por Márcio Mello Casado* vi no blog Pensando e seguindo
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Qualquer ação de cunho contencioso, a tal “briga na justiça”, se não houver alguma espécie de acordo no meio do caminho, deverá ter uma duração média de uma década, considerando-se a data da propositura da demanda e a entrega do bem objeto do litígio ao vencedor. Nesse período, o processo passará algumas vezes pelos tribunais estaduais. Outras tantas pelo Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.
A justiça funciona mais ou menos assim: (a) o primeiro passo é a petição inicial, na qual o autor da demanda expõe o seu direito; (b) a contestação vem em seguida, momento no qual o réu procura refutar aquilo que o autor alegou; (c) depois, poderá haver uma audiência na qual um acordo pode ocorrer; (d) não havendo a tal composição, o processo segue, com exames periciais, prova testemunhal, etc; (e) o derradeiro passo é a sentença, a qual é proferida por um juiz de primeira instância (aquele juiz que fica no Fórum); (f) após a sentença poderá haver recursos de apelação ao Tribunal Estadual, onde Desembargadores irão examinar a causa de novo; (g) e os últimos passos são os julgamentos dos recursos nos Tribunais Superiores (Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal).
Parece simples, não? Pois é, parece. Todavia, entre a letras “a” e “g” podem ocorrer uma gigantesca quantidade de incidentes. Se a petição inicial contiver um pedido de liminar, havendo ou não deferimento do pedido, poderá haver um recurso ao tribunal estadual. E esse recurso chegará ao tribunais superiores (STF e STJ), enquanto em primeira instância o processo poderá ficar suspenso ou seguir o seu caminho. Se uma prova for deferida, ou indeferida, novo recurso será cabível, e ele chegará também aos tribunais superiores. A verdade é que cada decisão que o juiz tomar no curso do processo pode (e quase sempre será) objeto de algum tipo de recurso.
É difícil avaliar se a existência de tantos momentos para recorrer é ruim. Sob a ótica de quem recorre, evidente, o juiz de primeira instância está errado. Mas isso não faz diferença alguma, porque, certo ou errado, o recurso será interposto e o processo demorará a ter uma solução final.
Mas o que é uma solução final? Ela ocorre quando não houver mais possibilidade de se recorrer da decisão de mérito (aquela decisão que disse que fulano tem razão e que beltrano deve lhe entregar alguma coisa, para ficar em um exemplo bem trivial). Esse evento chama-se trânsito em julgado.
E aí o processo se encerra? Não. Quando houver a decisão final a parte que venceu poderá executar a sentença, pois o cumprimento do julgado não é automático. Se a decisão disser que há um crédito contra o réu, o autor deve intimá-lo a pagar o tal débito. E o réu pode pagar ou simplesmente nada fazer. Em regra, nada faz. E o processo que antes recebia o nome de “ordinário” (nada mais apropriado) passa à chamada fase executiva.
E tudo começa de novo! Inclusive com novas defesas, novos recursos e nova visita do processo aos tribunais estaduais e superiores.
A essa altura é de se perguntar, um processo não termina jamais? A doutrina informa que o processo tem fim sim. A prática forense revela que ele pode não acabar jamais.
(Não vou tratar da ação rescisória que pode haver após o trânsito em julgado da decisão. Mas não custa explicar que, depois de tudo resolvido, tudo pode ser modificado por meio dessa ação própria, embora ela tenha requisitos especiais para propositura que dificultam a revisão da coisa julgada.)
Qual o processo que nunca se encerra? Após vinte anos de prática forense e alguns títulos acadêmicos que pouco significam dentro da batalha contenciosa descobri que se há dinheiro ao lado de quem não tem razão, o céu (ou o inferno, na ótica de infeliz adversário) não é o limite.
As Instituições Financeiras
O pior adversário que se pode ter em um lítigio é uma instituição financeira. Não porque tenham muito dinheiro (isso ajuda, lógico), mas porque elas agem sempre de má-fé, sem exceção. Repito: sem exceção.
Um banco, ao cobrar seus clientes na justiça, ou exige mais do que é devido ou se utiliza dos meios mais virulentos de cobrança que podem existir. Se a instituição tiver a opção de executar um contrato, pedirá a falência. Se puder penhorar um imóvel, pedirá a penhora on-line do dinheiro do devedor. Para quem não sabe, penhora on-line é um procedimento eletrônico no qual o Banco Central do Brasil serve como uma central que distribui as ordens judicias aos bancos, bloqueando os saldos das contas das pessoas, físicas ou jurídicas. Trata-se de um método quase instantâneo de cobrança se você for uma pessoa normal (mais tarde veremos que isso só funciona com você ou com sua empresa, se o devedor for uma instituição financeira, não funciona não).
Mas porque afirmo que bancos estão sempre de má-fé? Não só porque agem da forma acima, mas porque sabem que estão errados e insistem naquilo que é excessivo, pois são poucos os que reclamam. Basta visitar o site do Superior Tribunal de Justiça para ver o que um banco pode cobrar ou não (www.stj.jus.br). Agora, olhem os seus contratos e vejam que boa parte do que lá está consagrado como ilegal está sendo cobrado de você, nesse momento.
