Vamos combinar que o governo alemão extrapolou diante da crise. O ministro da Economia Schauble agora acha que os países que querem ajuda para livrar-se da bancarrota — pela qual todas as partes da União Européia tem sua cota de responsabilidade — deveriam abrir mão de sua soberania.
Em reportagem do site da Epoca, descobre-se que Shauble acredita que “um Estado com problemas, que venha a ser ajudado, deve ceder à União Européia parte de seus direitos de soberania.”
Vamos combinar que nem o FMI em seus momentos de maior arrogancia tinha coragem de referir-se nestes termos aos países quebrados da América Latina, da África ou da Asia. Mantinha-se as aparencias, pelo menos. Isso porque os direitos políticos de cada povo são realidades mais nobres e consistentes do que os desastres conjunturais de suas economias ou os percalços de seus governos.
Tanto é assim que, ao longo do século XX, a própria Alemanha quebrou três vezes e por três vezes recebeu generosos auxilios dos países que estavam em boa situação financeira. A primeira vez foi na década de 20, quando a crise atingiu um ponto absurdo. A segunda foi nos anos 30, em função da crise de 29. A terceira, e mais grave, foi depois da Segunda Guerra Mundial, quando os países aliados despejaram recursos, créditos e investimentos na economia alemã, destruída por uma guerra que o governo nazista havia iniciado.
Verdade que, pelos acordos do fim da guerra, os alemães foram obrigados a abrir mão de parte de sua soberania. Mas a causa desses acordos não era economica, mas militar, política e humanitária, não é mesmo?
Do ponto de vista economico, a atitude dos países aliados no pós-Guerra foi lúcida e corajosa. Os alemães receberam generosos investimentos que jamais foram pagos, em nome de um projeto de reconstrução chamado Plano Marschall. Além disso, boa parte das dívidas alemãs foi perdoada e apenas algumas reparações envolvendo crimes gravíssimos e vergonhosos — como indenização por trabalhos forçados — tiveram de ser pagas em dia, pontualmente, pois envolviam uma forma degenerada de escravidão. Nada mal, vamos combinar.
Em várias oportunidades os governantes alemães atrasaram seus pagamentos. Sem problema. Mais tarde, quando as duas Alemanhas decidiram unificar-se, o mundo aplaudiu.
A mesma atitude poderia ser aplicada a crise dos países pobres da Europa, hoje. Não é uma questão de gratidão. É que não há saída.
Eles foram beneficiários e ao mesmo tempo vitimas daquela malandragem financeira conhecida como empréstimos de segunda linha, que envenenou as economias desenvolvidas na década passada. Os gregos, espanhois, italianos e ingleses receberam empréstimos que não podiam pagar — de instituições financeiras que não tinham a quem emprestar e lançaram mão de alavancagens economicas que seriam consideradas imorais mesmo em cassinos clandestinos. Os países europeus pobres enfrentam, como nações, a mesma penúria que atinge boa parte da população americana, que perde suas casas, não encontra empregos, não pode fazer compras nem pagar o estudo dos filhos — enquanto os poderosos de sempre recuperam seu patrimonio e ameaçam jogar o mundo em nova crise só para não deixar o governo Barack Obama elevar um pouquinho a alíquota de seus impostos.
Do ponto de vista prático, muitos países europeus já abriram mão de sua soberania ao submeter-se ao euro. Esta moeda comum está acima de seu controle e não é expressão de suas riquezas — numa situação dolorosa e sem saída, que lembra a Argentina nos tempos em que um desses genios periódicos da economia aplicou a tese de dolarizar o país. O ministro Schauble não precisa exagerar.
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