Um dos papéis sagrados da mídia é ajudar o leitor a compreender o mundo em que vive.
Ninguém vem fazendo isso, em escala global, tão bem quanto o Wikileaks, o controvertido site que vaza coisas consideradas de interesse público. Os alvos prediletos do Wikileaks são os Estados Unidos. O militarismo americano é considerado uma ameaça à democracia por Julian Assange, o evasivo editor do Wikileaks, um ex-hacker que tem fama de gênio e vive uma vida misteriosa de protagonista de filme de espionagem. Ele nunca usa cartão de crédito. Só paga despesas com dinheiro – emprestado de amigos, segundo um perfil ferino do New Yoork Times.
Uma prova do desempenho excepcional do Wikileaks é que você tem a impressão de que é um site que já está aí há muitos anos. Todos o conhecem, todos o respeitam, e muitos o odeiam.
O mais recente furo do Wikileaks, os 250 000 telegramas da diplomacia americana espalhada pelo mundo, é uma aula magna de história contemporânea. É o assim chamado Cablegate: cable de telegrama em inglês e gate de Watergate, o escândalo que derrubou Nixon na década de 1970.
Você fica sabendo, por exemplo, que a China quer ver as duas Coréias unidas. A China durante muitos anos esteve na retaguarda da Coréia do Norte, mas parece ter se cansado dessa “criança mimada”, conforme se lê nos documentos vazados.
Você aprende muito sobre o Oriente Médio: nas mensagens publicadas, reis e líderes do Golfo Árabe pedem que os Estados Unidos bombardeiem o Irã.
Você vê também o sentimento de superioridade da diplomacia americana: o tom arrogante e reprovador está presente em muitos telegramas. A chanceler alemã Angela Merkel é “avessa a riscos”. O presidente russo Dimitri Medvedev é “pálido” diante do antecessor e mentor Vladimir Putin.
Para o Brasil, emergiram coisas como um olhar negativo para o Itamaraty, “antiamericano”. A preocupação do Brasil com a Amazônia, na avaliação da embaixada americana em Brasília, está contaminada pela “tradicional paranóia brasileira”. Mas foi feito um elogio – não sei como o destinatário o terá recebido – ao ministro da defesa Nelson Jobim, um político da velha geração, aquela que só abre espaço para os novos quando está diante do esquife.
Haverá novidades por algum tempo: não é fácil ler 250 000 telegramas.
As escolas brasileiras fariam bem em triar os telegramas – disponíveis na internet, inclusive em português – e usá-los como base em aulas de história moderna.
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