Bancos não têm acesso à internet? Não conhecem as leis? Evidente que sim. Mas que diferença isso faz? Nenhuma. Pode ser que um ou outro cliente reclame, mas a maioria se entrega, não tem força para debater. Engole o ilícito, faz o seguro que o gerente acabou de lher impor e renova o cheque especial.
Aquele que for para a justiça reclamar da ilegalidade irá se incomodar muito. Irá ganhar a demanda se sobreviver ao tempo. Mas terá que passar por restrições cadastrais, visitas de oficiais de justiça, custas processuais, honorários de advogado e mais um sem número de coisas que desanimam qualquer mortal.
O processo demorará anos. Receberá a pecha de mau pagador a cada página das petições da instituição financeira. E, quando tudo terminar, pode ocorrer algo não tão incomum aos sobreviventes: não só o devedor venceu a ação como descobriu que, ao invés de ser devedor, é credor da instituição financeira.
E agora?
O cliente que se descobre credor de uma instituição financeira não tem a vida fácil. Tudo bem, ele tem o título executivo judicial que lhe possibilita penhorar bens do banco. Ótimo, maravilhoso, quero ver cumprir...
O caminho óbvio do cliente credor é pedir ao juiz o cumprimento da sentença (título executivo judicial). Isto é, intimar o banco a pagar o débito. Dinheiro não faltará, imaginará o tolo cliente.
É aí que se descobre que um banco, quando executado, não paga, não indica bens à penhora (e se indica, nunca é dinheiro) e faz de tudo para fugir de suas obrigações. Se o juiz ordena uma penhora on-line contra um banco a diversão é garantida. Um circo é armado. E os palhaços são o cliente e o pobre do juiz que deu a ordem.
Bancos nunca têm dinheiro! A maior parte não tem conta-corrente. Afirmam nos processos, sem qualquer pudor, que o dinheiro que tem é dos clientes. E os poucos recursos que a instituição financeira tem constituem-se em reserva bancária (essa palavra mágica significa que o dinheiro do banco está no Banco Central, em bem apertado resumo).
Tudo que se lê sobre os lucros fantásticos nos jornais ou nos balanços dos bancos desaparece nos processos. São uns coitados. E não se pense que são só os bancos privados que fazem chacota do Poder Judiciário, os estatais ou de economia mista são bem piores. Aí eles usam outro argumento cretino: são instituições de interesse público. Tadinhos. E cumprir uma decisão judicial não é de interesse público?
Se for uma empresa arrendadora a penhora on-line até ocorre. Mas o dinheiro não chega às mãos do juízo, na conta judicial destinada para o processo. É que a arrendadora, do mesmo grupo do Banco onde a conta corrente foi bloqueada, não transfere o dinheiro. Exato, a decisão judicial não é cumprida, deliberadamente. E aí se descobre que a penhora on-line só é on-line para nós, mortais. Um banco tem a faculdade de descumprir a ordem judicial de transferência on-line. E não adianta reclamar para o Banco Central do Brasil.
O juiz até pode ficar indignado, multar o banco, bater o pé, mas a sua ordem só será cumprida quando alguém, de dentro do banco, disser: é... agora não dá mais para segurar.
E o dinheiro, depois de muito tempo, chega à conta judicial.
Grande coisa!
Nesse momento, aquele cliente que já está de cabelos brancos, não só pela idade, mas dos sustos que tomou no curso da demanda, inicia um processo acelerado de calvície.
Ele cai na bobagem de pedir ao juiz que lhe entregue o dinheiro. Afinal, o processo acabou, não há mais defesa alguma do banco pendente de julgamento, senão um recurso meramente protelatório sobre a ilegalidade da penhora on-line.
O que diz a doutrina e a jurisprudência: entreguem esse dinheiro logo!
O que diz o juiz: Não. É necessário que se espere o trânsito em julgado daquele recurso protelatório. O advogado da causa questiona o juiz: Excelência, mas isso não tem o menor fundamento legal. A resposta vem seca: Doutor, o CNJ (Conselho Nacional da Justiça) está de olho, sabe como é?
Não, o advogado não sabe como é. Ele sabe que está naquele processo há quinze anos. Sabe que não há recurso algum pendente, exceção ao que não deveria ser impedimento algum. Sabe que trabalhou sério em favor de seu cliente. Sabe que os magistrados que julgaram a demanda nessa década e meia são pessoas sérias (alguns até já morreram, inclusive, que Deus os tenha).
E, acima de tudo, sabe que está cansado.
Um dia o processo acaba
O tempo passa. Mais um ou dois anos. Já não há mais recurso algum pendente de julgamento. O advogado retorna ao juiz (agora já é outro) e pede, novamente, o levantamento do dinheiro.
O juiz, sempre muito cauteloso, manda que a serventia judicial certifique que não há mais recurso algum pendente de julgamento. E o alvará é entregue ao advogado.
Em direção ao banco depositário judicial ele liga para o filho do cliente e informa que irá sacar o dinheiro. Parabéns, doutor, se meu pai estivesse aqui ficaria muito feliz.
Cadê o seu pai? Doutor, ele foi ao banco prorrogar um contrato. Acho que teremos que entrar com outra ação..."
(*) Advogado. Mestre e Doutor em Direito – PUC/SP"
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