por Fátima Gondim * no Falando em justiça fiscal
A maioria dos brasileiros acredita não pagar impostos. A invisibilidade da tributação indireta reforça esse engano.
Como o que os olhos não vêem, o coração não sente, sem vislumbrar o que se recolhe ao erário, perde-se a consciência sobre a adequada destinação do recurso, o desperdício e, principalmente, o interesse público.
Se há pouco ou nenhum conhecimento da maioria da população a respeito de quem efetivamente paga a conta, o que dizer da alocação dos recursos públicos? Paraque(m) pagamos impostos? A resposta a esta pergunta e sua visibilidade, sempre tão questionada pelo cidadão e pela opinião pública, é fator decisivo nos caminhos da cidadania fiscal e na busca por trazer ao debate segmentos da sociedade historicamente alheios ao mundo fiscal.
O Comunicado da Presidência do IPEA, datado de junho de 2009, analisa o destino da carga tributária, destacando os principais programas e ações do governo federal, em termos de volume de recursos e número de beneficiários.
O estudo compara o que foi recolhido aos cofres públicos e o que foi destinado aos programas de governo nas áreas de saúde, educação, previdência e assistência social, desenvolvimento agrário, dentre outras. Ressalta, também, dentre as despesas do governo, o montante destinado ao pagamento dos juros da dívida pública.
Apesar da carência de estudos nessa área em termos desagregados (por família e faixa de renda), alguns dados, mesmo globais, ressalvam a expressiva concentração de renda decorrente da política de juros altos.
Segundo o IPEA, o montante destinado ao pagamento de juros da dívida pública recebeu em 2008, somente do governo federal, 3,8% do PIB (não incluídos os pagamentos dos Estados e municípios), enquanto o Programa Bolsa-Família que complementa renda de 11,6 milhões de famílias, custou ao governo federal 0,4% do PIB: dez vezes menos!
O financiamento do Programa Bolsa Família exige arrecadar o equivalente a um dia e meio do contribuinte. Já para financiar a ciranda financeira, União, Estados e Municípios destinam, em conjunto, 5,6% do PIB (valores de 2008), ou seja, 20 dias e meio do contribuinte, cidadão brasileiro; quase um sexto de toda a Carga Tributária arrecadada em 2008.
Comparado ao que se destina à saúde e educação, a “derrama” dos cofres públicos – para patrocinar escandalosos ganhos aos rentistas – fica ainda mais aberrante. Para o SUS, em 2006, foram destinados 3,6% do PIB, ou 13 dias do contribuinte. Para a Educação 4,3% do PIB, ou 15,7 dias do contribuinte.
O que não é dito ao contribuinte brasileiro? Que ele trabalha quase 3 semanas para pagar as despesas com elevadas taxas de juros para a classe de alta renda! E que essa monumental transferência de renda aos 20 mil clãs de alta renda, que se beneficiam da dívida pública, representa uma transferência do Estado: infinitamente maior do que recebem milhões de famílias de baixa renda (Marcio Pochmann – Agência Carta Maior, 2005).
O custo social da política fiscal foi posto a nu, já em 2002, no artigo Tudo azul: do outro lado da Moeda (Contraponto, 2002). À pergunta: “Para onde foi a arrecadação federal, que passou de R$ 81 bilhões em 1995 a R$ 192 bilhões em 2001?”. A resposta: “engordou os ratos na despensa do endividamento garantido pelo Banco Central”.
Sem maiores rodeios, constata-se que a política tributária foi condicionada à transferência de renda do conjunto da população para saciar o capital financeiro e a banca nacional e internacional. A relação receita/PIB sai de 12,6% em 95 para 17,1% em 2002! A relação juros/PIB salta de 2,9% para 9,0% no mesmo período.
Lamentável destino para uma extração tributária perversa e penosa: o avanço da arrecadação sobre o PIB equivaleu ao crescimento da proporção de juros pagos ao andar de cima. Elevou-se a extração tributária regressiva para financiar a farra dos juros altos!
Resumindo, estamos diante do seguinte quadro fiscal: 1. Um sistema tributário de baixa solidariedade social pela elevada participação da tributação sobre o consumo na carga tributária. 2. Uma elevada participação da tributação sobre o consumo na renda pessoal das famílias, caracterizando fortemente a regressividade do sistema; 3. Modestos ganhos distributivos das políticas sociais (ver tese doutorado Fernando Gaiger), anulados pela tributação regressiva. Como se vê, dá-se com a mão esquerda e retira-se com a destra: configurou-se um mecanismo de transferência regressiva do gasto público, via política de financiamento da dívida pública.
A percepção nacional da questão fiscal está muito longe da realidade: a maioria do brasileiro não sabe que paga imposto (e são os que mais o pagam), enquanto a fração rentista da nossa elite proclama que nada recebe do Estado (e são os que mais dele usufruem).
*Auditora-Fiscal da Receita Federal do Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário