Resposta do Reitor da UnB, professor José Geraldo de Sousa Junior
Aprendi lendo a história do novo jornalismo, de Marc Weingarten (“A turma que não escrevia direito”), que uma sola de sapatos gasta é um dos melhores critérios para julgar uma boa reportagem. Ele cita o caso de um excelente repórter americano que não abria mão de testemunhar os fatos. Andava Nova York de ponta a ponta em busca de suas sempre brilhantes matérias sobre o cotidiano da cidade. Gastava muita sola de sapato e orgulhava-se disso.
Nesse tempo que a história aposentou, os principais equipamentos de um jornalista eram os cinco sentidos, mas principalmente a visão.
Os bons faziam questão de estar lá, quase participar dos acontecimentos, ver de perto as coisas, contar aos seus leitores que estiveram presentes. Tinham, obviamente, elevada credibilidade. Nessa época em que a palavra valia mais que o dólar, não havia sequer gravador, quanto mais facilidades digitais. Muitas vezes, o único recurso era a memória. Faro, bons ouvidos, tato.
Sem falar em pernas fortes, passos largos, sapatos resistentes. Enfim, repórter competente gostava de andar e ver.
Aprendi essa verdade brutal por experiência própria. Há três meses recebi a visita de um repórter da revista Veja. Ele estava interessado em esclarecer três ou quatro denúncias sobre suposta perseguição ideológica no câmpus da UnB. Perplexo, contestei todas elas.
Um professor deixou de lecionar porque sua disciplina foi absorvida por outra; o pedido de demissão de outro foi uma perda irreparável para a UnB; acreditava que um terceiro achava-se confortável aqui, onde belo projeto de sua autoria venceu concurso para a construção de uma obra destacada no campus; a decisão de afastar uma professora da chefia de um curso fora decisão autônoma da Faculdade de Educação. Etc, etc. Tudo isso é assunto de domínio público.
Diante de mim, um rapaz tímido, muito educado e meio alheio àquelas pendengas não anotou, não gravou, mal perguntava. Seguramente foi traído pela memória, pois de 45 minutos de conversa reproduziu uma frase.
Construiu sua matéria citando oito pessoas, das quais apenas quatro professores da universidade, os únicos que falam, quase todos contestados pelos responsáveis diretos das decisões que contrariaram interesses apresentados como virtudes ideológicas, excelência acadêmica. Um deles me ligou para negar a conversa com a publicação. Soube que outro vai pelo mesmo caminho.
Quarenta e oito horas depois de chegar às bancas sobraram da reportagem dois depoimentos inverossímeis. A verdade apanhou sem misericórdia, os fatos foram esquecidos, a lógica, atropelada, enquanto mais de 2 mil docentes, 90% doutores, e um mundo real de liberdade e resultados, acabaram ignorados.
Mesmo um calouro, que ao ser acolhido entre nós ganha um “manual de sobrevivência”, aprende rápido como funciona a UnB. Por exemplo: “A Universidade de Brasília teve o melhor desempenho no último exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em termos proporcionais, entre todas as instituições de ensino do país”, contaram ontem os jornais.
Depois que dei todas as informações ao jornalista da Veja, que ele agradeceu e revelou-se satisfeito, lembrei-me de Tchecov e de seu texto sobre a saúde nas Ilhas Sacalinas: não há boa reportagem sem um bom par de sapatos e um caderno de anotações. Olhei para os pés do repórter e algo me advertiu do risco que passei a correr: as imaculadas solas de seus sapatos.
José Geraldo de Sousa JuniorReitor da Universidade de Brasília
Aprendi lendo a história do novo jornalismo, de Marc Weingarten (“A turma que não escrevia direito”), que uma sola de sapatos gasta é um dos melhores critérios para julgar uma boa reportagem. Ele cita o caso de um excelente repórter americano que não abria mão de testemunhar os fatos. Andava Nova York de ponta a ponta em busca de suas sempre brilhantes matérias sobre o cotidiano da cidade. Gastava muita sola de sapato e orgulhava-se disso.
Nesse tempo que a história aposentou, os principais equipamentos de um jornalista eram os cinco sentidos, mas principalmente a visão.
Os bons faziam questão de estar lá, quase participar dos acontecimentos, ver de perto as coisas, contar aos seus leitores que estiveram presentes. Tinham, obviamente, elevada credibilidade. Nessa época em que a palavra valia mais que o dólar, não havia sequer gravador, quanto mais facilidades digitais. Muitas vezes, o único recurso era a memória. Faro, bons ouvidos, tato.
Sem falar em pernas fortes, passos largos, sapatos resistentes. Enfim, repórter competente gostava de andar e ver.
Aprendi essa verdade brutal por experiência própria. Há três meses recebi a visita de um repórter da revista Veja. Ele estava interessado em esclarecer três ou quatro denúncias sobre suposta perseguição ideológica no câmpus da UnB. Perplexo, contestei todas elas.
Um professor deixou de lecionar porque sua disciplina foi absorvida por outra; o pedido de demissão de outro foi uma perda irreparável para a UnB; acreditava que um terceiro achava-se confortável aqui, onde belo projeto de sua autoria venceu concurso para a construção de uma obra destacada no campus; a decisão de afastar uma professora da chefia de um curso fora decisão autônoma da Faculdade de Educação. Etc, etc. Tudo isso é assunto de domínio público.
Diante de mim, um rapaz tímido, muito educado e meio alheio àquelas pendengas não anotou, não gravou, mal perguntava. Seguramente foi traído pela memória, pois de 45 minutos de conversa reproduziu uma frase.
Construiu sua matéria citando oito pessoas, das quais apenas quatro professores da universidade, os únicos que falam, quase todos contestados pelos responsáveis diretos das decisões que contrariaram interesses apresentados como virtudes ideológicas, excelência acadêmica. Um deles me ligou para negar a conversa com a publicação. Soube que outro vai pelo mesmo caminho.
Quarenta e oito horas depois de chegar às bancas sobraram da reportagem dois depoimentos inverossímeis. A verdade apanhou sem misericórdia, os fatos foram esquecidos, a lógica, atropelada, enquanto mais de 2 mil docentes, 90% doutores, e um mundo real de liberdade e resultados, acabaram ignorados.
Mesmo um calouro, que ao ser acolhido entre nós ganha um “manual de sobrevivência”, aprende rápido como funciona a UnB. Por exemplo: “A Universidade de Brasília teve o melhor desempenho no último exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em termos proporcionais, entre todas as instituições de ensino do país”, contaram ontem os jornais.
Depois que dei todas as informações ao jornalista da Veja, que ele agradeceu e revelou-se satisfeito, lembrei-me de Tchecov e de seu texto sobre a saúde nas Ilhas Sacalinas: não há boa reportagem sem um bom par de sapatos e um caderno de anotações. Olhei para os pés do repórter e algo me advertiu do risco que passei a correr: as imaculadas solas de seus sapatos.
José Geraldo de Sousa JuniorReitor da Universidade de Brasília
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