30 de mar. de 2012

Troca de quadrilha - Os tempos românticos da bandidagem carioca

Por Lúcio de Castro no seu blog no Espn.com.br

O mundo do crime é assim: bandidos chegam e se vão. Uns duram mais, outros menos. Alguns saem de cena fazendo seus sucessores, outros brutalmente. Uns deixam comparsas no seu lugar, em outros casos ocorre uma ruptura no poder. Uma troca de quadrilha apenas. Mas a essência do negócio geralmente segue intocada, como nos ensinou Capitão Nascimento em “Tropa de Elite 2”: se o que ele apropriadamente botou num saco macro (corrupção, cumplicidade com o colarinho branco dos poderes republicanos apodrecidos como judiciário, legislativo e executivo, benevolência da grande mídia por interesses maiores e outras razões) chamou de “sistema” não for atingido, nada muda. É apenas uma troca de homens ou de quadrilhas. 

Um breve passeio pela história da bandidagem, dos tempos românticos até hoje, nos mostra que homens se vão desde sempre mas o crime segue. Por isso ninguém deve soltar fogos quando um bandido deixa o posto mas fica a estrutura intocada.

Sempre foi assim. E bandidos lendários sempre povoaram o imaginário popular. Mineirinho foi um dos pioneiros a ganhar dimensão quase pop, capa dos jornais todos os dias. Tempos românticos se comparados com os dias de hoje. No meio da malandragem, diz-se que José Rosa de Miranda virou Mineirinho porque defendeu Isabel do temido bandido Arubinha. Morto o rival, não restou alternativa para Mineirinho, já afamado e conceituado em Mangueira. Sua morte parou o Rio no distante ano de 1962. O cerco ao bandido é uma espécie de primeiro treino do Garrincha no imaginário da gente da cidade: todo mundo sabe de alguém que viu ou estava quando Mineirinho foi cercado por dezenas de policiais e fuzilado. 

Manoel Moreira foi mais um cidadão pacato que se transformou da noite para o dia no bandido inimigo número um da sociedade, que, como se sabe, precisa de um personagem do tipo para acompanhar a vida. Morador da favela do Esqueleto, atual campus da UERJ, atrás do Maracanã, o bandido conhecido como Cara de Cavalo decretou sua morte quando matou em tiroteio o detetive Milton Le Cocq, vingado com mais de 100 tiros na primeira ação da Scuderie Le Cocq. Foi Cara de Cavalo que inspirou Hélio Oiticica a fazer o poema-bandeira “Seja marginal, seja herói”, que homenageava o amigo de boas resenhas em Mangueira.

Lúcio Flávio Vilar Lírio provavelmente foi o de mais glamour. Articulado, é dele a tão simples quanto genial frase “Bandido é bandido, polícia é polícia, como água e azeite, não se misturam”, de um tempo em que as coisas ainda eram pensadas assim, e não se misturavam tanto realmente. “Noquinha” foi definitivamente alçado a condição de mito ao ser representado no cinema por Reginaldo Faria. 

O contato dos presos comuns nos anos de ditadura com presos políticos ajudou a inauguração de uma nova era: no lugar dos bandidos glamourosos, cavaleiros solitários, vieram as organizações criminosas, facções. Ainda assim, como é necessidade do ser humano acompanhar a vida de personagens míticos, alguns bandidos históricos seguiram surgindo. Nos primórdios das organizações, José Carlos dos Reis Encina talvez seja o mais notório. Chefão do Juramento, Escadinha protagonizou fuga espetacular de helicóptero, digna de roteiro hollywoodiano. Meio-Quilo, Professor e outros eram desses primórdios. 

Mas foi em 1994 que o Rio viveu uma de suas mais espetaculares histórias de crimes que viraram lendas. Com a bandidagem já organizada em facções, Orlando Jogador e Uê dividiram o comando da mesma facção. O primeiro no Morro do Adeus e o segundo no Alemão. Até que Uê virou inimigo de Jogador. Mesmo sendo inimigo, Uê armou uma cilada para que Jogador acreditasse nele e prestasse socorro para uma suposta dívida com a polícia. Na fatídica noite, levando os 60 mil dólares pedidos como ajuda, Jogador foi emboscado pelo bando de Uê e metralhado. 
O caso, que Hollywood já deveria ter farejado como roteiro espetacular, povoou o cotidiano carioca por meses, por ter todos os elementos que uma trama fantástica requer. Ao longo desses anos, vi histórias bem parecidas com a traição de Uê a Orlando Jogador e a troca de quadrilhas, quer no mundo corporativo, quer nas mais diversas instituições. Vivo fosse, Uê seria um belo palestrante para o mundo das empresas. Seu “case” como se diz por aí virou modelo em muitas empresas. A vingança de Jogador veio alguns anos depois, quando o time de Fernandinho Beira-Mar trucidou Uê em pleno presídio de segurança máxima Bangu 1.

Ficou a lição: nenhum bandido é eterno, nenhuma quadrilha é eterna. Mas se o “sistema” não for golpeado e tiver sua raiz cortada, (investigação de bens do criminoso e dos próximos, evolução patrimonial compatível com a renda, declaração de renda, etc ) todo bandido será substituído por outro e a vida bandida segue. Com sorte, (e contando com a impunidade governamental e a cumplicidade de setor da imprensa) o bandido que deixa o poder vai viver o resto da vida em Miami, trilionário, rindo dos outros e confessando que "...anda para a opinião pública". E o “sistema” continua...

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