas e fieis amizades. Submeteu-se a mudanças gradativas na sua maneira introspectiva de interagir. Passou a abraçar eleitores, distribuir afeto, adotou um visual mais informal e algumas gírias. Por que não? Apaixonado confesso por sua filha Verônica, suas mãos só vieram à cabeça com preocupações no período em que ela estava exposta em cadeia nacional após ter seu sigilo fiscal quebrado.
O mesmo homem que recomendou - brincando - a Índio da Costa (DEM-RJ), seu vice, que fosse discreto com amantes, é aquele que, próximo ao segundo turno, defendia publicamente os valores cristãos, lia trechos bíblicos no horário eleitoral e visitava igrejas católicas em algumas cidades. Com fama de centralizador, Serra gosta mesmo é de garantir o sucesso de suas empreitadas. Cada visita sua a alguma cidade precisava - necessariamente - de seu próprio aval. Assim como fez para anunciar sua candidatura e a de seu vice, Serra deixa seus assessores e aliados de cabelo em pé por postergar as decisões.
Atrasos de mais de uma hora foram habituais ao longo da campanha. As claques de bandeiras hasteadas ficaram às vezes sem saber se veriam o candidato, que poderia, a qualquer minuto, mudar o trajeto da caminhada prevista. Com dificuldade para dormir, devido à ansiedade, raras vezes o tucano teve atividades de campanha marcadas para o período da manhã. Seu último dia de campanha contou com uma carreata às 10 horas da manhã. Mas segundo ele, a agenda seria "moderadamente de manhã". Seus amigos mais íntimos já sabem: o melhor horário para conversar sobre problemas é de madrugada.
Experimentado em campanhas eleitorais, o humor do tucano mudou pouco na reta final do segundo turno. Integrantes da equipe da campanha já esboçavam desânimo a dias da eleição presidencial, enquanto Serra mantém a crença na vitória até o final, desafiando os institutos de pesquisa. "Tenho confiança de que vou vencer", continua a afirmar a interlocutores.
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